Escultura: Gavin Worth
"Primeiro aprendemos, depois ensinamos, depois nos retiramos e aprendemos a calar. E nessa quarta fase, o homem aprende a mendigar". O provérbio indiano que ele quis citar em um de seus últimos livros representa, para o cardeal Carlo Maria Martini quase que uma fotografia da sua longa vida.
Ele espera o tempo de Páscoa na quieta obra do Aloisianum, a gloriosa casa dos jesuítas em Gallarate, na Itália, enquanto também naquele espaço apartado chegam os ecos de tempestades midiáticas que novamente se abatem sobre a Igreja. Ele diz que sente muita falta de Jerusalém. Com palavras incomuns para a Cidade Santa, ele explica que, para ele, aquele lugar tem quase um efeito tônico, porque "é riquíssimo de lugares e de motivos que levam à ação. Graças a Deus", acrescenta, "conservei também aqui a vontade de sair de mim mesmo e de me jogar nas coisas que Jerusalém me transmitiu".
A reportagem é de Gianni Valente, publicada na revista 30Giorni, 15-04-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.
Eis a entrevista.
O que o senhor pede agora nas suas orações de mendicante?
Agora, a minha mendicância é também física, o que me obriga a pedir a ajuda de alguém, talvez de noite. Essa é a primeira pobreza por meio da qual o Senhor me fez passar, mas não é que me custe muito, porque assim dou oportunidade para que os outros façam atos de caridade. Depois, a minha oração agora é pela Igreja de Milão, é uma oração de intercessão por todas as realidades e as pessoas da diocese, que eu recomendo uma a uma à graça de Deus. Pela Igreja do mundo – mas talvez esse objetivo seja muito grande – peço que aumente a fé e a esperança, e que estas se expressem na caridade. São as virtudes às quais Bento XVI também dedicou as suas encíclicas.
O senhor falou da sua oração de intercessão. Em um recente livro seu, "Qualcosa di così personale" [Algo de muito pessoal], o senhor reuniu algumas de suas meditações sobre os muitos aspectos da oração.
Reza-se de muitos modos. Há a oração de súplica, que pede milagres e curas e prodígios, como ver almas que se odiavam chegarem a se perdoar. Há a oração de louvor, ou a oração de quem está angustiado, sofre, é frágil; de quem tem necessidade de perdão, ou do pobre que tem necessidade do pão. Mas o que distingue a oração cristã da oração, mesmo que altíssima, das outras religiões é que a oração cristã é dom direto de Deus, que o Espírito nos manda. Nós podemos dizer: "Senhor, eu não sou capaz, pronuncia tu em mim aquela oração, coloque-a no meu coração". E o ápice da oração é a oração de confiança, a entrega das nossas vidas nas suas mãos.
Naquele livro, há algumas páginas dedicadas à oração do velho Simeão. E o senhor se detém na imagem do velho que abraça o menino. E escreve: "Simeão representa cada um de nós diante da novidade de Deus", que "se apresenta como um menino". O senhor, justamente para as crianças, escreveu o seu último livro, "Una parola per te. Pagine bibliche narrate ai più piccoli" [Uma palavra para ti. Páginas bíblicas narradas aos mais pequenos], com reflexões sobre algumas páginas bíblicas narradas para as crianças.
"Da boca dos pequenos e das crianças de peito, Senhor, tirastes o vosso louvor": é a frase do salmo citada por Jesus, quando os sumos sacerdotes e os anciãos o criticam porque consideram inoportuno o grito de louvor dirigido a ele pelas crianças. Hoje, muitas vezes, as crianças me parecem abandonadas. As notícias destes dias nos mostram como estão indefesas diante do mal que pode ser feito a elas. Mas nelas me toca aquela natural abertura confiante aos próprios pais e à vida, que é essencial também na fé.
Às vezes, em vez de favorecer a se comover por essa abertura, buscam-se técnicas e estratagemas que deveriam aproximar os jovens da fé. O que o senhor espera para eles?
A fé se transmite às pessoas a partir do ambiente que as circunda, mas depois pode entrar concretamente em cada um de nós por meio de quatro vias: a cabeça, o coração, as mãos e os pés. Ou seja, a formação humana e intelectual, a oração, ou o trabalho com as mãos para ajudar os outros. De acordo com os tipos, uma ou outra coisa funcionam como via preferencial.
E os pés, o que têm a ver?
Os pés são usados pelos escoteiros, para fazer quilômetros nas suas caminhadas.
Porém, em um outro recente livro seu, é abordada a objeção de um menino que diz: "Não sei o que fazer com a fé. Não tenho nada contra, mas o que a Igreja deveria me dar? [...] Estou bem, do que mais eu preciso?".
Muitos jovens têm o inferno no coração, não devemos negar isso. Porém, vejo que justamente para os jovens que não sabem nada da Igreja, muitas vezes é mais fácil começar pelas mãos. Jogam-se em obras de caridade quando veem outros que fazem as coisas com a paz e a serenidade no coração.
Mas esse sentimento de indiferença, tão diverso das contestações e das críticas das gerações anteriores, pode verdadeiramente ser vencido ao se propor a via de uma vida comprometida, exigente, difícil?
Não se pode exigir nenhum sacrifício de ninguém se antes não saboreou como o ponto de chegada é fascinante. Mas o que pode impressionar os outros é a caridade em ação. E nela o Espírito é a primeira realidade. São Tomás diz que a lei do Novo Testamento é o Espírito Santo, as outras leis são secundárias. São Paulo destaca que a própria observância ética não é plenamente realizável como fruto do homem e do seu cansaço. Muitas vezes nos esquecemos disso, também na Igreja, e então tentamos dar mostras de força e de rigor a nós mesmos. Mas a caridade principalmente só é possível se o Espírito Santo está presente. É a graça do Espírito que torna fácil o que para os homens parece difícil ou até prodigioso.
Diz-se que a Igreja está sob ataque. Muitos falam de cristianofobia. Também entre nós há quem fale de Itália anticristã. De onde surge tudo isso? Da hostilidade do mundo descristianizado?
A hostilidade, de certo modo, pode ser útil. Faz com que se ressalte o desarmamento da Igreja, o seu ser sempre confiada ao Senhor. Mas a Igreja desfruta também a estima e a cordialidade de muitos, que pedem só que a Igreja seja Evangelho, isto é, que seja ela mesma.
O Evangelho basta? Justamente o senhor é muitas vezes citado como o defensor de uma Igreja sem dogmas e estruturas. Uma Igreja totalmente humilde e misericordiosa, sem preceitos.
Se pensarmos nas tantas propostas religiosas que existem no mundo, o que nos diferencia dos outros é Jesus e o seu caminho, e não o pertencimento a uma organização com regras e preceitos. Mas na fé em Jesus não tem sentido contrapor Evangelho e dogmas, misericórdia e mandamentos: isso também vale para isso que eu já disse sobre a prioridade do Espírito Santo. Tudo se compagina em unidade, na realidade da Igreja, que tem um aspecto interior e também um aspecto exterior e, portanto, compreende também estruturas, regras, instrumentos de organização. O importante é que essas realidades também existam por causa daquilo que sejam possíveis expressões de vida interior. E depois também é preciso distinguir as coisas importantes e as que não o são. Acredito que a Igreja já fez uma obra de purificação de muitas coisas exteriores que não serviam. E, no entanto, quando ainda leio nos jornais que eu seria o "chefe dos progressistas", quase rio disso tudo.
Para alguns, a resposta adequada a essa situação de hostilidade é aumentar o protagonismo público da Igreja.
A Igreja não pode ter medo de aparecer com cordialidade com relação aos outros na vida pública. Mas é fato que o seu verdadeiro tesouro é o Evangelho lido em nós pelo Espírito Santo. Um tesouro de oração e de humildade. E, de fato, o Evangelho é testemunhado no mundo como Jesus indicou no sermão da montanha, que eu já citei. Não se tratam de propostas "confessionais". Têm também uma conotação laica. Falam a todo homem. Porque fazem entrever um modo desejável de ser homens, que todos deveriam ter presente.
Estas são semanas de tempestade por causa do escândalo da pedofilia. Como o senhor avalia essa situação? Qual exigência surge para a Igreja nestas circunstâncias?
Tudo isso certamente pode ajudar a humildade em todos. Mas valem também as palavras de Jesus: houve ações graves, e em quem escandalizou os pequenos seria melhor que fosse colocada uma pedra de moinho no pescoço e fosse jogado no mar. Isso não exclui que seja registrada também uma grande hipocrisia. Há uma total liberdade sexual, a publicidade utiliza motivos sexuais também para as crianças.
Como defender o Papa das tentativas de chamá-lo em causa nesses episódios?
O Papa não tem necessidade de ser defendido, porque está clara a todos a sua irrepreensibilidade, o seu senso de dever e a sua vontade de fazer o bem. As acusações feitas contra ele nestes dias são ignóbeis e falsas. Será bonito constatar a solidariedade de todos os homens de boa vontade ao estar com ele e ao defendê-lo na sua difícil tarefa.
Na carta aos católicos irlandeses, Bento XVI pediu de todos o jejum, a oração, a leitura da Sagrada Escritura e o sacramento da confissão "para obter a graça da cura e da renovação para a Igreja na Irlanda".
Essas coisas valem para as comunidades em que ocorreram esses casos, assim como valem para toda a Igreja. Mas para os protagonistas desses casos, em que há uma perversão e uma compulsão interna, é preciso também a intervenção dos psicoterapeutas. Trata-se de entender o porquê dessas compulsões e como é possível dominá-las, e os outros meios não entram nesse aspecto específico.
Muitas vezes, fazem com que o senhor se pareça a um crítico feroz das insuficiências e dos limites da Igreja. O senhor se vê nesse tipo de descrições?
A Igreja, considerada na sua globalidade, está cheia de santidade e de força interior. A imprensa persegue os episódios particulares, mas em todo o mundo existe muitas pessoas leais, boas, devotas, que agem sem barulho. E eu sou muito grato a Deus, justamente por também poder viver este tempo. Nunca desejaria viver em momentos como o da Reforma Protestante, ou do Cisma do Oriente, ou no tempo do Cisma do Ocidente, quando haviam dois papas, um em Roma e outro em Avignon. Agora, a Igreja dá uma bela mostra de si. Há limites e falhas inevitáveis, e elas também fazem parte do projeto misterioso da vontade de Deus.
Então, não é verdade que o seu sentimento dominante é uma espécie de amargura, centrada na denúncia de fraquezas e de carreirismos.
Eu sempre agradeço a Deus pela forma como acompanhou a minha vida, por tantas pessoas que colocou ao meu lado ao longo do caminho. Sempre digo que Ele também me viciou. Toda a vida me mostrou que Deus é bom e prepara o caminho a cada um de nós. Tive muitíssimo, também dei aquilo que pude. E estou verdadeiramente contente, diante dEle. Tweet
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