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Um assíduo seguidor no Twitter e amigo no Facebook, Marcelo Spitzner, publicou o texto abaixo em seu ótimo blog What about? e teve a gentileza de nos enviar o link. É para nós uma honra sermos citados por ele, e é com alegria que reproduzimos sua tão lúcida reflexão aqui.
Esse post se diferencia dos outros postados aqui por uma temática ainda não abordada, mas que é extremamente importante para mim, que ocupa boa parte das minhas reflexões cotidianas porque minha história foi profundamente marcada por uma vivência religiosa católica e, sobretudo, católica eucarística e litúrgica.
Geralmente aos domingos, costumo me dedicar a refletir sobre minha relação com Deus ou com a Espiritualidade. Não têm sido reflexões fáceis de serem feitas, pois desde que me decidi por não mais frequentar a Comunidade Católica e de assumir em relação a ela uma posição política de não aceitação de certas contradições com práticas evangélicas essencias (tais como o verdadeiro acolhimento, o amor fraterno, o perdão, a enfase na pregação do Kerygma muito mais do que o apontamento do dedo dos pecados e das contradições humanas, mas também em termos cidadãos a pouco boa vontade de se debruçar de maneira aberta a estudar e dialogar questões ligadas às minorias, às sexualidades, às legítimas escolhas e condições humanas, a questões ligadas ao casamento e à reprodução percebendo de maneira racional e inteligente, o que não afasta em nada da fé e da dogmática, o desenvolvimento cultural e social através dos tempos e da história.), meu sentimento, às vezes, é de angustia e exclusão. Algumas vezes, no entanto, a sensação de que algo poderia ser feito. Nessas vezes, penso que vivemos tempos dificeis em que as mentes e corações abertos para discutir, pensar, e assumir posições missionários num sentido mais inclusivo e libertador são vozes enfraquecidas e/ou ofuscadas em tempos de aparente ( ou real) retrocesso nos avanços conciliares sentidos nas décadas de 60, 70 e bem nos inícios dos 80.
Então, nesse domingo como nos outros, voltei-me para refletir no silêncio do meu quarto os passos da liturgia eucarística dominical; lembrei muito do refrão de um canto de comunhão, que, se não me engano, foi composta em tempos de Campanha da Fraternidade (campanha idealizada e iniciada por D. Hélder Câmara, bela e santa figura e sem o devido reconhecimento), para, no tempo quaresmal, levar a comunidade católica a se posicionar de maneira mais humana e fraterna frente às necessidades, tristezas e misérias do próximo (tempo de lembrar das palavras de Jesus na parábola do Bom Samaritano: Quem é o teu próximo?), e que diz o seguinte:
1. Ó Senhor, nós estamos aqui,/ junto à mesa da celebração,/ simplesmente atraídos por Vós,/ desejamos formar comunhão!
Igualdade, fraternidade,/ nesta mesa nos ensinais.
As lições que melhor educam, na Eucaristia é que nos dais! (bis)
2. Este encontro convosco, Senhor,/ incentiva a justiça e a paz;/ nos inquieta e convida a sentir/ os apelos que o pobre nos faz.
As questões que me ocorreram foram:
a) Que ideia temos e que ideia a comunidade cristã tem de igualdade? O que significa igualdade no contexto da mesa eucarística? Há pessoas mais iguais do que outras?
b) Na esteira da pergunta de Jesus, quem é o teu próximo?, pode-se perguntar: quem é o teu igual? quem é o diferente? O que contitui a igualdade e a diferença?
c) O que é fraternidade? Que fraternidade cabe e qual não cabe ao redor do pão e do vinho dado para salvação de todos?
d) A quem e por que interessa dividir as pessoas em relação a certas condutas? A quem e por que interessa deslocar certos conceitos e não outros? - Aqui me lembro de alguns textos do Blog da Lola: como esse em que ela aponta pra coisas que eram consideradas, assim como a homossexualidade, abominação e que para ninguém, hoje, são consideradas causas de abominação.
Acabei me sentindo realmente excluído da mesa da igualdade e da fraternidade e da Igreja daquele que disse ter vindo pra que todos tivessem vida e vida em abundância e que havia alertado aos fariseus e aos doutores da Lei que as prostitutas os precederiam no Reino.
No entanto, ainda tenho esperanças de que alternativas novas e evangélicas bem como pessoas proféticas se levantem para mudar essa realidade. Tenho uma amiga que, mesmo muito ortodoxa e conservadora, me confirma essa esperança pela sua disposição de amar e sua capacidade de reflexão. Nesses momentos sempre busco suas palavras, suas orações. Nesse domingo não foi diferente, mandei uma sms, sua resposta foi pronta e confortadora. Eu me senti o seu próximo.
Lembrei-me, também, de um padre e do pessoal do Diversidade Católica.
E, senti que posso pôr outra pergunta para mim mesmo: O que queres aprender dessa mesa? Como me colocar a responsabilidade de ajudar na reflexão? O que é possível fazer? E, por fim, para que serve em tempos cada vez mais secularizados, e em meio às minhas posições políticas e teóricas e minhas experiências afetivas, cotidianas voltar-me para essa realidade? Tweet
2 comentários:
Apesar do símbolo espiritual de maior potência não interpretar literalmente as palavras de amor de Jesus e, ao contrário, se atêr em interpretações confusas sobre o V.T. e exercer seu poder de Igreja para oprimir pessoas já exclusas (por ela inclusive), acredito que nós - os marginalizados e excluídos por sermos diferentes em nossa sexualidade - estamos muito unidos... isso a Igreja não poderá acessar da maneira que ela tenta (criando bodes expiatórios) porque já não faz parte do mundo material. Pois nós também podemos sentir o que é sentarmo-nos à mesa junto a Jesus.
Querido Daniel,
Você tem razão quando fala nos bodes expiatórios. Essa é de fato uma tendência inexorável de toda instituição ou agrupamento social humanos - criar uma divisão entre "nós" e "os outros", os "de dentro" e os "de fora", os que têm o conhecimento da "verdade" (que tende a ser única e absoluta) e os que não. O perverso desse mecanismo é que a identidade dos que estão "dentro" é dada justamente pela expulsão e/ou exclusão do "mal" representado pelos "outros", os que devem ficar "fora" - porque "nós" somos os "iguais", enquanto "eles" são os "diferentes". Essa lógica da segregação vale é uma tentação em todas as estruturas sociais humanas, não só na(s) Igreja(s), então é preciso sempre ficar muito atento... porque estamos sempre classificando as pessoas assim: as que são "como nós", e as que não são. :-)
Por outro lado, sabemos que somos membros inalienáveis da Igreja - não no sentido estrito de "clero", "Magistério", "hierarquia", "instituição", mas no sentido mais amplo e profundo, o da universalidade de irmãos que somos, membros todos do mesmo corpo de Cristo, em busca de construir o Reino aqui e agora. E essa é a dimensão "santa" da nossa Igreja tão "pecadora". ;-))
E, Daniel, na medida em que os cristãos e os católicos, esse grande corpo composto por todos os batizados, cada vez mais procurarmos ser a Igreja que queremos ver no mundo, acreditamos que a "Igreja" em seu sentido estrito de "instituição" mudará também. Foi assim que ela sempre se transformou ao longo da História, e é assim que ela já está mudando.
Obrigado por caminhar junto com a gente. E, se precisar de alguma coisa, pode sempre contar com a nossa amizade e presença. Estamos à sua disposição no contatoblogdc@gmail.com.
Um abraço carinhoso.
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