Foto: Sarah Elisabeth Blais
Nunca tinha me ocorrido que deveria ficar orgulhosa de ser heterossexual. Seria motivo de orgulho se fizesse algo que exigisse empenho, superação, conquista, ou mesmo por ser ou fazer algo que enfrentasse forte desvalorização, a modo de confronto. Sem dúvida os gays têm do que se orgulhar, porque a saída do armário pressupõe uma coragem de soldado espartano. Experimente dar a cara para bater cotidianamente, suportar os maus tratos e a maledicência, quando não a condescendência! Sem dúvida é uma valentia que pareceria desnecessária aos heterossexuais.
Quando se é adolescente, apesar do corpo estar em seu momento mais viçoso, quase todos se sentem estranhos, fora de prumo, deformados, indesejáveis. Imagine, então, quando nesse momento de descobrir a própria sexualidade você deseja algo considerado “errado”. Sem uma imensa força de vontade não se inicia essa caminhada de encontro aos amores que fazem devanear, que dão tontura e arrepios, os quais, querendo ou não, para muitos envolvem pessoas do mesmo sexo.
Por isso, é extraordinário que gays existam e tenham encontrado o empenho necessário para amar-se e legitimar isso socialmente. Sua aceitação é fruto de militância, proselitismo e ousadia. Declarar o orgulho de algo tão condenado é a afirmação necessária para enfrentar o efeito negativo da condenação. Mas tanta hostilidade seria incompreensível se não percebêssemos que tornar-se heterossexual é uma condição tão frágil. Cada dia mais, visto que as identidades sexuais se viram esvaziadas de seus clichês, o homem poderoso e sua mulher submissa.
O projeto do parlamentar evangélico Carlos Apolinário (DEM), propondo o “dia do orgulho heterossexual” para as vésperas do Natal é prova da incerteza de que esse desejo seja um caminho direto e natural. Admitir que é preciso orgulhar-se disso, parte do pressuposto de que para amar alguém de outro sexo também é preciso vencer muitas barreiras. Para chegar a ser heterossexual será necessário manter no armário o caráter erótico de vários vínculos com pessoas do mesmo sexo: as amizades, que são amores que não vão para a cama, os desejos inadmissíveis entre a menina e sua mãe e menino e seu pai. Há muito mais confusão e incerteza no caminho que levará alguém a ser hétero do que a bancada evangélica poderia jamais admitir. Quem sabe, de forma inconsciente, eles estejam pressupondo que em termos de amor e sexo não há caminho natural? Sofre-se para chegar a qualquer definição, por isso seria preciso orgulhar-se de todos os resultados. Desconfio, porém, que não seja bem isso que o Sr. Apolinário tinha em mente.
- Diana Corso, psicanalista
Publicado originalmente no Jornal Zero Hora e reproduzido via blog da autora
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Atualização em 03/08/11:
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