Escultura: Petra Oldengarm
Acontece com frequência que, entre cristãos, se dá mais importância aos ritos, às normas, à organização, à gestão da autoridade ou aos assuntos econômicos (a tudo isso), do que à fidelidade ao Evangelho. Por isso, muitas vezes me pergunto: o que acontece com aqueles que dizem crer em Jesus, cujo princípio orientador de nossas vidas não é justamente o mesmo princípio que rege a nossa forma de viver?
Este problema – pelo que pude me informar – vem de longe. Não é coisa de agora. Trata-se de um assunto que tem suas origens nas próprias origens do cristianismo. A questão se compreende quando se tem em conta como e quando foram organizadas as primeiras “igrejas”. E também quando se sabe como e quando, naquelas primeiras “igrejas”, se conheceram os evangelhos, isto é, o que foi a vida de Jesus e o que aquela vida representa para a nossa vida.
Quero dizer o seguinte: Jesus morreu nos anos 30 do século I. São Paulo escreveu suas cartas a “igrejas” que ele mesmo havia fundado, e pelas quais se sentia responsável, entre os anos 49 e 56. Os evangelhos, na redação que chegou até nós, começaram a ser difundidos depois do ano 70 e não foram conhecidos totalmente senão no final do século I ou talvez ainda depois. Os Atos dos Apóstolos foram redigidos entre os anos 80 e 90.
Tudo isto quer dizer que as primeiras “igrejas” (das quais temos notícias) se organizaram de acordo com as ideias e crenças transmitidas pelo apóstolo Paulo. Mas sabemos que Paulo não conheceu Jesus. Nem mostrou interesse para se informar sobre a vida terrena de Jesus. A Paulo “lhe apareceu” o Cristo ressuscitado e glorioso (Gl 1, 11-16; 1Cor 9, 1; 15, 8; 2Cor 4, 6). Mais, Paulo chegou a dizer que o conhecimento de Cristo “segundo a carne” não lhe interessou (2Cor 5, 16).
Portanto, há indicadores suficientes para pensar que as primeiras “igrejas” cristãs, das quais temos notícias, tiveram sua vida, suas esperanças e suas motivações mais determinantes na glória, no céu, na eternidade, ali onde eles pensavam encontrar o Senhor da Glória. A vida, o exemplo, a bondade, a profunda humanidade de Jesus, tudo isso, foi conhecido por muitas comunidades, e pelas mais importantes “igrejas” da primeira hora, muitos anos mais tarde, talvez 20 ou 30 anos depois. Pode-se dizer que o “Senhor glorioso” se adiantou ao “Jesus terreno”.
Por isto, eu disse que “o Evangelho chegou tarde”. Tão tarde, que, a não poucos batizados, ainda não chegou. Isto explica, em definitiva, por que estamos mais preocupados em “nos submeter” ao Senhor glorioso do que em “seguir” o Jesus terreno. E por isso aconteceu o que tinha acontecer: temos um Cristianismo com muita autoridade, mas levamos uma vida com escassa exemplaridade.
- José María Castillo, teólogo espanhol
Publicado originalmente no blog do autor, Teología sin Censura, 14-11-2011. Tradução do Cepat, aqui reproduzida via IHU. Tweet
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