Foto: Stefan Rappo
Está na moda falar mal do políticamente correto.
Sei que a cultura politicamente correta pode ter distorções e exageros como tudo na vida. Não vamos discutir por aí. Não vamos ao folclore. Vamos à substância. Estamos falando de preconceitos de todo tipo.
Eu acho politicamente incorreto fazer piadinha com pobre, com negro e com judeu. Detesto o comportamento que banaliza atitudes desrespeitosas e humilhantes em relação a mulheres. Acho inaceitável que os gays sejam agredidos em função de sua orientação sexual. Aprendi ao longo da vida que nada do que é humano me é estranho.
O politicamente correto é o esforço possível de nossa época para dar dignidade aos mais fracos. Nasceu, como é óbvio, quando os mais fracos conseguiram se defender um pouco. Não só conseguiram afirmar direitos políticos, mas se mostraram capazes de competir um pouco no mercado de trabalho e levantar a cabeça e não aceitar uma tradição politica baseada na hierarquia e na obediência.
A denúncia contra o politicamente correto nasce daí. É uma tentativa de retorno a um passado onde a desigualdade e a opressão eram vistas como dados naturais e imutáveis da vida.
Não só era preciso conformar-se com a situação. Era mesmo possível divertir-se com a infelicidade dos fracos e ofendidos. Solicitava-se, inclusive, que estes fossem cúmplices da própria humilhação. Este é o humor politicamente incorreto.
Vivemos numa sociedade hierarquizada, com várias formas invisíveis de poder, que podem prejudicar e ferir. Essa desigualdade se expressa na linguagem e é aí que a coisa pega. A desigualdade é um dado da existência de todo mundo. Em parte está na natureza. Em parte é construida socialmente.
O debate envolve a linguagem porque ela é a forma mais eficaz para consolidar uma situação social. As palavras embrulham a realidade.
Entendo assim: numa sociedade dividida por tantas diferenças, o politicamente correto é necessário para quem não tem poder de retaliação para devolver uma ofensa nem dinheiro para contratar um bom advogado.
Oferece um ambiente social para quem impedir que qualquer pessoa tenha de voltar para casa humilhada por agressões vergonhosas e inaceitáveis.
Neste sentido, a cultura politicamente correta é civilizadíssima. Protege os indefesos, os fracos, os ofendidos. Os direitos dessas pessoas, que até estão inscritos na Constituição, muitas vezes não podem ser assegurados de outra maneira.
Conhece projeto mais avançado do que dar direitos a quem não consegue exercê-los?
Eu não.
Acho engraçado quando algumas pessoas condenam o politicamente correto com o argumento de que ameaça a liberdade de expressão.
É dificil encontrar uma resposta para a pergunta básica: expressar o quê?
Pessoas de bom caráter ficarão com o rosto vermelho na hora de responder. As demais vão mudar de assunto. Sabem por quê?
Porque todos nós temos um limite. Ninguém acha que é preciso expressar tudo, o tempo tempo, em qualquer lugar, para qualquer platéia.
Neste caso, estamos falando de uma atitude eticamente muito feia, que é o direito de bater nos mais fracos. Com perdão da palavra, essa postura envolve um comportamento fascista, como já foi observado várias vezes, por autores muito mais competentes.
Apenas isso.
Você pode até defender o direito de expressão dos fascistas. É um debate. Mas é bom admitir que é uma posição menos simpática e menos irreverente do que negar o direito de defesa a quem não tem como se defender.
Como se sabe, o fascismo sempre gostou de apresentar-se com outras máscaras.
Muita gente nem sabe o que está discutindo. Outras sabem e disfarçam. Normal.
- Paulo Moreira Leite
Publicado na coluna do autor na Revista Época, em 29/10/11, e reproduzido via X1 - Tantas Notícias, com grifos nossos.
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Um comentário:
Excelente! Foi o texto mais perfeito e reflexivo que eu li até hoje sobre o politicamente correto. Enfim, perante o quadro de um mundo à cada dia mais injusto e com tanta homofobia e conservadorismo, o que sobrará em nossa defesa?
Beijos e obrigado!!
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br
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