quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Deus, Obama e os Gays


‘Igualdade para gays e imigrantes’. Assim repercutiu pelo mundo a posse do segundo mandato de Barack Obama. Ele decidiu fazer o juramento presidencial sobre as Bíblias que pertenceram a Abraham Lincoln e a Martin Luther King Jr. No discurso, citou a Declaração de Independência dos Estados Unidos: todos os homens são criados iguais, e lhes são conferidos pelo Criador direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca da felicidade, entre outros.

É preciso ser igual não só aos olhos de Deus, mas aos olhos dos homens, assevera o presidente. E esta igualdade é uma estrela que guia o povo ainda hoje, como guiou os seus antepassados em Seneca Falls, Selma e Stonewall. Que lugares são estes que Obama menciona? Seneca Falls é o local da primeira convenção norte-americana a lutar pela emancipação feminina, em 1848. Selma é a cidade do Alabama de onde partiram as marchas pelos direitos civis dos negros, em 1965. E Stonewall é o bar gay de Nova Iorque onde eclodiu uma rebelião, em 1969. A igualdade desejada por Deus, portanto, conquista-se nos movimentos e nas lutas sociais.

A tarefa desta geração não está completa, prossegue Obama, até ‘nossos irmãos e irmãs gays’ sejam tratados como os outros perante a lei. E sobre isto conclui: se somos criados iguais, então o amor que juramos mutuamente também tem que ser igual. Pela primeira vez na posse de um presidente dos Estados Unidos, os direitos dos gays são reconhecidos com clareza e firmeza.

A escolha das Bíblias de Lincoln e Luther King não é por acaso. Ambos lutaram até a morte pela emancipação dos negros naquele país. No livro sagrado dos cristãos, eles encontraram inspiração e alento para a sua luta libertária. Isto não foi simples. A Bíblia tem vários trechos que mencionam a escravidão e a segregação, e que historicamente foram utilizados para justificá-las. Lincoln e Luther King não ficaram reféns desta leitura ao pé da letra, arma ideológica de seus adversários. O livro sagrado tem também outros trechos que mencionam a submissão da mulher ao homem, e a proibição das relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Estes textos são utilizados hoje por cristãos fundamentalistas para subalternizar as mulheres e para execrar os gays. Obama também não é refém da interpretação literal. Após jurar sobre as Bíblias e se referir ao Deus Criador, ele defendeu brilhantemente os negros, as mulheres, os gays, os imigrantes, os pobres, as crianças e a preservação do Planeta.

Deus não é rival do ser humano, não é muralha do escravismo e da segregação, não é guardião do patriarcalismo e do status quo, e não é bastião da heterossexualidade compulsória. Deus é o fundamento da igualdade entre os seres humanos, é seu aliado na liberdade responsável, na busca do amor e da felicidade. Esta imagem de Deus transparece no discurso de Obama. Não é necessário afastar da esfera pública a tradição judaico-cristã e seus símbolos religiosos para se garantir a cidadania. É necessário ressignificá-los, como faz o presidente norte-americano.

Ele foi eleito pela maioria dos protestantes, dos católicos e dos judeus dos Estados Unidos, entre outros segmentos da população. Os eleitores destas confissões religiosas não deram ouvidos à mensagem catastrofista de vários de seus líderes, que vêem no casamento gay uma grave ameaça à família, à paz e ao futuro da humanidade. Estes eleitores tiveram o devido discernimento, e são corresponsáveis por esta belíssima lição de fé e cidadania de Obama. Sem negar as luzes e sombras que possa ter o governo norte-americano e sua política externa, um forte vento do Espírito divino está soprando para o bem da humanidade.

Imagem: O pintor renascentista italiano Paolo Veronese representa Deus Pai enviando o Espírito Santo na forma de uma pomba (1570).

2 comentários:

Guilherme disse...

Fui católico, não sou mais, mas acredito que o exercício religioso é um direito e, para alguns, uma condição de conforto. Ninguém pode privar ninguém deste direito nem forçar ninguém a nada em nome deste direito. Admiro os/as que buscam tornar o catolicismo mais parecido com uma religião cuja base é o amor. Vida longa ao Diversidade Católica!

Geraldo disse...

Queridos amigos e amigas,
parabéns pelo site, pela lucidez, pela inteligência, pela força, pela coragem. Vocês são luz e nos ajudam a caminhar nesses, às vezes, escuros caminhos da evolução humana. Pe. Geraldo

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