sexta-feira, 25 de maio de 2012

A polarização não interessa a ninguém

Da esquerda para a direita: Steve e Maria Newnum, Luiz Modesto, Luiz Silva, 
Pr. Célio Camargo, Arnaldo Adnet, D. Anuar Batisti e Pe. Rildo. 
Foto enviada pelo Pr. Célio, via Facebook

Conforme havíamos comentado aqui, após a repercussão deste texto do blog um dos fundadores do Diversidade Católica viajou a Maringá, a convite dos organizadores da Parada LGBT local, para participar dos eventos previstos na programação da semana, entre eles um encontro entre representantes de grupos religiosos da região e do movimento LGBT. Foi um momento de encontro entre pessoas que se abriram para a troca e o diálogo franco e honesto, que já começou a gerar frutos - alguns bem notórios, como este; outros, talvez mais importantes, menos visíveis. Haverá outros, haverá muitos (como o evento que realizaremos no próximo dia 03/06 no Rio de Janeiro - mais informações aqui). É por isso que trabalhamos.


Nosso querido Arnaldo conta como foi o encontro. 

Na sala de reuniões da Arquidiocese de Maringá, Paraná, dia 18 de maio, às 17h, o arcebispo Dom Anuar Battisti recebeu o organizador da Parada LGBT de Maringá e representantes religiosos ligados ao movimento gay [conforme contamos aqui].

Ao lado do Arcebispo, seu secretário e um padre, Rildo.

Entre os religiosos estávamos eu, Arnaldo Adnet - representando o movimento Diversidade Católica - do Rio de Janeiro, um pastor luterano de Maringá e sua esposa, também teóloga, que ressaltaram estar ali em seus nomes pessoais e não representarem a Igreja; além do Pr. Célio Camargo, da Igreja da Comunidade Metropolitana de Maringá, com seu companheiro.

Luiz Modesto, o organizador da Parada, abriu a reunião lembrando o primeiro encontro entre ele o o Bispo, a respeito do que teria sido uma provocação dos gays contra a Igreja de Maringá, ao usarem uma imagem estilizada da Catedral no cartaz da Parada LGBT que aconteceu dia 20 [história que contamos aqui]. No primeiro encontro, Luiz desculpou-se e negou qualquer intenção de ofensa ou provocação, mas aproveitou a ocasião para apresentar ao Bispo os números referentes às vitimas da homofobia nas cidades de sua Arquidiocese. Dom Anuar mostrou-se sensibilizado e acolheu a proposta de desenvolver um trabalho pastoral no sentido de frear a violência. Foi quando decidiram convidar religiosos que já trabalhassem a questão da diversidade sexual para um encontro.

O Pastor Célio, da ICM, contou como transformou sua casa de madeira em uma igreja que abriga jovens expulsos de suas famílias, entre eles travestis, soropositivos, que não freqüentavam escola nem vislumbravam qualquer possibilidade de inserção social. Falou-nos dos rapazes que já deixaram sua casa com um emprego e educação em curso. Mas disse também que alguns pais acreditam que ele influencie seus filhos, induzindo-os à homossexualidade, e ameaçam processá-lo. Alguns dos presentes se surpreenderam quando o pastor Célio contou que rezavam para Nossa Senhora, e que muitos dos membros de sua comunidade eram de formação católica.

Todos quiseram saber quem eram os membros do Diversidade Católica e como eram nossas relações com a Igreja. Contei-lhes um pouco da minha história, de nascido família católica com um tio frei e 2 tias freiras. Contei como havia recebido educação religiosa, passando por colégio religioso, que fiz Primeira Comunhão; fui líder de grupo jovem e catequista, fui coordenador da Pastoral da Juventude, que recebi o Papa, na visita de 1980, até decidir deixar de evitar minha vocação homoafetiva e fazer a escolha que parecia inevitável: seguir fiel aos valores e princípios segundo os quais havia sido educado e que mais tarde abraçara por escolha própria, ou ser fiel a mim mesmo, aos meus sentimentos e desejos, ainda que para tal tivesse que abrir mão daqueles valores. Disse que foi preciso um longo, duro e tortuoso caminho para chegar até este momento.

Perguntado sobre nossa relação com o Magistério da Igreja Católica, contei-lhes que contamos com a orientação espiritual de um sacerdote e que individualmente estávamos cada um inserido em suas próprias paróquias. As relações variam caso a caso; entre nós há desde um Ministro da Eucaristia - investido pelo pároco, que o conhece e sabe de sua orientação sexual e sua inserção no DC - até o jovem que foi destituído de suas funções de coordenador da Crisma e da Pastoral da Juventude após ter aberto em confissão ao pároco sua orientação sexual. Mas esse mesmo jovem, na Jornada Mundial da Juventude em Madrid, interpelou o Arcebispo do Rio de Janeiro sobre a relação da Igreja com os gays, e Dom Orani respondeu que a Igreja precisava voltar novo olhar para esta questão [como o próprio rapaz relatou aqui]. Lembrei que o pároco da minha Igreja – a Paróquia da Ressurreição – me convidara a falar para toda a comunidade sobre homossexualidade e fé católica. Contei também que canto no Coral da Igreja e que frequento a missa com minha mãe e meu companheiro. Disse que, assim como estes padres, vários outros podem até não se pronunciar publicamente sobre a questão, mas não hesitam em abrir os braços para receber-nos sem julgamento, no puro exercício do amor cristão.

Disse também que posso até sonhar com a aprovação do clero às uniões homoafetivas, mas que não alimento ilusões de imediato e que não é isso o que me preocupa. O que não é aceitável são os crimes de ódio aos gays, crimes que vão muito além das estatísticas oficiais de assassinatos e agressões cruéis, mas que começam nas casas de famílias ditas religiosas. Ainda mais inaceitável é o fato de que muitos desses crimes sejam praticados com argumentos religiosos. Todos se lembraram então de casos diversos de ataques covardes de agressores de rua ou de abandonos, não menos covardes, por parte de pais envergonhados de seus filhos travestis, transexuais, transgêneros, lésbicas e gays.

Falamos também dos pais que transformaram vergonha em orgulho e até em razão de viver - alguns deles após atos de violência que levaram seus filhos a agressões e até à morte.

Sensibilizado neste momento, Dom Anuar contou que no sábado viajaria justamente para uma reunião de bispos sobre violência contra jovens e adolescentes, em Foz do Iguaçu. Pediu-nos um documento com dados oficiais sobre vitimas da homofobia em seu Estado e disse que estaria tudo sob o mesmo guarda-chuva.

Agradecemos sua disponibilidade, mas ressaltamos que não se tratava da mesma coisa. Que era preciso dar nome aos bois. Lembramos de como Oscar Wilde chamava o amor entre iguais de “o amor que não ousa dizer seu nome”, e de como os gays viveram séculos à sombra da História, sujeitos ocultos ou inexistentes aos olhos gerais. Choveram exemplos e razões para que esta violência específica fosse nomeada e citada explicitamente.

Falei de como recusamos a oposição entre gays e Igreja e quão pouco interessante esta polarização é para ambas as partes. Lembrei de como a imprensa já antecipa a tradicional polêmica confrontando opiniões de lado a lado - como no episódio da aprovação da união estável entre pessoas do mesmo sexo pelo STF. Na ocasião, a cada manifestação favorável, os jornalistas procuravam representantes da posição contrária na CNBB [e, no entanto, como mostramos aqui, não foram poucas as vozes a favor, mas que não chegaram ao grande público]. Como se a garantia de legítimos direitos civis sem qualquer conotação religiosa pudesse abalar valores cristãos [como discutimos aqui]. Falamos muito sobre a armadilha implícita neste tradicional antagonismo: aos gays é vetada associação a uma vida espiritual e à Igreja é imputado o lugar de fonte geradora de toda a homofobia.

O pastor luterano Robert Stephen e sua esposa, Maria Newnum, expressaram a emoção de todos diante do relato do Pastor Célio e propuseram um pacto de solidariedade, ao exemplo de cristianismo verdadeiro, comparando os abrigados da ICMos excluídos de nossos dias – aos samaritanos, leprosos e os excluídos do tempo de Jesus, que Ele insistia em amar. O Bispo recomendou os serviços da Casa de Emaús, que o Pastor Célio disse ser exatamente onde eles obtinham medicamentos e cestas básicas.

O Padre Rildo, então, pediu a Dom Anuar que desse permissão para que ele fosse visitar a casa. Passado algum tempo de reflexão e após outras intervenções, o Bispo autorizou-o a visitar a ICM.

Esclarecemos a dúvida do Bispo sobre a lei que garante aos trans o uso de nome condizente a seu gênero, como forma de evitar evasão escolar e de tratamentos de saúde. Entreguei ao Bispo uma cópia que havia levado do artigo "Homossexualidade e Evangelização" [que estamos publicando aqui no blog, em partes, às quintas-feiras - e você pode acessar pela tag "homossexualidade e evangelização", aqui]. O padre Rildo fez questão de fazer uma cópia, na hora.

Ao final da reunião o Bispo convocou-nos a formular em conjunto um release único sobre o encontro. Ele mesmo sugeriu que falássemos da necessidade de abalar a tal polarização Igreja vs. gays. Nem os gays devem ser privados de sua vocação espiritual, nem a Igreja deve ser confundida como foco de ódio aos gays ou como fornecedora de munição ou justificativa para ataques homofóbicos. Comprometemo-nos todos a trabalhar pelo enfraquecimento deste antagonismo.

- Arnaldo Adnet

Nota da equipe do blog:
No dia seguinte ao encontro relatado acima pelo Arnaldo, D. Anuar deu à Rádio CBN de Maringá uma entrevista em que defendeu uma mudança de postura da Igreja em relação aos homoafetivos. Se você ainda não ouviu, vale ouvir aqui.

* * *

Todos, cristãos e não-cristãos, gays e não gays, estão convidados para o evento "O Amor de Cristo nos Uniu - Gays cristãos na Igreja Católica", que realizaremos no dia 3/6, na UNIRIO. Vamos debater e refletir sobre as possibilidades de conciliação, encontro e diálogo entre fé cristã e diversidade sexual - e mostrar que há mais pontos de convergência do que estamos habituados a perceber.

Estamos esperando vocês!

Mais informações aqui

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