sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Balaio de ódio aderente: LGBTs, baratas e apocalipse.




Em toda comunidade há paradigmas sociais que envolvem comportamento, vestuário, linguagem, regras de convivência, normas jurídicas, questões de estética e muitas outras. Fica, então, estabelecido o conflito: de um lado os que desejam manter as coisas como estão e do outro, os que querem mudá-las. De um lado os conservadores, moralistas defensores de uma idealizada e única moral e de cristalizados bons costumes. De outro os progressistas, defensores de moralidades relativas e plurais e costumes sempre negociáveis e diversificados. De um lado os que entram em pânico com a possiblidade de mudança do que acreditam ser o melhor. De outro, os que, por não apresentarem um comportamento convencional, por serem desviantes de uma norma imposta, sofrem julgamentos irracionais, reações exageradas e são alvos de ações e discursos exasperados e descabidos e ataques falaciosamente justificados por uma ameaça imaginária de destruição. Está estabelecido o pânico moral, que ocorre justamente a partir dos confrontos entre o idealizado, o modelo vigente e as demandas de grupos sociais diversos que não se enquadram no estabelecido e vão provocando alterações nas normas e demais padrões. E é nesta dinâmica que diversos grupos discriminados estiveram e eventualmente voltam a estar em evidência.

Conflitos são sempre esperados, afinal, vivendo em sociedade, é um processo absolutamente inerente ao próprio convívio estarmos sempre negociando o que é ou não tolerável, plenamente aceito ou execrável. No momento, nós LGBTs somos agraciados em três grupos: alguns nos toleram, outros aceitam plenamente e há os nossos maiores algozes, os que nos consideram execráveis. Estes últimos fazendo o possível para promover hostilidade contra nós e tentando nos segregar, eliminar ou tornar invisíveis, a partir do cerceamento dos nossos direitos e mesmo através da criação de leis que nos apartem e nos imobilizem, ainda mais, social e juridicamente. Fazem parecer que os maiores problemas morais são causados justamente pela falta de maior controle de nós transgressores, e diante de uma possível aniquilação da ordem moral conhecida e aceita, todos concordam que alguma coisa deve ser feita e que, portanto, é necessário apertar mais o cerco, ser mais firme, limitar mais nossas ações. Estas pessoas inescrupulosas conseguem fazer de nós a cola que une nossos algozes nos tornando odiosos. Cria-se um ódio comum, um ódio que vai aderindo e fazendo aderir incautos, conservadores e moralistas.

O discurso de ódio destaca nossa sexualidade sobre todas as outras características e como uma sexualidade doentia, descontrolada, perniciosa. Somos a bola da vez, somos o inimigo público número um do momento. E para variar em nada, nadinha mesmo, somos o anúncio do apocalipse. Somos o prenúncio do fim das famílias, da extinção do ser humano, do extermínio da humanidade. E em uma sociedade crédula no fim do mundo por castigo divino, não é necessário nenhum outro motivo para nos temerem. Além disso, inescrupulosamente, nos associam à pedofilia, razão para nos considerarem criaturas repulsivas. E assim vamos sendo feitos de alvo, de pragas a serem exterminadas, odiosas e asquerosas como baratas. Gente, ou melhor, coisas abjetas das quais precisam se livrar. Bichos asquerosos que vão adentrando todos os espaços e que eventualmente tocam os humanos e suas crianças e ainda tentam aliciá-las sexualmente. Pervertidos, pedófilos, zoófilos, sem-caráter, transmissores de doenças. Motivos inventados, mas suficientes e eficazes para que sejamos considerados merecedores de perseguição, aparte e aniquilação.

Fragoroso fracasso. Se por um lado os grupos hegemônicos se promovem, seja financeira, social e moralmente, à custa de nossa comunidade, por outro lado colocam nosso grupo no centro das atenções, sob os holofotes, que mesmo sendo de nossos inquisidores, nos proporciona sermos vistos e ouvidos, nos dando oportunidade de desmenti-los e de mostrarmos outra vida possível, outras formas de existir e, fundamentalmente, de coexistir. Se com nosso avanço e nossa maior visibilidade, nos tornamos o alvo da vez por um lado, por outro também somos, neste momento, o grupo social que fará avançar toda a sociedade em relação a direitos civis. Nossa luta não é exclusivamente individual, é também coletiva, não somente por uma vida melhor ou por nosso próprio grupo, mas por toda uma sociedade e inteiramente mais justa.

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