500 autorretratos: Tieman Rapati
O texto é uma grande memória e uma grande oração, nascida dos sentimentos mais sinceros e profundos deste homem feminista, cristão homossexual (sem nenhuma ambiguidade em nada disto), que tanto aprendeu com as mulheres que o cercaram e cercam, e que, além de ser solidário a elas pela violência que sofrem, se sente também todos os dias violentado pelas opressões decorrentes da desigualdade de gênero.
Publico aqui para outros possam juntar as suas orações à minha, e para que ela fique num registro mais permanente, ainda que sem a carga de emoção e de lágrimas que partilhei com a linda juventude da Região Leste da Arquidiocese de Mariana neste 30 de outubro.
* * *
Ê, Mamãe, abraça eu, Mamãe,
Embala eu, Mamãe,
Tem dó de mim...
Salve juventude! Bom dia a todas! Bom dia a todos!
Quando o pessoal daqui de Ponte Nova me pediu para escrever esta mensagem, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi a seguinte: não estamos falando de protagonismo feminino? Então por que não pedir a uma de nossas jovens que produzisse um texto para encerrar a missa do nosso DNJ? Mas para não parecer que estava fugindo da tarefa, aceitei. E aceitei também porque achei que não tinha nada a ver, né? Querer o protagonismo feminino não significa que vamos fazer os homens todos correrem das igrejas e dos grupos de jovens, querendo que as mulheres tomem a frente de tudo. Há espaço para todos e todas por aqui. É o bonito de ser juventude. Homens também podem ser grandes protagonistas femininos.
E sei lá, acho que eu também não queria perder a oportunidade de falar sobre isso, não... A primeira coisa que me passou pela cabeça foi a de escrever uma mensagem bonita, poética... Mas pensei que tudo o que eu andei até hoje, só andei nesta vida graças às mulheres protagonistas por quem estive cercado. Então, se for pra falar de Protagonismo Feminino, tenho que contar algumas histórias. Peço um pouquinho do tempo e da atenção de vocês pra falar dessas mulheres:
Cassiana, Dona Cassi, benzedeira - minha bisavó. A mulher que teve uma filha "roubada", entregue de presente a um compadre, porque o marido já não queria mais filhas mulheres na família – queria um varão. Anos depois foi que conseguiu correr atrás da filha, e tê-la de volta, principalmente por saber que, aos 12 anos, a menina ainda não tinha sido alfabetizada.
Maria - nome forte, nome da minha avó. Avó que casou jovem e separou-se jovem, perdeu a guarda dos filhos, casou-se novamente, e teve seu marido assassinado. Mudando-se para outra cidade, para trabalhar de empregada doméstica em casa de família rica, engravidou do filho da patroa, e teve que voltar fugida para a sua cidade pequena, com medo de ter o seu filho roubado também.
Neide, minha mãe, que engravidou – de mim – aos 18 anos de idade, e negada pelo namorado, teve que assumir o peso de terminar os estudos, cuidar de um menino recém-nascido (e eu dava muito trabalho), e ainda ver uma cidade inteira lhe virar a cara nas ruas por ser mãe solteira tão cedo.
Rosimeire, minha tia, a ovelha negra da família, mas talvez a única pessoa que tenha me compreendido verdadeiramente até hoje. Dependente química, mulher prostituída, envolvida com tráfico de drogas, brutalmente assassinada por policiais aos 27 anos de idade.
E eu não tenho problema nenhum em contar nenhuma destas histórias.
Porque essas mulheres me amaram, me deram carinho, e me ensinaram a sempre lutar muito na vida para conquistar os meus sonhos. Elas me mostraram o quanto a luta, a garra, a força e a esperança são fundamentais para quem tem desejos e utopias de transformação.
Se hoje eu sou protagonista em alguma coisa, devo isso a estas mulheres.
Se sou protagonista em alguma coisa hoje, é porque não quero que outras tantas mulheres continuem tendo os seus filhos roubados, não quero que tantas outras mulheres sofram sob os desmandos de seus maridos, não quero que outras tantas mulheres sejam vítimas das drogas, que outras tantas mulheres sejam vítimas da violência e do extermínio.
Se sou protagonista hoje, é porque quero continuar a ver sorrisos livres no rosto de cada Maria, Meire, Cassiana, Neide, Dinalva, Flor, Antônia, Lina, Elizabete, Aparecida, Mônica, Yasmin, Janine, Kátia, Fernanda, Lucilene, Iara, Natália, Mirele, Mariana, Franciele, Thaís, Bruna, Daniela...
E eu poderia ficar horas aqui falando de tantas outras, que tanto me ensinaram, de tantas outras jovens mulheres que seguem seu caminho sempre tecendo relações de vida. Mas a gente ainda tem muito DNJ pela frente ainda, não é?
Assim, a mensagem que fica neste dia é que todos e todas podemos ser protagonistas, inspirados no exemplo de tantas jovens mulheres que tanto lutam pela transformação de suas realidades. Jovens mulheres marcadas pelas feridas do machismo, do sexismo, que ainda as expulsa do mundo do trabalho, que ainda explora seus corpos como se fossem mercadoria, que ainda lhes impõe padrões de beleza, que ainda lhes rouba tantas liberdades.
A mensagem que fica neste DNJ é um sonho de transformação, o sonho de um mundo mais igual onde mulheres e homens, negras e negros, povos indígenas, todos e todas tenhamos igual direito à Vida e à liberdade.
Que possamos cantar ao Deus-Pai-Mãe a nossa festa, o nossa sonho e o nosso louvor neste dia!
Por que este dia é nosso, Juventude!
- Murilo Araújo
Ponte Nova, Minas Gerais, 30 de outubro de 2011
Dia Nacional da Juventude
Reproduzido via blog do autor Tweet
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