Neste final de ano, todos os domingos à tarde publicaremos algumas perguntas da seção "Perguntas frequentes" do site do Diversidade Católica. Você pode acessar a série completa no próprio site do DC, ou na tag "perguntas frequentes". :-)
"Quais são as bases para a Igreja condenar a homossexualidade?"
A homossexualidade em si não é vista pela Igreja como pecado.
Em concordância com as ciências humanas – e, talvez, até mesmo como resultado das ciências humanas e sociais –, a Igreja entende que a homossexualidade é uma tendência, uma orientação: não uma escolha ou opção. Daí a orientação homossexual não poder ser classificada enquanto pecado, já que este inclui sempre uma dimensão de ação pessoal.
Se orientação homossexual não é pecado, outra é a avaliação do Magistério (1) com relação aos atos que provêm da orientação: estes sim, seriam pecaminosos.
A Igreja realiza tal juízo baseada em:
• certos textos bíblicos que mencionam relações entre pessoas do mesmo sexo (cuja interpretação tem ganhado novos matizes, considerando a cultura da época e o fato de serem situações muito diferentes do que hoje chamamos homossexualidade (veja a pergunta 5);
• no ensino tradicional do Magistério (veja a pergunta 3);
• na chamada “lei natural”.
“Lei natural” seria a orientação inerente à vida humana que ganha sentido por ter sido criada por Deus. A criação – e nela, o ser humano – possuiria, em si mesma, uma orientação a ser respeitada, pois provém do próprio Deus, não da cultura ou de tradições sociais.
A “lei natural” faz com que a Igreja compreenda todo ato sexual como necessariamente aberto à procriação. Quaisquer dinamismos sexuais que não possam gerar filhos seriam errados moralmente: atos sexuais pré-matrimoniais, uso de contraceptivos, masturbação, atos homossexuais.
Nas últimas décadas, tem se insistido também na dimensão unitiva do ato sexual: um encontro profundo entre duas pessoas que renova e expressa seu amor.
Por estar presente em todos os seres humanos, a “lei natural” justificaria um discurso universal, e não apenas dirigido aos fiéis. É baseado nesta prerrogativa que o Magistério se opõe à aprovação de parcerias civis entre pessoas gays.
O ato iria de encontro não apenas à doutrina, mas à própria natureza humana, à natureza da família. Na interpretação da Igreja, a abertura à procriação é requisito inerente ao ato sexual e a complementariedade que ele expressa e aprofunda entre duas pessoas só se realiza entre um homem e uma mulher.
A existência de uma “lei natural” imutável para todos os seres humanos, contendo tantas especificações como as interpretadas pelo Magistério, não é de modo algum compartilhado por outras instâncias no mundo de hoje.
O avanço do pluralismo, a maior comunicação entre diferentes culturas e o reflexo de tais processos em ciências como a Antropologia e a Sociologia tornou possível a percepção que muitas das afirmações aparentemente naturais ao ser humano eram, sim, naturais a culturas específicas.
Inúmeros fatores sustentavam uma certa visão de ser humano como aplicável a todos. Mesmo as instâncias que entendem haver uma lei natural, discutem se dela se podem auferir tantas especificações, orientações tão pormenorizadas.
Pensemos, por exemplo, na dimensão procriativa inerente à atividade sexual segundo a interpretação que a tem Igreja acerca da “lei natural”.
A dimensão procriativa da sexualidade teria papel importante na medida em que resguarda o ato sexual de ser mero ato fechado em um gozo egoísta. Evitaria a instrumentalização do outro, torná-lo objeto de satisfação egocêntrica.
De fato, o ato sexual deve gerar vida. Mas será que isso implica necessariamente em gerar filhos?
Todo ato sexual vivido na doação de si mesmo ao outro, na acolhida da outra pessoa, num amor sincero não é também gerador de vida? Um casal heterossexual que, em certo momento da vida, se abstém da possibilidade de gerar filhos utilizando métodos contraceptivos não está pensando em uma vida mais plena para a descendência futura?
Nem sempre o sinal de abertura à vida significa a geração de filhos. Se assim fosse, atos sexuais de pessoas comprovadamente estéreis não seriam lícitos de acordo com a “lei natural”.
Quanto à dimensão unitiva, a complementariedade entre pessoas expressada e aprofundada no ato sexual não diz respeito somente à completude corpo de homem/corpo de mulher.
Poderíamos continuar crendo que os traços orgânicos, anatômicos definem as pessoas e suas relações com o mundo, quando, na verdade, o que importa é a compreensão a respeito de si, ainda que a partir de uma base física, que a pessoa possui e forjará suas relações.
Se, mais do que a ação de glândulas, o que nos faz ser humanos é o “eu” – a subjetividade própria de cada um –, então nossa sexualidade tem mais a ver com “cabeça” do que com anatomia.
Por isso, não é possível dizer que corpos homem-mulher são complementares para todas as pessoas. Trata-se de uma verdade plena para heterossexuais. A completude expressa pelos corpos na união sexual é, sim, a expressão de uma vida, de um encontro que abarca toda a pessoa em relação à outra, se esta dimensão unitiva chama a atenção para o caráter humanizante do ato sexual em uma relação, isto é verdade para qualquer relação de amor entre duas pessoas.
(1) Magistério - Ofício de interpretar a Palavra de Deus exercido pelos bispos, que são os sucessores dos apóstolos, em comunhão com o papa, bispo de Roma e sucessor de Pedro. O Magistério não está acima Palavra divina, mas a serviço dela.
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