Foto: Andy Barter
Com atraso, reproduzimos aqui o texto escrito por nossa amiga Ivone Pita sobre a questão da visibilidade lésbica, a propósito do dia 29/8, que celebra justamente esse tema. Fica a reflexão sobre a violência da invisibilidade...
Somos lésbicas. Somos mulheres que vivem sem homens em um mundo machista e de mentalidade patriarcal.
Somos mulheres que subvertem a ordem do sexo frágil, da dependência e da subserviência. Somos mulheres que não seguem o “manual de boas práticas femininas”, que dita modos de vestir, de agir, de falar, de ser e estar no mundo. Somos revolucionárias na acepção própria da palavra: fazemos uma transformação radical na estrutura da sociedade.
Estamos onde supostamente mulheres não deveriam estar. É ainda espantoso para muitos, por exemplo, aceitar que duas mulheres possam viver sem um homem. Como vão resolver tarefas cotidianas tidas como masculinas? Não irá lhes faltar força? Jeito? Tino? Há ainda as tentativas de ridicularizar, diminuir e não reconhecer nossa sexualidade. Há
uma desqualificação fálica de nosso sexo. Para machistas de carteirinha - e uniforme completo! - lésbicas não trepam de verdade, apenas brincam de se esfregar. Sim, meninas, como se fosse pouco e somente o que fizéssemos. Mas a despeito das agressões e desqualificações, seguimos subvertendo a ordem, desconstruindo certezas e quebrando o que estaria estratificado.
Entretanto, sem orgulho, nada disso é possível. Sem orgulho, nos encolhemos, nos escondemos, deixamos a vida passar. Sem orgulho, não nos fazemos visíveis e sem visibilidade é como se não existíssemos. E, assim, nenhuma revolução acontece, nenhuma revolução é possível. Por outro lado, sem visibilidade não promovemos o orgulho. Somente a partir do momento em que nos tornamos visíveis por sermos nós mesmas, é que somos plenamente orgulhosas de sermos quem somos. E para isso é preciso coragem.
Vivemos em uma sociedade que insiste em dizer qual é o lugar da mulher, como deve ser sua inserção social e como deve se comportar. Sendo lésbica, melhor nem existir, pois não cabemos nos papéis destinados à mulher. E é assim que cotidianamente a sociedade nos diz que deveríamos nos envergonhar de ser quem somos e esconder nosso amor. É assim que a sociedade insiste em nossa invisibilidade, pois o que não se vê, não existe, não incomoda, não subverte.
Quando permanecemos invisíveis, contribuímos com a manutenção da discriminação e da violência, motivos pelos quais muitas mulheres optam por uma vida de anulação e silêncio. Contribuímos com a lesbofobia, pois não dizemos ao mundo que estamos em todos os lugares, em todas as profissões, em todas as famílias, em todos os cargos. Não dizemos que somos mães, filhas, avós, tias, irmãs, empregadas domésticas, médicas, advogadas, professoras e toda sorte de representação e inserção social. Não ajudamos outras mulheres a se revelarem, a se assumirem, a serem plenas. Assinalando nossa existência, derrotamos o medo do desconhecido, a discriminação e o ódio alimentado pela perversidade delirante – e nada inocente - de lésbicas destruidoras de família. Existindo publicamente, abordamos questões que nos são específicas e combatemos o sexismo.
A invisibilidade é uma grande violência contra nós lésbicas. Na mídia, por exemplo, o foco são os homossexuais masculinos. A violência homofóbica é tratada como um fenômeno que atinge somente homens.
Mas nós mulheres, se não estamos nos jornais como vítimas de violência física especificamente por nossa sexualidade, isso ocorre apenas pela violência do silenciamento: seja pela invisibilidade auto-imposta, por medo, seja pela falta de estatística específica. Aliás, não temos dados específicos de coisa alguma e raros registros de nossa história. E daí a imensa importância do coletivo. Para enfrentar os desafios que nos são apresentados e superar tanta opressão, não há como avançar individualmente, a única forma de alterarmos o ciclo perverso de invisibilidade e descaso é pela união de nossas vozes, de nossa força. A única saída possível é nos organizarmos e lutarmos. E isso depende de cada uma de nós, não de agentes externos. Nós temos direito à existência, a uma vida completa, à cidadania plena, à visibilidade. Podemos e devemos ser felizes. Plenamente felizes.
A visibilidade lésbica cotidiana é que derrubará a censura que nos é imposta e o cerceamento de nossos afetos e desejos, portanto, realize algo grandioso: torne-se visível, desafie a opressão e o autoritarismo da normatividade, pois é assim que escreveremos nossa história, uma nova história, e construiremos uma sociedade mais justa, mais solidária, democrática e plural.
- Ivone Pita
Publicado originalmente no Gay1 (PolíticAtiva) Tweet
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