sábado, 28 de dezembro de 2013

"Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância" (João 10,10)


Nosso querido amigo Pe. James Alison, teólogo e escritor, nos enviou este emocionante depoimento, com a concordância do seu autor, para compartilharmos com vocês (e, caso queira ler mais depoimentos, há uma série deles na tag "gay e cristão", aqui). Ao fim deste ano que foi tão rico, ler essa carta é, para nós, um testemunho de fé que nos anima e nos enche de esperança para nossa caminhada no ano que se inicia. Que venha 2014, e que traga bons frutos!


Caro James Alison, graça e paz!

Sou filho de uma família católica, um tanto conservadora, pois são ligados ao movimento carismático. Meu avô era homossexual, casou-se com minha avó a pedido dos seus pais que, praticamente, combinaram tudo e o jogaram para casar-se com uma mulher, pois não queriam um filho gay. Naquela época, tudo era bem mais difícil. Meus avós tiveram três filhas (dentre elas, obviamente, a minha mãe). Os anos se passaram e os casos extraconjugais do meu avô começaram a aparecer. Minha avó, (para evitar o que considerava “um escândalo”) pediu o divórcio, deixando-o com sua irmã. Pouco tempo depois, ele se suicidou ingerindo "chumbinho", veneno para ratos. E, assim, perdi o meu avô, homem de um coração gigantesco, mas que foi vítima de preconceitos internalizados historicamente.

Aos 12 anos, descobri que também sou gay. Sentia-me atraído por outros garotos. Não sabia muito bem lidar com a situação. Eu tinha medo, Padre Alison. Tinha medo da minha família, do que as pessoas iriam pensar, do fantasma que era a história do meu avô. Mesmo diante dos medos, lancei-me nas descobertas, nas aventuras dos primeiros relacionamentos. Eu era um adolescente descobrindo o mundo e a mim mesmo. Um ano depois, a minha família começou a descobrir. Os conflitos e dificuldades começaram a aparecer. Lembro-me, com clareza, do olhar desaprovador da minha avó para mim, suas palavras severas, seu medo diante daquilo que não compreendia. No olhar da minha avó, conseguia enxergar o pavor da repetição, era como se o mesmo caso do meu avô se repetisse em seu neto. Era como uma maldição! Pensei em me suicidar também. Sentia-me sujo, pecador, miserável. Minha família dizia que eu precisava rezar, confiar e pedir a Deus que me curasse, que expulsasse de mim o "demônio' da homossexualidade.

No dia 01 de maio de 2005, data do meu aniversário de 14 anos, aceitei - depois de muita insistência da minha avó - participar de um acampamento para jovens, que estava acontecendo no Centro de Evangelização de uma Nova Comunidade (dessas que são fruto da espiritualidade do movimento carismático). Lembro-me que, ao chegar lá, a multidão de jovens reunidos no local, a princípio me incomodou, pois era um dia quente e não havia mais lugares para sentar. Apesar de tudo, naquele dia, ao ouvir a pregação de um padre (palestrante do evento), senti-me tocado por Deus, amado por Ele. Uma revolução começou em minha vida. Ao final do dia, voltei para casa. Estava em lágrimas. Alguma coisa, que eu não sabia explicar, acontecia dentro de mim.

Depois daquela experiência, passei a frequentar assiduamente Grupos de Oração da Renovação Carismática Católica, acampamentos de oração para jovens, frequentar a missa e demais atividades da Igreja. Convenci-me de que havia descoberto a verdade, o caminho de uma salvação que me era garantida pela fé. Convenceram-me de que era preciso que eu me desligasse do mundo, das festas seculares e, principalmente, das "amizades que me conduziam ao mau caminho". Naquela época, eu tinha muitos amigos homossexuais. Perdi todos eles, pois me afastei de todos. Hoje, lamento profundamente as perdas afetivas desse período. Cada dia mais cultivava em mim e naqueles que estavam próximos uma espiritualidade desencarnada, afastada de tudo que fosse humano. Comecei a frequentar orações de cura, de libertação, nas quais acreditava que Deus me curaria e libertaria da homossexualidade. Conseguia me manter “fiel” a esses propósitos por um tempo, mas, vez ou outra, não resistia e acabava “ficando” (para usar a popular expressão tão comum entre os jovens) com alguém ou vendo algum material de teor pornográfico. O que me fazia ficar com a consciência pesada e, consequentemente, me entregar a penitências e mais orações de cura.

Aos dezesseis anos, após um processo de discernimento vocacional, decidi ingressar em uma Nova Comunidade de Vida Consagrada. Comunidade que também está ligada ao movimento carismático. Lá não foi diferente. Permaneci no solo moralista de minhas concepções fechadas, demonizando minha sexualidade e evitando tudo que me remetesse ao meu ser e estar no mundo. Dentro da comunidade optei pelo sacerdócio e, tendo meu pedido aceito, fui morar na casa dos seminaristas. Passei a conviver com um mundo diferente: o dos estudos filosóficos. A filosofia foi para mim uma alavanca de libertação. Sentia como se um martelo quebrasse – progressivamente - minhas convicções, dogmatismos e moralismos, fundados no solo conservador da Renovação Carismática. Sempre gostei de estudar, o mundo dos livros nunca me foi estranho ou desconhecido; talvez isso tenha contribuído no processo de “crise” (enfrentamento de si), em que adentrei logo no início da filosofia.

Fiz uma travessia intelectual. Foi minha segunda conversão. Certa vez, ao ler um texto de Henrique de Lima Vaz sobre Agostinho, descobri que na história do filósofo e doutor da Igreja aconteceu uma espécie de “itinerário de conversões filosóficas”. Ao olhar para minha história, também percebo isso. Minha mudança acarretou uma série de consequências, principalmente no ambiente eclesial em que me encontrava. Comecei a questionar os “tabus” (aquilo, para citar Freud, sobre o qual não se podia falar). Progressivamente, fui percebendo que na comunidade em que estava não conseguiria crescer como pessoa gay e como cristão católico, coisas que, a meu ver, estão interligadas indissoluvelmente. Pensar é atividade de risco em lugares fechados. Minhas leituras, em linguajar sartreano, eram como um “inferno” para mim. Revelavam-me o quão estranho eu era para mim mesmo, o quão desumano haviam sido meus últimos anos. Nesse período, arrisquei-me em algumas aventuras amorosas. A proibição, o tabu, o moralismo farisaico, instigavam-me a querer infringir, romper com a lei moral. Fiz isso algumas vezes, mas sabia que não podia permanecer em uma farsa, não suportava mais fugir de mim mesmo, negar o que eu era, ser reprodutor dos mesmos discursos dos quais outrora fora vítima. Não podia ser desonesto comigo, com minha fé, tampouco com os outros.

Na época, morava n’outro estado, um pouco distante do meu lugar de origem, e, deveria continuar os estudos filosóficos e teológicos lá. Todavia, a vida me preparou uma surpresa. Minha mãe caiu em uma terrível depressão, e os meus superiores acharam por bem que eu ficasse por perto. Fui transferido para a capital do estado em que vive minha família. Até hoje, eles vivem em uma cidadezinha a 70 km da capital. Lá dei continuidade ao curso de filosofia na Universidade Católica (onde lhe vi pela primeira vez, no Simpósio Internacional René Girard). Na Católica aconteceu minha terceira conversão. Conheci a Teologia da Libertação e entrei em uma estreita aproximação com os Jesuítas e com religiosos de outras congregações e ordens. Tudo era novo para mim. Eu que cresci em um cenário eclesial fortemente conservador, moralista e fechado, começava agora a conhecer horizontes novos, arejados por ventos eclesiais mais humanos. Conheci seminaristas com os quais podia conversar sobre a minha homossexualidade, partilhar minhas questões existenciais. Eu era o único seminarista de uma Nova Comunidade lá. Um ano depois, decidi fazer nova travessia. Como os discípulos, ao ouvir ressoar a palavra do Mestre, sentia que precisava lançar as redes de novo (Cf. Lucas 5,5). Foi no período em que conheci alguns frades de uma Ordem Religiosa. Era um grupo humano, de identidade marcada pela teologia da libertação, com um excelente trabalho no meio popular e no diálogo com a sociedade. Após um período de conhecimento e discernimento decidi sair da Nova Comunidade, em que até então estava, e ingressar no seminário dessa Ordem. E assim o fiz.

Hoje faz um ano que estou com eles. Não me arrependi da escolha. Continuo querendo ser padre. Continuo acreditando na Igreja. Mas, hoje, antes de ser padre, antes de ser religioso, quero ser uma boa pessoa, um bom ser humano. Não sei fazer isso de outro modo a não pelo da aceitação de minha condição homossexual. Esse ano, pela primeira vez, senti-me à vontade em partilhar com meu formador que eu sou gay. Ele é um ser humano fantástico, me acolheu e disse que era um sinal de maturidade humana reconhecer isso. O Grupo religioso em que estou é muito aberto nessa questão. Nós, formandos, conversamos sobre isso com naturalidade, não escondemos um do outro o que somos, independente de quem é hetero ou homossexual. Estou feliz! Sei que ainda tenho muito a crescer. Quero fazê-lo. Minha família continua não sabendo sobre minha condição, tenho vontade de assumir para eles, mas ainda tenho medo e não sei muito bem como fazer.

Hoje li um artigo seu. Você não sabe como ele foi importante para mim. “Um pequeno erro no começo torna-se muito maior ao final: rumos da discussão eclesial sobre a questão gay” [que publicamos aqui], uma conferência que você deu em um congresso de Teologia Moral. Foi a leitura desse artigo que me motivou a querer contar um pouco de minha história para você. É a primeira vez que narro a minha história de forma tão livre, tão leve, sem culpa. Gostaria de lhe pedir que rezasse por mim. Sinto como se sua história tivesse se cruzado com a minha, não sei como. Ao escrever isso, lágrimas correm no meu rosto. Também quero lhe pedir ajuda. Que me ajude nesse processo de honestidade, de aceitação; pois, como disse acima, poucos são os que sabem sobre mim. Eu não quero ser um religioso, um padre, um ser humano que vive na penumbra da mentira, sob o véu do mistério. Eu quero, antes de tudo, poder ser eu mesmo: filho de Deus, gay, cristão, humano.

Não sei se você chegará a ler essa carta. Mas, se por acaso chegar a ler, ficarei muito feliz e grato. Receba o meu abraço! Muito obrigado pela paciência em passar os olhos sobre essas letras que, juntas, revelam um pouco do que eu sou. Espero, um dia, poder te conhecer pessoalmente. Não somente lhe ver (como foi no Simpósio sobre o Girard), mas ter o prazer de lhe abraçar e agradecer pessoalmente pelo seu testemunho que tem curado tantas histórias, que ajudou e ajuda a curar a minha.

S.G.P.
Dezembro de 2013




quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Feliz Natal!


Queridos,

No Natal, Jesus recém-nascido é colocado em uma manjedoura pois não havia lugar na hospedaria. Mas este é o grande sinal da manifestação divina anunciado aos pastores. Hoje, muitos LGBT não encontram o devido lugar e a devida estima na sociedade e na Igreja. Mas é aí que Deus pode se manifestar, suscitando inconformismo, coragem para mudar as coisas e perseverança.

Feliz Natal! Um grande beijo para todos,

Equipe Diversidade Católica

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Deus vem para todos


Linda a mensagem final publicada no folheto da Missa da Arquidiocese do Rio de Janeiro deste domingo, 22/12/13. Reproduzimos e fazemos destas as nossas palavras, como uma oração pelo respeito às diferenças e pela inclusão na Igreja e no mundo.

"Celebrar o Natal implica vencer aquilo que nos impede de ver nos outros nossos irmãos." Que a luz dAquele que veio e vem "salvar a todos, sem distinção, os pecadores e os que se acham justos", ilumine nossos corações, nos inspire em nossa caminhada rumo a uma fraternidade cada vez maior e não nos deixe esquecer: "TODOS preparam o caminho real por onde vem o Messias (...) ninguém é estranho ao amor de Deus manifestado em Cristo Jesus". Saibamos acolhê-lO em cada um dos irmãos, sem exceção!

Feliz Natal! 

Estamos às vésperas do Natal do Senhor, e como toda família que se prepara para o nascimento de um filho, a liturgia deste domingo coloca diante de nossos olhos um álbum de família.

São Mateus, cujo Evangelho, dentre os quatro símbolos do livro do profeta Daniel - o leão, a águia, o touro e o homem alados - é simbolizado pelo homem, começa o texto sagrado com a genealogia de Jesus. Ao vir ao mundo, Deus feito homem nasce uma família humana. Desde Abraão até José, são três séries de 14 nomes. Quatorze é o número de David (D = 4, V = 6, D = 4), como que indicando que Jesus é 3 vezes Davi, o Filho de Davi, por excelência.

Na lista de antepassados, encontram-se também pagãos e mulheres estrangeiras: Tamar, Ruth, a moabita, e pecadoras como a mulher de Urias, com quem Davi havia pecado; e Raab, a prostituta cananeia que ajudou os hebreus durante a conquista de Jericó. A mensagem de Mateus, que conheceu e conviveu com Jesus, é muito clara: o Senhor veio salvar a todos, sem distinção, os pecadores e os que se acham justos. Todos preparam o caminho real por onde vem o Messias.

A menção dessas mulheres traz uma mensagem claríssima: nenhum de nós que se prepara para celebrar o Natal deve se esquecer de que o Senhor veio e vem para todos, que ninguém é estranho ao amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, que espera de nós uma resposta de acolhida. Celebrar o Natal implica vencer aquilo que nos impede de ver nos outros nossos irmãos; é vencer todo orgulho egoísta, todo sentimento injusto. Fazer do Natal uma ocasião para sermos melhores.

Diante de nossos olhos a liturgia nos coloca mais uma das belas imagens do Advento: a figura querida e amada de São José. Também ele foi humilde bastante para vencer a sua limitação, sua incapacidade de entender um mistério que lhe supera. Aceita com humildade ser esposo de uma mulher que humanamente não será exatamente sua, ser pai de um filho que não é seu, do qual cuidou, protegeu como verdadeiro pai e esposo fiel. Esta é a grande mensagem do Natal: Deus faz maravilhas com aqueles que se deixam iluminar pela humildade. A todos um santo e abençoado Natal do Senhor!

Papa Francisco, "personalidade do ano" para a revista LGBT americana 'The Advocate'


Assim como a revista Time, a publicação LGBT americana The Advocate elegeu o Papa Francisco "Personalidade do Ano" de 2013. Nosso amigo Lula Ramires, da Pastoral da Diversidade, de São Paulo, traduziu a matéria (leia a original aqui) para nós:


Na hora de decidir quem foi a pessoa que mais afetou as vidas das pessoas LGBT em 2013, havia escolhas óbvias. Pelo menos, era o que parecia inicialmente.

Se, por um lado, Edie Windsor, por exemplo, está na lista dos finalistas, não foi a ela que escolhemos para ser a Personalidade do Ano. Windsor é uma heroína para os norte-americanos LGBT por dar o golpe final na luta contra a discriminatória Lei de Defesa do Casamento (DOMA), sendo que a seção 3 deixou de existir. Quando ela saiu da audiência na Suprema Corte, houve uma chuva de aplausos. Na premiação dos Out 100, em que ela recebeu um prêmio por Realizações ao Longo da Vida, gritos de "Edie! Edie!" a saudaram no palco. Na capa de novembro da revista, sorria radiante enquanto segurava uma pomba branca — um símbolo.

De fato, a própria Windsor é um poderoso símbolo representando muitos outros que atuam nos bastidores. Também na Suprema Corte naquele dia, por exemplo, havia quatro demandantes no caso da Proposição 8, vindos da Califórnia, e estas pessoas merecem ser louvadas. Ou qualquer dos seus advogados. Há a equipe hétero de David Boies e Ted Olson, cujo componentes frequentemente se tornam heróis públicos em defesa do avanço do casamento igualitário através do sistema judiciário por meio de entrevistas na TV e nos noticiários. E tem também a promotora Roberta Kaplan, uma de nós, que com eloquência refutou o Presidente da Suprema Corte John Roberts quando este sugeriu que os tempos haviam mudado e que as pessoas LGBT não eram mais uma minoria oprimida.

Não para por aqui. Um punhado de outros casos poderia ter ido para a Suprema Corte este ano, mas não foram escolhidos. Há demandantes e advogados em todos eles. São provenientes de estados que vão de Michigan a Massachusetts. Frequentemente, o apoio para estes casos é dado por pessoas que atuam em organizações de defesa dos direitos LGBT, tais como o Gay and Lesbian Advocates and Defenders (Defensores Gays e Lésbicas) ou o Lambda Legal, ou aliados sem interesse pessoal na causa — caso da União Americana pelas Liberdades Civis. Centenas trabalham nessas organizações e há anos contestam a Lei de Defesa do Casamento nos tribunais. Tome-se, por exemplo, o caso de Gill contra a Secretaria de Administração de Pessoal, ação iniciada em 2009 e que, originalmente, envolvia 19 pessoas.

Edie Windsor é uma heroína, que bem merece ter seu nome registrado nos livros de História que narram os meandros da derrota da DOMA. Mas não é a Personalidade do Ano. Não poderia ser, não para a The Advocate, onde celebramos o trabalho de tantas e tantos que contribuíram para esta vitória na Suprema Corte que é um verdadeiro marco.

Quando Windsor apareceu em terceiro lugar na lista anual de personalidades do ano da revista Time , ela aceitou a comenda de forma digna, como sempre. “É uma honra para mim ter sido escolhida pela Time ," escreveu ela num pronunciamento, "mas sou apenas uma pessoa que tomou parte na extraordinária e ainda inacabada luta pela igualdade no casamento para todas as nossas famílias. Há milhares de pessoas que nos ajudaram a chegar até aqui e ainda temos muito trabalho a fazer."

A pessoa mais influente em 2013 não vem do nosso embate permanente no campo jurídico mas, ao contrário, do mundo espiritual — onde as conquistas são de definição mais difícil. Não foi por causa de nenhum voto ou decisão tomada, e ainda assim uma mudança significativa e sem precedentes aconteceu este ano em termos de como as pessoas LGBT são vistas por uma das maiores comunidades de fé do mundo.

O Papa Francisco é o líder de 1,2 bilhão de católicos romanos em todo o mundo. Existem três vezes mais católicos no mundo do que cidadãos nos Estados Unidos. Goste-se ou não, o que ele diz faz diferença. Claro, todos sabemos que os católicos dão “um jeitinho” quando se trata de cumprir as regras da religião que envolvem questões de moral. Há muito desacordo quanto ao papel das mulheres, a contracepção e outras questões. Mas nenhuma delas deveria nos levar a subestimar a capacidade do papa de convencer corações e mentes a se abrirem para as pessoas LGBT — e não somente nos EUA, mas no mundo inteiro.

É mais provável que os redutos contrários à aceitação dos LGBT na religião ainda existentes, aqueles que impedem o avanço no trabalho que resta ser feito, se deixem convencer por uma figura que conheçam. Assim como o Presidente Obama transformou a política ao expor a evolução de seu entendimento dos direitos civis dos LGBT, uma mudança partindo do papa pode ter um efeito duradouro sobre a religião.

A notória diferença na retórica do Papa Francisco [leia nosso comentário aqui] em relação à de seus dois predecessores —ambos os quais já estiveram presentes entre os agraciados com o Prêmio Fobia que a The Advocate distribui todos os anos — aumenta ainda mais a ousadia de seus gestos em 2013. Primeiro, temos o Papa João Paulo II, contra quem os militantes pelos direitos LGBT protestaram durante sua visita aos Estados Unidos em 1987, que ganhou muito destaque em função daquela que viria a ficar conhecida como a “Carta do Rat(o)” — uma condenação sem precedentes da homossexualidade como “intrinsecamente má”. Foi escrita por um dos seus cardeais, Joseph Ratzinger, que viria a se tornar o Papa Bento XVI. Desde 1978, o Vaticano esteve sob o comando de um dos dois — até este ano.

Quando a revista Time indicou o Papa Francisco como Personalidade do Ano, na semana passada, corretamente assinalou a dificuldade da Igreja Católica para realizar mudanças com rapidez, chamando-a de "um lugar onde a mudança é medida em séculos". O Papa Francisco ainda não é a favor dos gays segundo os padrões atuais. Após assumiu o cargo, em julho ele lançou uma encíclica conjunta com Bento, na qual reiteram que o casamento deve ser uma “união estável entre homem e mulher”. O texto continua: “essa união nasce do seu amor mútuo, como sinal e presença do próprio amor de Deus, e do reconhecimento e aceitação do bem que é a diferenciação sexual”.

Enquanto arcebispo na Argentina, o Cardeal Jorge Bergoglio se opôs à aprovação do casamento igualitário naquele país, afirmando em 2010 que se trata de um “atraque destrutivo ao plano de Deus”. Quando Bergoglio se tornou papa, a GLAAD logo assinalou que ele certa vez havia dito que a adoção por casais do mesmo sexo era uma forma de discriminação contra as crianças.

Mas foi, de fato, durante o tempo do Papa Francisco como cardeal que sua diferença em relação a Bento e prelados de linha dura da Igreja se evidenciou. À medida que o casamento entre pessoas do mesmo sexo parecia mais próximo da legalização na Argentina, Bergoglio argumentava privadamente que a Igreja deveria assumir a defesa das uniões civis, pois seria "o menor de dois males" — isso, segundo o biógrafo autorizado do Papa Francisco, Sergio Rubin. O militante gay argentino Marcelo Márquez confirmou essa versão, declarando ao The New York Times, em março, que Bergoglio "ouviu os meus pontos de vista com muito respeito. Disse que os homossexuais precisavam ter seus direitos reconhecidos e que ele apoiava as uniões civis, mas não o casamento entre pessoas do mesmo sexo".

Como papa, ele ainda não disse que a Igreja Católica apoia as uniões civis. Mas o que Francisco de fato tem dito sobre as pessoas LGBT vem causando reflexão e consternação no interior de sua igreja. O momento que chegou às manchetes foi durante um voo do Brasil para Roma. Quando indagado acerca de padres gays, o Papa Francisco disse aos repórteres, de acordo com a tradução do italiano, "Se alguém é gay e busca o Senhor com boa vontade, quem sou eu para julgar?".

A concisão dessa declaração e a enorme atenção que obteve de imediato são evidências da influência do papa. A pergunta simples, com fortes raízes cristãs, proposta nesse contexto por esse homem — "Quem sou eu para julgar?" — foi encarada por católicos e pelo mundo como um sinal de que o novo papa não é como o anterior.

A visão de Francisco sobre o modo como a Igreja Católica deve abordar as pessoas LGBT foi bem explicada por ele mesmo em uma entrevista detalhada para a revista America, em setembro, quando ele recordou: “uma pessoa uma vez me perguntou, de forma provocativa, se eu aprovava a homossexualidade. Respondi com outra pergunta: ‘Diga-me: quando Deus olha para um gay, ele endossa a existência dessa pessoa com amor ou será que Ele rejeita ou condena esta pessoa?’ Devemos sempre levar a pessoa em consideração”.

Quando ainda era cardeal, disse, “eu costumava receber cartas de pessoas homossexuais que estavam ‘socialmente feridas’ porque me diziam que tinham a sensação de que a Igreja sempre as condenava. Mas a Igreja não tem essa intenção. Durante um [recente] voo de volta, vindo do Rio de Janeiro, eu disse que se uma pessoa homossexual tem boa vontade e busca a Deus, não sou ninguém para julgá-la. Ao dizer isso, repeti o que diz o catecismo. A religião tem o direito de expressar sua opinião a serviço do povo, mas Deus em sua criação nos fez livres: não é possível interferir espiritualmente na vida de uma pessoa.”

Ele continua, afirmando que “não podemos insistir somente nas questões relacionadas ao aborto, ao casamento gay e aos uso de métodos anticoncepcionais. Não é possível. Não tenho falado muito sobre estas coisas e fui repreendido por esse motivo. Mas, quando falamos dessas questões, temos de abordá-las num contexto. O ensinamento da Igreja, neste aspecto, é claro, e eu sou um filho da Igreja; mas não é necessário ficar repetindo estes pontos o tempo todo”.

Autêntico em suas palavras, o Papa Francisco não se valeu de seus grandes momentos quando esteve sob os holofotes do mundo para condenar as pessoas LGBT, como Bento costumava fazer. Nesta mesma época, no ano passado, o Papa Bento tinha acabado de lançar sua mensagem pelo Dia Mundial da Paz, celebrado pela Igreja Católica em 1º de janeiro, advertindo que os esforços em prol do casamento de gays e lésbicas "na verdade prejudicam e ajudam a desestabilizar o matrimônio, obscurecendo sua natureza especifica e seu papel indispensável na sociedade". Bento descreveu o casamento igualitário como "uma ofensa contra a verdade da pessoa humana". Em contrapartida, o Papa Francisco lançou sua primeira mensagem pelo Dia Mundial da Paz na semana passada [leia aqui].

A fraternidade, diz ele, "é o fundamento e o caminho para a paz". Ele retoma a história de Caim e Abel como exemplo da incapacidade da humanidade de reconhecer seus irmãos e, pelo contrário, fazer inimigos. "Em Cristo, o outro é acolhido e amado como filho ou filha de Deus, como um irmão ou irmã, não como um estranho, e muito menos como um rival ou mesmo um inimigo. Na família de Deus, todos são filhos e filhas do mesmo Pai". E prossegue: "Todo homem e toda mulher desfrutam de uma mesma e inviolável dignidade. Somos todas e todos amados por Deus".

O Papa Francisco dedica seu tempo a discorrer contra os malefícios da cobiça e a falta de foco na justiça e no enfrentamento da pobreza. Por isso, conservadores como Rush Limbaugh o atacam, chamado-o de marxista. Mas Francisco prega a igualdade quanto ao direito de cada um à auto-realização. "Os seres humanos necessitam e são capazes de algo maior do que maximizar seus interesses individuais", diz o Papa em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz.

Poderíamos nos indagar como a aceitação das pessoas LGBT se adéqua à atitude do Papa com relação ao amor que se deve dar a cada ser humano e à valorização da contribuição de cada um à sociedade. Em menos de um ano como papa, Francisco ainda precisa mostrar se suas aspirações se limitam a simplesmente não ser nosso inimigo. Será ele um agente ativo na luta contra a discriminação dos LGBTs no mundo inteiro?

A revista Time assinala que um incomum grupo de oito bispos foi selecionado pelo Papa Francisco para aconselhá-lo periodicamente. Entre eles está o Cardeal Oswald Gracias, da Índia, que neste mês condenou publicamente a criminalização da homossexualidade em seu país. A Suprema Corte da Índia acaba de emitir uma decisão escandalosa, restabelecendo a pena de até 10 anos de prisão para o sexo entre gays. “A Igreja Católica nunca se opôs à descriminalização da homossexualidade, pois nunca consideramos que os gays fossem criminosos," sublinhou o cardeal, segundo o Asia News. "A Igreja Católica se opõe à legalização do casamento gay, mas ensina que os homossexuais têm a mesma dignidade de todos os demais seres humanos e condena todas as formas de discriminação injusta, de assédio ou abuso." Mais cedo em 2013, ele havia declarado a um grupo LGBT da Índia, segundo a revista Time, que “é equivocado afirmar que os que têm outra orientação sexual sejam pecadores” e que “devemos buscar uma maior sensibilidade em nossas homilias e nossa maneira de falar em público, e é essa a recomendação que farei aos nossos padres”.
O jornal italiano La Repubblica relatou que um grupo LGBT católico daquele país, o Kairós, de Florença, escreveu uma carta ao papa em junho, pedindo "abertura e diálogo" e observando que a falta desses dois elementos "sempre alimenta a homofobia". Os católicos LGBT haviam escrito para os papas anteriores, mas Francisco é o primeiro a dar uma resposta. Os dois lados mantêm privado o conteúdo da conversa, exceto pela indicação de certo assombro por o Papa ter dado sua benção ao grupo LGBT.

Uma coisa que aprendemos em 2013 foi que, por mais que nossos militantes se dediquem, no fim somos sempre confrontados com algum hétero que decide o nosso destino. Será que as nove pessoas que têm assento na Suprema Corte americana — seis das quais são católicas romanas — algum dia emitirão uma decisão abrangente que torne o casamento igualitário legal em todos os 50 estados dos EUA? Será que os deputados americanos — cerca de um terço dos quais professa o catolicismo, a religião com maior número de representantes — aprovará a Lei de Não Discriminação no Emprego? Será que algum deles levará em conta a recomendação do papa no sentido de não se julgar os homossexuais?

Nada disso vai afetar o possível retorno dos americanos LGBT que abandonaram a Igreja Católica. O impacto do gesto do papa nada tem a ver com nossa decisão quanto a voltarmos ou não às igrejas, mas afeta as pessoas que já estão sentadas em seus bancos. Afeta também aqueles e aquelas que vão às igrejas todo domingo, e também durante a semana, bem como aqueles que se dedicam ao trabalho voluntário em obras filantrópicas — que são, muitas vezes, nossos mais ardorosos opositores.

Ainda assim, os católicos LGBT que permanecem na Igreja de fato têm mais motivos para ter esperança de que uma mudança se aproxima. Basta ouvir as reações ao "Quem sou eu para julgar?" do papa.

"O Papa Francisco expressou hoje algumas das palavras mais encorajadoras já usadas por um pontífice a respeito das pessoas gays e lésbicas", diz uma declaração [leia a nota original aqui] da organização LGBT católica Equally Blessed ("Igualmente Abençoados") [Eles participaram do evento que realizamos durante a JMJ, como contamos aqui]. "Ao fazê-lo, deu um grande exemplo para os católicos de todo o mundo". A nota prossegue, com expectativa crescente: "os líderes católicos que insistem em depreciar gays e lésbicas não podem mais afirmar que seus comentários inflamados representam os sentimentos do papa. Os bispos que se opõem à ampliação de direitos civis básicos — tal como pôr fim à discriminação no ambiente de trabalho — não podem mais alegar que o papa aprova seu discurso discriminatório. O Papa Francisco não expressa nenhuma mudança na doutrina da Igreja, mas fala com compaixão — e, ao fazê-lo, incentiva um diálogo já animado, que talvez um dia possibilite à Igreja acolher integralmente os católicos que são gays e lésbicas".

(Tradução livre de Lula Ramires e revisão de Cristiana Serra)

O mantra do amor igual


A jornalista Helena Celestino, que assina a coluna "Volta ao Mundo" do jornal O Globo, publicou esta semana um balanço das mudanças ocorridas pelo mundo para os gays, neste ano de 2013. Ela faz referência à carta que enviamos aos bispos em resposta à consulta pública do Vaticano em preparação para o Sínodo sobre a Família, em 2014 (clique aqui para ler) - e transformamos também em abaixo-assinado online (aqui) - e à nossa participação no documentário "Rio de Fé", o filme oficial da JMJ 2013.


O ano foi dos gays. Ao redor do mundo o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado, a bandeira do arco-íris tremula nos quiosques do Rio ou em bairros de Taiwan e até o Papa faz pesquisa para saber como tratar filhos criados por dois homens ou duas mulheres [saiba mais aqui]. Casais do mesmo sexo na publicidade viraram banalidade, a lei passou a punir a homofobia, não a homossexualidade. A batalha cultural está ganha, mesmo se a pena de morte ainda ameaça o amor entre iguais em países islâmicos. A vitória não foi só para os gays: em 2013, a igualdade nas relações amorosas virou o novo pensamento único no mundo ocidental, consolidando uma revolução sexual iniciada nos anos 60.

Os ingleses, com sua visão imperial e irônica do mundo, dizem que o sexo foi inventado em 1963, ano em que os Beatles lançaram o primeiro LP cantando “love, love me do", foi derrubada a lei de Chatterley — aquela que permitiu levar Oscar Wilde à cadeia por gostar de sexo com homens — e o escândalo Profumo acabou com a inocência na vida pública. O ano não sei, mas foi nos 60 que o poder jovem passou a movimentar o mundo, a pílula mudou para sempre os casamentos e as relações amorosas, as mulheres foram à luta e a maioria não mais depende de marido para sustentar a casa, o mundo à la “Mad Men” desmoronou.

O resto é uma história de altos e baixos na vida das nações e de cada um de nós. Vamos combinar, poucos têm uma relação amorosa/sexual de igualdade, mas agora este é um mantra na intimidade de homens e mulheres ocidentais. “É por isso que o casamento gay passou a ser socialmente aceito, é a última fronteira legal a ser transposta em busca do ideal de relações de igualdade”, diz a historiadora da homossexualidade da Universidade de Amsterdam, Gert Hekma, ao “Financial Times”.

De perto, a gente sabe, nenhuma relação é normal, mas só os sem-noção se vangloriam de usar o poder da grana para dominar o parceiro e até aquela tradicional história do velho rico que se casa com a bela(o) jovenzita(o) já anda deixando constrangidos os amigos próximos. Sintomático da defesa de relações de igualdade foi a indignação com o estupro de mulheres que levou multidões às ruas da Índia, provocou uma batalha legal no Senado dos EUA para tirar dos militares o poder de julgamento do crime e obrigou autoridades brasileiras a, pelo menos, prometer medidas contra a violência sexual.

“Estamos terminando um ano momentoso em relação ao sexo no ocidente”, diz o colunista Simon Kuper, citando também a cruzada contra a pedofilia e as leis contra a prostituição como sinais de algo revolucionário ocorrendo na civilização ocidental.

Este ano, do Papa aos escoteiros, dos juízes da Suprema Corte dos EUA aos comissários do partido na China e aos legisladores de Inglaterra, França e México, todos tiveram de repensar suas convicções sobre as uniões gays.

Um exemplo contundente está no filme de Cacá Diegues sobre a Jornada da Juventude [saiba mais aqui]. A mesma Cúria Metropolitana do Rio que colocou alguns padres e leigos num silêncio forçado por pregarem a aceitação dos homossexuais na Igreja, aprovou sem restrições casais do mesmo sexo expondo detalhes do seu cotidiano como gays católicos [na verdade, não são casais que aparecem, são quatro integrantes do Diversidade Católica do RJ: Marcelo, Pyter, Ed e Cris, que já deram seus depoimentos aqui e aqui]. Os grupos da Diversidade Católica no Brasil, formados por LGBTs religiosos, estão vivendo em clima de “primavera no Vaticano”, especialmente depois de o Papa incluir quatro questões sobre “a vida gay” na consulta pública às paróquias, uma preparação para o Sínodo de 2014. Num abaixo-assinado postado no Avaaz, a turma LGBT pede aos bispos deixarem de tratá-los como “ovelha negra ou rosa” — a piada é deles — e desrespeitar os direitos à estabilidade psíquica e espiritual da comunidade em nome da defesa da família [para ler, assinar se concordar e divulgar se achar importante, clique aqui].

Claro que no mundo real, a foto é menos colorida e bonita, especialmente ao ultrapassar as fronteiras ocidentais. A Suprema Corte da Índia ressuscitou a lei que pune relações entre iguais, Uganda criou lei para obrigar pessoas a denunciar vizinhos homossexuais e prever prisão perpétua para gays, retrocedendo dois séculos na história. Dos 169 países da ONU, só 18 permitem o casamento gay, outros autorizam em parte do território, mas ao menos 68 votaram pela descriminalização dessa relação. Permaneceram contra 59 outras nações que lançaram um documento separado reafirmando a proibição.
O megafone ocidental a favor das igualdade nas relações criou semana passada a palavra “sexextorsão” para denunciar o sexo em troca de favores, em que as armas de coerção são o abuso de poder e o medo. Um exemplo é o da jovem imigrante que pediu asilo no Canadá e foi convidada pelo “homem da caneta” para um café, onde ficou clara a troca: a aprovação do status de asilada estava condicionada ao sim para o sexo com ele. Ou os cibercrimes, em que cenas de sexo explícito são postadas para chantagear ex-parceiros. A associação internacional de juízes já apresentou um dossiê de 48 páginas para enquadrar estes crimes. A brigada da defesa pela igualdade nas relações amorosas e sexuais só não pode cair na armadilha conservadora de criminalizar e regulamentar o desejo porque aí tudo perde a graça.

Fonte: O Globo (aqui)

"Não se podem pular etapas"

Nosso querido Arnaldo, um dos fundadores do Diversidade Católica, foi entrevistado para a matéria de capa da revista Época desta semana - que faz um balanço deste início de pontificado do Papa Francisco - e contou um pouco da sua história. Se quiser saber mais, você pode ler seu depoimento aqui - e, para depoimentos de outros membros e amigos do grupo, é só clicar na tag "gay e cristão", aqui. :-)

domingo, 22 de dezembro de 2013

Boas Festas


Anoiteceu, o Sino Gemeu
A Gente Ficou Feliz a Rezar
Papai Noel Vê Se Você Tem
A Felicidade Pra Você Me Dar

Eu Pensei Que Todo Mundo
Fosse Filho De Papai Noel
Bem Assim Felicidade
Eu Pensei Que Fosse Uma
Brincadeira De Papel

Já Faz Tempo Que Pedi
Mas o Meu Papai Noel Não Vem
Com Certeza Já Morreu
Ou Então Felicidade
É Brinquedo Que Não Tem

Assis Valente



Interpretação Maria Bethânia, faixa presente no CD "Natal Bem Brasileiro", lançado em novembro de 2008 pela Biscoito Fino.

Ficha técnica:
Arranjo e violões: Jaime Além
Acordeon mussete: João Carlos Coutinho
Produção: Thiago Marques Luiz
Direção geral: Kati Almeida Braga
Direção artística: Olívia Hime
Coordenação de produção: Joana Hime
Edição/vídeo: Chico Fukushima

ORAÇÃO


Amado Senhor,
tua luz já se levanta em nosso horizonte.
A natureza já desperta de seu sono:
canta o galo e a chegada da aurora,
brilha o orvalho como cristal em meio à relva,
e a terra exala seu perfume.
Toda a natureza clama:
"O noivo está chegando, vão ao seu encontro!".
Ao que respondemos:
Vem, Senhor, nós te esperamos!
Vem, Senhor, não demores!
Nossas lâmpadas acesas
não serão mais necessárias
quanto tua luz clarear nossa noite...

Texto: Pe. Danilo César

Experiência interior



Comentário do Pe. José Antonio Pagola sobre o Evangelho de hoje:

O evangelista Mateus tem um interesse especial em dizer aos seus leitores que Jesus há de ser chamado também de “Emmanuel”. Sabe muito bem que pode resultar chocante e estranho. A quem se lhe pode chamar um nome que significa “Deus conosco”? No entanto, este nome encerra o núcleo da fé cristã e é o centro da celebração do Natal.

Esse mistério último que nos rodeia por todas as partes e que os crentes chamamos “Deus” não é algo longínquo e distante. Está com todos e cada um de nós. Como o pode saber? É possível acreditar de forma razoável que Deus está comigo, se eu não tenha alguma experiência pessoal por pequena que seja?

Habitualmente, a nós cristãos, não foi ensinado perceber a presença do mistério de Deus no nosso interior. Por isso, muitos o imaginam em algum lugar indefinido e abstrato do Universo. Outros procuram-no adorando Cristo presente na eucaristia. Muitos tratam de escutá-Lo na Bíblia. Para outros, o melhor caminho é Jesus.

O mistério de Deus tem, sem dúvida, os seus caminhos para fazer-se presente em cada vida. Mas pode-se dizer que, na cultura atual, se não o experimentamos de alguma forma dentro de nós, dificilmente o encontraremos fora. Pelo contrário, se percebemos a Sua presença no nosso interior, será mais fácil rastrear o Seu mistério à nossa volta.

É possível? O segredo consiste, sobre tudo, em saber estar com os olhos fechados e em silêncio aprazível, acolhendo com um coração simples essa presença misteriosa que nos está alentando e sustendo. Não se trata de pensar nisso, mas de estar “acolhendo” a paz, a vida, o amor, o perdão… que nos chega desde o mais íntimo do nosso ser.
É normal que, ao aprofundarmos no nosso próprio mistério, nos encontremos com os nossos medos e preocupações, as nossas feridas e tristezas, a nossa mediocridade e o nosso pecado. Não temos de inquietarnos, mas de permanecer no silêncio. A presença amistosa que está no fundo mais íntimo de nós nos irá apaziguando, libertando e sarando.

Karl Rahner, um dos teólogos mais importantes do século vinte, afirma que, no meio da sociedade secular dos nossos dias, “esta experiência do coração é a única com a que se pode compreender a mensagem de fé do Natal: Deus fez-se homem”. O mistério último da vida é um mistério de bondade, de perdão e salvação, que está conosco: dentro de todos e cada um de nós. Se o acolhemos em silêncio, conheceremos a alegria do Natal.

sábado, 21 de dezembro de 2013

O materialismo do Papai Noel e a espiritualidade do Menino Jesus


De Leonardo Boff, em seu blog:

Um dia, o Filho de Deus quis saber como andavam as crianças que outrora, quando andou entre nós,“as tocaca e as abençoava” e que dissera:”deixai vir a mim as criancinhas porque delas é o Reino de Deus”(Lucas 18, 15-16).

À semelhança dos mitos antigos, montou num raio celeste e chegou à Terra, umas semanas antes do Natal. Assumiu a forma de um gari que limpava as ruas. Assim podia ver melhor os passantes, as lojas todas iluminadas e cheias de objetos embrulhados para presentes e principalmente seus irmãos e irmãs menores que perambulavam por aí, mal vestidos e muitos com forme, pedindo esmolas. Entristeceu-se sobremaneira, porque verificou que quase ninguém seguira as palavras que deixou ditas:”quem receber qualquer uma destas crianças em meu nome é a mim que recebe”(Marcos 9,37).

E viu também que já ninguém falava do Menino Jesus que vinha, escondido, trazer na noite de Natal, presentes para todas as crianças. O seu lugar foi ocupado por um velhinho bonachão, vestido de vermelho com um saco às costas e com longas barbas que toda hora grita bobamente:”Oh, Oh, Oh…olhem o Papai Noel aqui”. Sim, pelas ruas e dentro das grandes lojas lá estava ele, abraçando crianças e tirando do saco presentes que os pais os haviam comprado e colocado lá dentro. Diz-se que veio de longe, da Finlândia, montado num trenó puxado por renas. As pessoas haviam esquecido de outro velhinho, este verdadeiramente bom: São Nicolau. De família rica, dava pelo Natal presentes às crianças pobres dizendo que era o Menino Jesus que lhes estava enviando. Disso tudo ninguem falava. Só se falava do Papai Noel, inventado há mais de cem anos.

Tão triste como ver crianças abandonadas nas ruas, foi perceber como elas eram enganadas, seduzidas pelas luzes e pelo brilho dos presentes, dos brinquedos e de mil outros objetos que os pais e as mães costumam comprar como presentes para serem distribuidos por ocasião da ceia do Natal.

Propagandas se gritam em voz alta, muitas enganosas, suscitando o desejo nas crianças que depois correm para os pais, suplicando-lhes para que comprem o que viram. O Menino Jesus travestido de gari, deu-se conta de que aquilo que os anjos cantaram de noite pelos campos de Belém”eis que vos anuncio uma alegria para todo o povo porque nasceu-vos hoje um Salvador…glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa-vontade”(Lucas 2, 10-14) não significava mais nada. O amor tinham sido substituído pelos objetos e a jovialidade de Deus que se fez criança, tinha desaparecido em nome do prazer de consumir.

Triste, tomou outro raio celeste e antes de voltar ao céu deixou escrita uma cartinha para as crianças. Foi encontrada debaixo da porta das casas e especialmente dos casebres dos morros da cidade, chamadas de favelas. Ai o Menino Jesus escreveu:

Meus queridos irmãozinhos e irmãzinhas,

Se vocês olhando o presépio e virem lá o Menino Jesus e se encherem de fé de que ele é o Filho de Deus Pai que se fez um menino, menino qual um de nós e que Ele é o Deus-irmão que está sempre conosco,

Se vocês conseguirem ver nos outros meninos e meninas, especialmente nos pobrezinhos, a presenca escondida do Menino Jesus nascendo dentro deles.

Se vocês fizerem renascer a criança escondida no seus pais e nas pessoas adultas para que surja nelas o amor, a ternura, o carinho, o cuidado e a amizade no lugar de muitos presentes.

Se vocês ao olharem para o presépio descobrirem Jesus pobremente vestido, quase nuzinho e lembrarem de tantas crianças igualmente pobres e mal vestidas e sofrerem no fundo do coração por esta situação desumana e se decidirem já agora, quando grandes, mudar estas coisas para que nunca mais haja crianças chorando de fome e de frio,

Se vocês repararem nos três reis magos com os presentes para o Menino Jesus e pensarem que até os reis, os grandes deste mundo e os sábios reconheceram a grandeza escondida desse pequeno Menino que choraminga em cima das palhinhas,

Se vocês, ao verem no presépio todos aqueles animais, como as ovelhas, o boi e a vaquinha pensarem que o universo inteiro é também iluminado pela Menino Jesus e que todos, galáxias, estrelas, sois, a Terra e outros seres da natureza e nós mesmos formamos a grande Casa de Deus,

Se vocês olharem para o alto e virem a astrela com sua cauda e recordarem que sempre há uma Estrela como a de Belém sobre vocês, iluminando-os e mostrando-lhes os melhores caminhos,

Se vocês aguçarem bem os ouvidos e escutarem a partir dos sentidos interiores, uma música celestial como aquela dos anjos nos campos de Belém que anunciavam paz na terra,

Então saibam que sou eu, o Menino Jesus, que está chegando de novo e renovando o Natal. Estarei sempre perto de vocês, caminhando com vocês, chorando com vocês e brincando com vocês até aquele dia em que chegaremos todos, humanidade e universo, à Casa do Pai e Mãe de infinita bondade para sermos juntos eternamente felizes como uma grande família reunida.

Belém, 25 de dezembro do ano 1.

Assinado: Menino Jesus

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Gay


Eu gosto muito dessa palavra (que significa “alegre” em inglês) e acho que foi uma das escolhas mais felizes em relação aos homossexuais. 
Não sabemos bem porque o termo virou referência para homossexual. Sabemos apenas que era usado de forma pejorativa e os gays souberam reverter isso, “roubando” a palavra pra si.
Eu entendo ser necessário por uma questão de visibilidade usarmos a sopa de letrinhas LGBTT, mas me incomoda um pouco termos sempre que usar a sigla, porque senão algum grupo se sente preterido (embora não seja, nem de longe, a intenção).

Gostaria que nos sentíssemos um grande grupo, o grupo que luta contra a incompreensão da sua identidade sexual/gênero e preconceito, que atende pelo nome único de “gay”. Ate a Judith Butler no livro dela "Gender Trouble" se refere a gay como GLBT, e a Butler é a autora da teoria da orientação sexual, no lugar da escolha sexual.

Logo pequenos somos colocados diante de uma tarefa que a grande maioria das pessoas só vai passar muito mais tarde, quase na vida adulta: lutar pelo seu desejo. Ser “bicha”, “maricona”, “pederasta” é tudo que a maioria não quer ser e as famílias compartilham esse pensamento.

Outro dia um leitor da minha coluna pediu que eu escrevesse um texto sobre ser gay, pois sua mãe não o aceita.

Eu não sei fazer isso. “Gay” pode ser evangélico da igreja inclusiva,
da diversidade católica, pode ser um militante chato como eu, pode ser um nerd agarrado aos livros, pode ser uma barbie (nome dado ao gay sarado e descamisado)... A diversidade sexual deve ser a ênfase e não a nomeação dos indivíduos a partir de seus parceiros sexuais, por isso “Gay” é tão diverso quanto a sexualidade humanidade e isso é fabuloso.

Eu consigo ver nessa luta por ir em busca do seu desejo algo que nos aproxima, não sei se por isso a maioria tem mais coragem de demonstrar afeto, ser sensível, chorar num filme ou dizer “eu te amo” para seus amigos (claro que sempre tem um coitado que acha que o estilo machão é melhor).

Não entendo como alguém pode desdenhar da alegria das drags caricatas ou da coragem de vida de um transex, que luta por seu corpo, sua identidade e seus direitos desde sempre. Que orgulho eu tenho em tê-las no mesmo barco.

Os gays afeminados, em boa parte por identificação com as amigas da escola (não, ninguém escolhe ou controla seu jeito de ser, só com muito sofrimento) também têm a coragem de deixar claro sua orientação e muito bem, “quem quiser queira”: há vinte anos atrás, nós nem sonhávamos com isso. Viva os efeminados que mudam o mundo para nós, pena que morrendo e apanhando, afinal, muitos (infelizmente) acham que homofobia é exagero e que todo tipo de gente morre.
As lésbicas nos mostram o feminino em sua pura falação, casamentos em eterno diálogo e repensamentos, a angústia e a alegria de montar uma família (ou podem ser fálicas, comedoras, tão libidinosas quanto o padrão macho heteronormativo).

Não somos diferentes dos héteros, eles também podem ser promíscuos, são a grande maioria dos pedófilos e é claro que tem que parecer mais agressivos.

Se sua mãe reclama a falta de um neto, conte para ela que nós, gays, somos capazes de mudar uma vida, temos sobra de amor, alegria, afeto e temos o melhor controle de natalidade do mundo: não engravidamos e já estamos podendo adotar.

E ela nunca terá uma “nora maldita” que irá perturbar, pode sim ganhar outro filho para ter mimos em dobro.

Eu sei que muita gente acha melhor ser hétero. Eu acho que no máximo é mais fácil, embora eu deteste a idéia de ter que pagar drinks, ficar duas horas cantando uma garota e ter que dançar duro feito uma tábua para não ser zoado pelos meus amigos. Como um hétero vive sem a coreografia da Anitta jamais entenderei.

No mundo gay conheci as melhores festas da vida, fiz amigos que são como irmãos e vivi coisas que só na biografia não autorizada vocês ficarão sabendo. Tenho uma vida intensa e feliz (e a sua pode ser assim também). Mas temos que tomar as rédeas dessa vida e deixar de se importar um pouco com essa sociedade careta e covarde.

Se você acha que o mundo gay não é nada disso, querido, mude de amigos, não de sexualidade.

Não posso generalizar, porém: os estudos e minhas escolhas de vida me fazem viver numa bolha de privilégio e sei quantos gays sofrem somente por viverem sua sexualidade. Morrem ou são torturados em países como Equador, Rússia, alguns da África, do Oriente Médio e em lugares remotos do Brasil.

Ser gay ainda é ilegal em 78 países e há punição com pena de morte em 5 destes, embora o Brasil seja o campeão mundial em morte de homossexuais, com 44% do número total.

Mas se mudarmos as leis e protegermos nossos irmãos, além de sermos alegres, de sermos corajosos, poderemos nos orgulhar de ter mudado o mundo.


“Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo são as que o mudam”.
Jack Kerouac

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Uma proposta de futuro

"Pessoas do ano 2013: católicos LGBT e seus aliados"
Via Equally Blessed

Chegando ao fim deste ano de eleição do Papa Francisco, aproveitamos as palavras de Leonardo Boff em sua entrevista ao Brasil de Fato para fazer um balanço do início do pontificado deste que foi eleito a "Personalidade do Ano" pelas revistas americanas Time e The Advocate (LGBT) - mas sem esquecer a ressalva muito bem apontada pelos amigos do Equally Blessed:

Ficamos muito felizes por o Papa Francisco ter sido nomeado "Personalidade do Ano" pelas revistas Time e The Advocate. Mas a nossa Personalidade do Ano (deste e de todos os anos) é você, católico LGBT ou nosso aliado.

Obrigado por tudo que você fez este ano para tornar a nossa igreja mais amorosa, inclusiva e justa. Estamos ansiosos para trabalhar com você em 2014.

Seguem alguns destaques nossos da entrevista de Leonardo Boff. Para ler a entrevista completa, clique aqui.


"Quando esteve no Rio de Janeiro, o discurso mais duro que pronunciou foi para os bispos e cardeais. Disse a eles que não eram pobres nem interiormente, nem exteriormente, que eram duros com o povo e que não foram capazes de fazer a revolução da ternura, da compaixão, da compreensão com o povo. Em Roma disse o mesmo: os ministros da igreja tem que sair da fortaleza e ir para o povo e o povo deve poder vir e sentir-se em casa. A igreja não está aí para condenar ninguém, mas sim para acolher, perdoar, suscitar esperanças e ter compaixão com quem tem problemas. Essa é a característica mais bela e evangélica de Francisco."

"Eu acredito que Francisco, antes de reformar a cúria e a igreja, já reformou o papado. O estilo do papa é outro. O papado tem um ritual, nas vestimentas, nos símbolos do poder. Franciscorenunciou a tudo isso e fez o trabalho contrário: conseguiu que o papado se adaptasse a suas convicções e a seus hábitos. Por isso renunciou a todos os símbolos de poder. Ele disse: “a igreja tem que ser pobre como Jesus”. São Pedro não tinha um banco e Jesus não entendia nada de contabilidade! Jesus era um profeta que trazia fé, esperanças. Francisco resgata a tradição mais antiga da igreja e recusa chamar-se papa. Papa é um título dos imperadores. Francisco se considera um bispo de Roma que governa a igreja na caridade, não no direito canônico. Isso muda tudo.

Francisco é mais que um nome: é um projeto de igreja, de uma sociedade mais simples, solidária, é o projeto de uma simplicidade voluntária, de uma sobriedade compartilhada. Possivelmente isso vá criar uma crise entre os bispos e cardeais. Eles se acreditam príncipes da igreja e o papa não quer nada disso. Francisco quer que se renove o pacto das catacumbas quando, ao final do Vaticano segundo, 30 bispos se reuniram nas catacumbas e fizeram votos de viver na pobreza, de abandonar os palácios e viver no meio do povo. Essa é a proposta para toda a hierarquia da igreja. Essa será, para mim, a grande revolução de Francisco."

"É outro tipo de presença da igreja, não como poder, mas sim como uma instância de apoio a tudo o que é humano. O cristianismo se soma a outras religiões, a outros caminhos espirituais e renunciam assim a seu privilégio de excepcionalidade, como se fosse a única igreja verdadeira, a única religião válida. Não. O cristianismo está junto às demais religiões para alimentar valores humanos, para salvar a nossa civilização que está ameaçada."

"Sim, eu creio que ele seguirá mantendo o discurso tradicional de defesa da vida, contra o aborto, mas com uma diferença: antes, os temas da moral sexual, familiar, do celibato dos sacerdotes ou do sacerdócio das mulheres, eram temas proibidos, que não podiam ser discutidos. Nenhum cardeal, bispo ou teólogo podia falar disso. Francisco não, ele deixou aberta a discussão. Ele vai abrir uma ampla discussão na igreja e vai recolher elementos que podem se tornar universais.

Francisco abriu muitos espaços. Não sei até que ponto poderá avançar com isso, mas haverá sim uma ampla discussão na igreja."

"Hoje temos uma só maneira de ser cristão, mas há outras. Na América Latina estamos demonstrando que é possível um cristianismo afro-indígena-europeu, uma mescla de três grandes culturas. Por isso aqui a igreja tem outro rosto, é mais aberta, mais comprometida com as mudanças que beneficiam o povo. Temos que universalizar isso, porque a injustiça mundial é muito grande. E este papa é muito sensível ante os últimos, os invisíveis. Aí está sua centralidade."

"Quando Bento XVI leu o informe de mais de 300 páginas sobre a situação interna da igreja, (...) sentiu que não tinha força nem física, nem psíquica, nem espiritual, para enfrentar um problema dessa natureza. Esse problema não vinha de fora, do mundo, da sociedade, não: o problema vinha de dentro da igreja, de sua parte mais central que é a cúria romana. Isso o escandalizou.

Bento XVI foi muito humilde ao reconhecer que outra pessoa deveria vir com mais força, com mais determinação e outra visão da igreja para criar um horizonte de esperanças e credibilidade que a igreja havia perdido totalmente."

"(...) creio que Francisco vá inaugurar uma dinastia de papas do Terceiro Mundo, da África, da Ásia, da América Latina. Com isso, o catolicismo se enriquecerá com valores de outras culturas que nunca foram respeitadas, mas sim colonizadas.

O cristianismo da América Latina é um cristianismo de colonização. Fizemos muitos esforços para criar um cristianismo nosso, com nossos santos, nossos mártires.

Nosso cristianismo tem seu próprio rosto, que não é o velho rosto europeu. Isso vai facilitar que o cristianismo seja uma boa proposta para a humanidade, não somente para os cristãos. Nosso cristianismo tem outro elemento de ética, de humanidade, de espiritualidade para um mundo altamente materializado, tecnologicamente sofisticado. Francisco encarna esse contraponto, essa dimensão.

Sua proposta tem futuro."



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Sim, somos gays e católicos!


Linda a matéria que saiu no Portal Todavia com nosso amigo Murilo Araújo e o Ed, membro do Diversidade Católica.

O batismo ainda pequeno, a catequese logo depois, a missa aos domingos na companhia de algum familiar, talvez até a participação em um grupo de jovens mais tarde e uma identidade religiosa é estruturada. Foi assim com Murilo Araújo, André Soares e Edilmar Alcântara, três rapazes que além de compartilhar da fé e de uma formação baseada no catolicismo, tiveram outra coisa em comum: precisaram lidar com suas condições sexuais dentro da religião.

Se as heranças religiosas familiares de Murilo levaram aos seus primeiros passos na Igreja Católica, o gosto pela vivência cristã foi sendo desenvolvido em sua própria formação pessoal. Um ano antes do permitido, Murilo decidiu pedir a sua mãe para entrar na catequese e, ainda adolescente, sua missão no grupo de jovens já era uma realidade. “O que antes era um vínculo mais ligado à coisa da família, virou uma parte da minha vida mesmo. Até o meu amadurecimento para pensar a sociedade, a minha vida social e a minha forma de estar no mundo foram desenhadas pelo meu vínculo com a minha comunidade de fé e pela minha vivência religiosa. Isso é muito forte pra mim”, confessa.

Para André, o caminho pela religião foi ainda mais intenso. Neto de católicos praticantes, ele chegou a se dedicar na missão de ser padre e morou em um seminário. “Desde menino, meus avós me levavam à igreja. Para aceitar a minha verdadeira identidade como filho de Deus, já estive morando em um seminário e também fiz parte da ordem franciscana. Quanto a minha identidade sexual, fico muito tranquilo hoje quando alguém me pergunta se sou gay”, revela.

É nesse processo de descobertas sexuais que a maior parte dos jovens entra em conflito. Segundo pesquisa da Universidade da Columbia, em Nova Iorque, a taxa de suicídio entre os jovens gays e bissexuais é até cinco vezes maior do que a de jovens heterossexuais, independente da religiosidade. No Brasil, o índice de suicídio entre esses jovens gays chega a três por dia, mais de mil adolescentes por ano.

Se enfrentar os dilemas familiares junto ao bullying no colégio, por exemplo, já é árduo para um homossexual nos primeiros momentos de suas descobertas, para um gay católico o contexto religioso é um quesito a mais desse processo. “Foi estranho no começo, muito complicado de administrar. Comecei a ler livros que desmitificavam passagens bíblicas tidas como imutáveis. Hoje, vejo a relação da Igreja com a minha sexualidade de outra forma. Penso que ninguém escolhe ser gay, hétero ou o que seja. As pessoas simplesmente são o que são. Alguns aceitam, outros fogem de si mesmo”, conta Edilmar.

Mas para toda regra, há exceções. Murilo sempre lidou com bastante serenidade quando a assunto foi entender o processo de identificação sexual e religioso em sua vida. A aceitação parece ter vindo como uma luz, provocando uma liberdade ímpar. “Eu digo que eu sou até mais cristão por ser gay – e mais gay por ser cristão. Se tem uma experiência na minha trajetória que associou tudo isso, foi o dia em que eu saí do meu próprio armário: me senti saindo de um caixão quase, me senti vivo como nunca antes, deixando pra trás um Murilo que era uma mentira, e me sentindo mais livre, sem amarras. Se não foi Deus quem me proporcionou esse bem, essa bênção e essa liberdade, eu não sei mais quem foi”, revela.

Nessa caminhada em direção a uma melhor descoberta (e por que não dizer aceitação?) pessoal, alguns grupos foram surgindo para dialogar melhor sobre essa relação entre homossexualidade e catolicismo. É o caso do Diversidade Católica, um grupo que atua no Rio de Janeiro há mais de seis anos funcionando e reúne católicos gays periodicamente na casa de um grande amigo do grupo. Como nos conta Edilmar, membro do Diversidade, tudo funciona como uma grande família, sempre aberta a receber novos corações para dividir histórias, compartilhar a fé, sem nunca desistir de seguir Jesus por causa de sua condição sexual. “Eu sabia que não era o único no mundo a passar pelo o que estava passando, por isso me empenhei em encontrar pessoas que vivam a mesma coisa que eu. Hoje, somos uma família que cresce a olhos vistos”, completa.

Entretanto, se o conflito pode ser administrado com o tempo, grande parte das pessoas ainda olha torto para esses homossexuais que decidiram seguir o caminho cristão. “Às vezes, a gente fica meio sem lugar: quando chega à Igreja, a gente é muito ‘pra frente’, muito subversivo, por estar querendo uma abertura à homossexualidade num espaço que mal fala de sexo (só fala quando é pra proibir); do outro lado, por mais ‘pra frente’ e subversivo que eu seja, sempre alguém vai me achar atrasado por eu ‘estar numa instituição que me condena’”, explica Murilo. Para ele, trata-se de uma grande falta de compreensão, de todos os lados: "apesar dos dois grupos me ‘julgarem’ por razões diferentes, nenhum dos dois para pra me escutar. E pior, ambos estão partindo de um mesmo fundamentalismo: achar que o fato de eu ser religioso me desautoriza a criticar a minha religião – e que se eu tiver críticas, eu tenho mais é que sair dela e criar a minha própria. E não é assim que as coisas funcionam".

Entre dilemas pessoais e sociais, o caminho de descoberta e o entendimento de uma identidade formada tanto pela vivência da religião quando pela condição sexual são acontecimentos que só se tornam possíveis através do amor e do respeito. Como diz Anais Nis, escritora francesa: “Não podemos salvar as pessoas. Tudo o que podemos fazer é amá-las”.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Carta de Católicos LGBT para os Bispos - e petição para assinar


É com imensa alegria que compartilhamos a carta elaborada por nossos amigos da Pastoral da Diversidade, em São Paulo, em resposta à consulta pública às paróquias solicitada pelo Vaticano em preparação para o Sínodo dos bispos em 2014 (saiba mais aqui). A carta está disponibilizada também sob a forma de uma "petição on-line", um abaixo-assinado para recolhermos as assinaturas de quem quiser apoiar e subscrever o texto abaixo, aqui. Esta carta será enviada esta semana para nossos bispos e para o núncio apostólico (o representante diplomático da Santa Sé) no Brasil, assinada por representantes de diversos grupos de LGBTs católicos existentes no Brasil - nós, do RJ, a Pastoral da Diversidade, em SP, e nossos irmãos organizados em Belo Horizonte, Brasília, Recife, Curitiba, entre outros. 

Segue a carta, na íntegra.

Estimados Senhores Bispos,

É a primeira vez na história, tanto quanto se saiba, que todos os fiéis, inclusive nós Católicos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), fomos convidados a nos expressar como sujeitos sobre temas tão importantes para o futuro da nossa Igreja. Aqueles que escrevemos esta carta estamos longe de nos sentirmos no direito de responder por tantas pessoas diferentes, contudo sentimo-nos honrados pelo convite e queremos pelo menos tentar responder à altura.

É evidente que nos faltam conhecimentos para responder à maioria das perguntas do questionário, por isso vamos nos ater somente às que nos dizem respeito diretamente. Antes, porém, gostaríamos de comentar brevemente quatro pontos que fluem de temas fundamentais da consulta.

O primeiro ponto é sobre o próprio termo Família. Gostaríamos de expressar que todos nós, como pessoas LGBT, filhas e filhos de Deus, nascemos no seio de famílias, das mais diversificadas, e todos nós buscamos viver em família, seja ela eletiva ou biológica. Como Católicos, sabemos que Nosso Senhor Jesus Cristo sempre promoveu e promove mais a família eletiva que a biológica. Ou seja, consideramos que o discurso Católico sobre a família nos toca profundamente, sobretudo porque estas palavras de Jesus nos ressoam: "A minha mãe e os meus irmãos são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (Lucas 8, 21). Temos as mais variadas experiências de vida familiar: para alguns de nós, o fato de sermos LGBT foi aceito com tranquilidade pelos nossos irmãos, pais, primos e outros. Para outros, o fato provocou – e continua provocando – muito sofrimento, seja em nossos parentes mais próximos, seja em nós mesmos. Em suma, queremos dizer que os dramas da vivência da fé em família não nos são alheios. Por isto, não podemos deixar de notar que, até agora, o discurso eclesiástico sobre a família nos trata como se fôssemos os inimigos da família, hostis de alguma forma à sobrevivência da mesma. Porém, nenhuma dinâmica familiar pode ser considerada saudável se alguém nela é tratado como ovelha negra (ou rosa). E isto nos leva a pedir que os Senhores não insistam em “defender” a família contrapondo-a aos direitos e à estabilidade psíquica e espiritual das pessoas LGBT. Estas “defesas” soam como forma de se imiscuir de maneira pouco evangélica em vivências familiares complexas em que todos sairiam ganhando se o assunto fosse tratado com honestidade, escuta, paciência e carinho.

O segundo ponto envolve a noção de Lei Natural. Mesmo que a terminologia não seja muito comum no nosso meio, a realidade visada nos é muito presente. Grande parte dos avanços no trato digno e humano das pessoas LGBT tem sido fruto da crescente consciência tanto em nível científico quanto em nível popular de que nós, LGBT, somos assim não por qualquer defeito ou deficiência, mas simplesmente como algo que é. Sendo assim, como é o caso com todas as pessoas, o nosso comportamento digno é fruto daquilo que somos. Ou seja, é a partir de ser, e não apesar de ser, LGBT que entramos, imbuídos com a força do Espírito Santo, naquela participação consciente e ativa em nos tornarmos aquilo que Deus quer para nós, que caracteriza a Lei Natural. Aprender aquilo que é, na prática, ser filha ou filho de Deus tendo como um dos aspectos – um elemento pequeno, mas não desprezível – de sua identidade o ser LGBT, é uma grande tarefa de humanização para todos nós. Nesta tarefa não ficamos isentos de todas as possibilidades, tanto de pecado quanto de santidade, que desafiam qualquer pessoa. Contudo, observamos que quando a autoridade eclesiástica fala da Lei Natural, ela assume - aparentemente, sem se questionar - que somos de alguma maneira marginais ao tema, somos julgados de maneira sempre negativa, por causa de nossas inclinações que se supõem serem “objetivamente desordenadas”. Ora, fica cada vez mais claro que a versão eclesiástica atual da Lei Natural carece de evidência na realidade. Por isso, exortamos os Senhores Bispos a não utilizar a Lei Natural como arma eclesiástica contra as pessoas LGBT e que deem mais espaço à dimensão da Lei Natural que consiste em aprender por observação aquilo que realmente é, pois só assim serão conhecidos e respeitados os desígnios do nosso Pai, Criador de todas as coisas, nas nossas vidas. Só assim nos ajudarão a caminhar segundo a vontade d’Ele.

O terceiro ponto trata do termo Pastoral. Desejamos ardentemente a existência de uma verdadeira Pastoral LGBT no Brasil. Sabemos que nenhuma pastoral que não esteja fundamentada na Verdade pode produzir bons frutos. E, de fato, há um grave problema aqui, um dilema: ou somos pessoas heterossexuais consideradas defeituosas, ou somos pessoas LGBT normais. No primeiro caso, a Pastoral consistiria em nos ensinar a viver uma estrita continência sexual, lutaria contra qualquer forma de reconhecimento da nossa vida em comum, seja no civil seja no religioso, e talvez até propusesse métodos para nos “curar” da desordem profunda que nos é atribuída. No outro caso, a Pastoral teria a missão de nos ajudar a florescer e crescer na fé a partir daquilo que somos; seu interesse se voltaria, entre outras coisas, para a formação e estabilidade da nossa vida conjugal e familiar, inclusive através da adoção de filhos, e para fortalecer nosso compromisso com os mais sofridos através de projetos sociais; e sobretudo, se empenharia em melhorar a vida de tantas pessoas, especialmente das camadas mais empobrecidas e marginalizadas de nossa sociedade, que sofrem todo tipo de discriminação no trabalho, na educação, na saúde e outros âmbitos, por sua condição de LGBT, chegando até o ponto de serem jogadas na rua pelas suas famílias, e a se prostituírem para sobreviver.

A situação real na Igreja, no entanto, é que as autoridades eclesiásticas não conseguem reconhecer publicamente sequer que existe uma questão sobre a verdade a ser confrontada, embora no íntimo, tantos o saibam muito bem. O resultado, que vemos no dia a dia, é um mundo onde os leigos vão se dando conta cada vez mais facilmente de que não há nenhuma desordem objetiva intrínseca ao fato de alguém ser LGBT. Mas o clero, mesmo sabendo que muitos pertencem à nossa tribo, não consegue tratar deste assunto honestamente. E ainda menos os Senhores, cuja fala nesta esfera costuma ficar semelhante (com desculpas pela comparação) aos discursos de outrora: “Nós fingimos ensinar, e o povo finge aprender”. O resultado é que uma verdadeira e oficial pastoral católica LGBT fica impossível! Os esforços pastorais hoje existentes, a partir dos quais escrevemos esta carta, sobrevivem na clandestinidade, sem acolhimento sincero, aberto e fraterno, em espaços eclesiais não reconhecidos como tais. Pedimos, então, não como mera questão acadêmica, mas como urgente exercício de responsabilidade pastoral, que os Senhores busquem a maneira de entrar pública e honestamente no processo de elucidar conosco aquilo que realmente é neste campo. Sem medo da verdade, pois sem ela, nenhuma Pastoral Católica é possível. O medo da verdade, além de pouco eficaz para a ação pastoral, também é inútil, pois, como lemos na Declaração Dignitatis Humanae, n.1, do Concílio Vaticano II, "A verdade não se impõe de outro modo senão pela força da própria verdade."

O quarto e último termo é a Evangelização. Observamos com grande alegria a maneira como o Papa Francisco tem abordado este tema na Evangelii Gaudium e sentimo-nos plenamente convocados a participar desta nova evangelização. De fato, muitos de nós já estamos fazendo isto de diferentes maneiras, exatamente como pessoas LGBT que vivenciam profundamente a fé - infelizmente, sem qualquer apoio da Igreja institucional. Mas nos sentimos animados pelo Papa quando ele nos disse na JMJ 2013 que assim tem de ser, e que, mais cedo ou mais tarde, os Senhores irão descobrir que nós estávamos fazendo aquilo que devíamos, levando o conhecimento e a presença de Jesus Cristo a diferentes periferias existenciais. Gostaríamos de ressaltar que, para nós, descobrir que somos pessoas LGBT amadas como tal por Deus, convidadas à irmandade de Jesus e à nova família eletiva da Igreja, é parte da Boa Nova de Cristo. Na medida em que os Senhores insistem em tratar todo movimento em prol da dignidade e veracidade das pessoas LGBT como contrário ao Evangelho, em vez de discernir os elementos de Kairós que nos chegam por meio deste movimento, da mesma forma se condena a evangelização a ser uma repetição estéril, uma mera ideologia moralista. A nossa experiência no Brasil, amplamente partilhada pelos nossos amigos e irmãos LGBT em outros países, tanto católicos quanto cristãos de outras Igrejas, aponta para a seguinte observação: as gerações mais jovens não conseguem entender porque conhecer a Jesus implica numa caracterização, que sabem que é falsa, das pessoas LGBT com quem convivem como amigos, irmãos, filhos, vizinhos e colegas de escola ou trabalho. Para a nova e verdadeira evangelização, feita com aquele espírito de que fala o Papa Francisco na sua exortação apostólica, é imprescindível descobrir qual é o elemento de “Boa Nova” no assunto LGBT. Caso contrário, as gerações mais jovens não irão vos escutar.

Feitas estas observações gerais, passamos a responder às perguntas da seção 5 do questionário.

5 - Sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo

1. Existe no vosso país uma lei civil de reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo, equiparadas de alguma forma ao matrimônio?

Não existe uma lei propriamente dita, mas, graças a Deus, o Supremo Tribunal Federal equiparou a união civil entre pessoas do mesmo sexo ao matrimônio civil. Após a decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça expediu resolução, com caráter normativo e vinculante aos cartórios, que obriga os tabeliães a registrar uniões estáveis e casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

2. Qual é a atitude das Igrejas particulares e locais, quer diante do Estado civil promotor de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, quer perante as pessoas envolvidas neste tipo de união?

Na nossa experiência, tanto a CNBB como as Igrejas particulares eram obedientemente hostis à introdução destas realidades no nosso meio, se bem que em tom menos agressivo e grosseiro que os grupos evangélicos neopentecostais que protagonizaram a luta contra nossos direitos. Em nível mais local, não causou tanto problema a nova realidade legal, e como pessoas, algumas das quais envolvidas neste tipo de união, temos poucas noticias de maus-tratos por pessoas ligadas às paróquias, mas também poucas notícias de um acolhimento com júbilo. Evidentemente há uma dificuldade em obter informações mais exatas já que, oficialmente, toda atitude acolhedora neste tema tem sido clandestina.

3. Que atenção pastoral é possível prestar às pessoas que escolheram viver em conformidade com este tipo de união?

Retomamos nosso terceiro parágrafo acima, sobre o termo Pastoral. Prestamos todo o atendimento que nos é possível, em meio à clandestinidade eclesial, e aguardamos o dia em que poderemos pensar, em diálogo franco e aberto com nossos Bispos, os tipos adequados de liturgia pública de bênção para estes casos, como também o acompanhamento apropriado às diferentes etapas da vida das pessoas LGBT.

4. No caso de uniões de pessoas do mesmo sexo que adotaram crianças, como é necessário comportar-se pastoralmente, em vista da transmissão da fé?

Há pouco a fazer enquanto as autoridades eclesiásticas ainda se sentirem na obrigação de convencer as crianças adotadas por nós, pessoas LGBT, que as suas famílias não são verdadeiras famílias, e que suas mães ou seus pais são pessoas objetivamente desordenadas que contrariam o plano de Deus ao formar uniões caracterizadas por atos intrinsecamente maus. Se ultrapassarmos esta posição, não haverá grande diferença quanto à transmissão da fé, sendo as mesmas as facilidades e dificuldades de catequese para filhos adotados por casais do mesmo sexo ou de sexos opostos. Ajudar a superar o sentido do abandono na criança, sendo que muitas delas passam por situações abomináveis antes de serem adotadas, vai muito além da mera orientação sexual seja dos próprios filhos adotados, seja dos pais adotivos.
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