Em toda comunidade há paradigmas sociais que envolvem comportamento,
vestuário, linguagem, regras de convivência, normas jurídicas, questões
de estética e muitas outras. Fica, então, estabelecido o conflito: de um
lado os que desejam manter as coisas como estão e do outro, os que
querem mudá-las. De um lado os conservadores, moralistas defensores de
uma idealizada e única moral e de cristalizados bons costumes. De outro
os progressistas, defensores de moralidades relativas e plurais e
costumes sempre negociáveis e diversificados. De um lado os que entram
em pânico com a possiblidade de mudança do que acreditam ser o melhor.
De outro, os que, por não apresentarem um comportamento convencional,
por serem desviantes de uma norma imposta, sofrem julgamentos
irracionais, reações exageradas e são alvos de ações e discursos
exasperados e descabidos e ataques falaciosamente justificados por uma
ameaça imaginária de destruição. Está estabelecido o pânico moral, que
ocorre justamente a partir dos confrontos entre o idealizado, o modelo
vigente e as demandas de grupos sociais diversos que não se enquadram no
estabelecido e vão provocando alterações nas normas e demais padrões. E
é nesta dinâmica que diversos grupos discriminados estiveram e
eventualmente voltam a estar em evidência.
Conflitos são sempre esperados, afinal,
vivendo em sociedade, é um processo absolutamente inerente ao próprio
convívio estarmos sempre negociando o que é ou não tolerável, plenamente
aceito ou execrável. No momento, nós LGBTs somos agraciados em três
grupos: alguns nos toleram, outros aceitam plenamente e há os nossos
maiores algozes, os que nos consideram execráveis. Estes últimos fazendo
o possível para promover hostilidade contra nós e tentando nos
segregar, eliminar ou tornar invisíveis, a partir do cerceamento dos
nossos direitos e mesmo através da criação de leis que nos apartem e nos
imobilizem, ainda mais, social e juridicamente. Fazem parecer que os
maiores problemas morais são causados justamente pela falta de maior
controle de nós transgressores, e diante de uma possível aniquilação da
ordem moral conhecida e aceita, todos concordam que alguma coisa deve
ser feita e que, portanto, é necessário apertar mais o cerco, ser mais
firme, limitar mais nossas ações. Estas pessoas inescrupulosas conseguem
fazer de nós a cola que une nossos algozes nos tornando odiosos.
Cria-se um ódio comum, um ódio que vai aderindo e fazendo aderir
incautos, conservadores e moralistas.
O discurso de ódio destaca nossa
sexualidade sobre todas as outras características e como uma sexualidade
doentia, descontrolada, perniciosa. Somos a bola da vez, somos o
inimigo público número um do momento. E para variar em nada, nadinha
mesmo, somos o anúncio do apocalipse. Somos o prenúncio do fim das
famílias, da extinção do ser humano, do extermínio da humanidade. E em
uma sociedade crédula no fim do mundo por castigo divino, não é
necessário nenhum outro motivo para nos temerem. Além disso,
inescrupulosamente, nos associam à pedofilia, razão para nos
considerarem criaturas repulsivas. E assim vamos sendo feitos de alvo,
de pragas a serem exterminadas, odiosas e asquerosas como baratas.
Gente, ou melhor, coisas abjetas das quais precisam se livrar. Bichos
asquerosos que vão adentrando todos os espaços e que eventualmente tocam
os humanos e suas crianças e ainda tentam aliciá-las
sexualmente. Pervertidos, pedófilos, zoófilos, sem-caráter,
transmissores de doenças. Motivos inventados, mas suficientes e eficazes
para que sejamos considerados merecedores de perseguição, aparte e
aniquilação.
Fragoroso fracasso. Se por um lado os
grupos hegemônicos se promovem, seja financeira, social e moralmente, à
custa de nossa comunidade, por outro lado colocam nosso grupo no centro
das atenções, sob os holofotes, que mesmo sendo de nossos inquisidores,
nos proporciona sermos vistos e ouvidos, nos dando oportunidade de
desmenti-los e de mostrarmos outra vida possível, outras formas de
existir e, fundamentalmente, de coexistir. Se com nosso avanço e nossa
maior visibilidade, nos tornamos o alvo da vez por um lado, por outro
também somos, neste momento, o grupo social que fará avançar toda a
sociedade em relação a direitos civis. Nossa luta não é exclusivamente
individual, é também coletiva, não somente por uma vida melhor ou por
nosso próprio grupo, mas por toda uma sociedade e inteiramente mais
justa.
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