segunda-feira, 26 de março de 2012

Para que os seres humanos possam ser Deus

Foto: Théo Gosselin 

Nascida de uma visão mais profunda do que palavras, e transmitida através do silêncio cheio do Espírito, a mensagem cristã é constrangedora. "Deus fez-se humano para que os seres humanos possam ser Deus."

Esta recorrente afirmação dos primeiros teólogos soa mais ousada do que muitos teólogos arriscariam dizer hoje, e resistiu com muita força às tentativas do dualismo gnóstico de diluí-la. É claro que só podemos compreender o que isso significa pela experiência de nossas vidas, quando tentamos viver – e fracamente, na maior parte do tempo – como se fosse a verdade central, a coisa real em todas as circunstâncias.

Ela sugere que a Encarnação é Deus concentrado em um ser humano singular, para que Deus possa de fato "tornar-se plenamente humano". De que outra forma pode-se ser humano sem ser um ser humano em um tempo e lugar determinados? Os teólogos clássicos achavam que isso era necessário, mas que o sofrimento experimentado por este indivíduo era inevitável. Deus precisava ser humano. Jesus, o cumprimento dessa necessidade divina, assim como qualquer outro humano, não queria sofrer. (Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este cálice!).

Para muitos, hoje em dia, essa doutrina pode parecer abstrata e paroquial. Na verdade, ela muda a forma como nós mesmos nos encarnamos em nossas próprias e únicas histórias de vida, através de todas as fases de nosso desenvolvimento. Ela nos ajuda a não ficar presos na mentalidade infantil ou no comportamento adolescente, como vemos acontecer na maioria dos conflitos violentos e, de fato, em muitos dos nossos próprios problemas pessoais.

Ele também nos ensina o modo autêntico de lidar com o sofrimento. Como diz Leonard Cohen, devemos aprender a lamentar nos estritos limites da dignidade e beleza. A tendência do ego à auto-piedade arrisca tornar-nos isolados e amargos. Mas saber qual é nosso destino, para onde o sofrimento nos leva, dá tanto compaixão quanto dignidade para a nossa abordagem da decepção, do sofrimento e da perda.

É por isso que a Quaresma é um tempo cristão. E que a meditação é uma oração cristã. Não devemos nos castigar por causa de nossas falhas, ou buscar a iluminação apenas como uma fuga do sofrimento. Mas para ser plenamente humanos, completamente acordados, a fim de que possamos realmente "tornar-nos Deus", como estamos programados a ser.

- Laurence Freeman OSB
Mensagem para a Segunda-Feira da Terceira Semana da Quaresma (12/03/12) à Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil

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