quinta-feira, 16 de junho de 2011

Frei Clemente e o mistério da alegria

Ilustração: Christopher Boffoli

Frei Clemente Kesselmeier foi embora, aos 76 anos [em 06-06-11]. Mas nos deixou o dom da alegria. Isso é uma coisa misteriosa, e ao mesmo tempo maravilhosa. As grandes ordens, na Igreja, têm cada uma o seu perfil, sua maneira de ser. Os dominicanos sempre foram grandes estudiosos (são Tomás de Aquino era dominicano). Os jesuítas se destacaram como organizadores, grandes educadores, homens de ação. Os beneditinos puxaram para o lado da contemplação. E os franciscanos — a que pertenciam santo Antonio e o nosso frei Clemente — receberam de são Francisco dois grandes dons: o dom da pobreza e o dom da alegria.

Parece engraçado falar assim; mas esses dons se comunicam. Isso eu senti quando fui a Assis pela primeira vez, e vi a igrejinha da Porciúncula, minúscula, que foi a primeira igreja franciscana. Eu tive a sensação de que do despojamento — isto é, da pobreza — é que vinha a alegria. E é o que a gente vê na vida de são Francisco e dos seus primeiros irmãos — fratres, daí frades. Eles não tinham nada; e então tudo, absolutamente tudo, aparecia como um dom. Por exemplo, a beleza do mundo, o fascínio do mundo visível, das flores, dos pássaros.

São Francisco era poeta — como o frei Clemente era poeta. E aí entra um outro paradoxo. Como nós somos cristãos, nosso ideal de vida é a vida do Cristo, e a vida do Cristo passa pela cruz. Quando os primeiros discípulos entenderam isso, ficaram assustados, preocupados. São Pedro tenta dissuadir o Cristo de falar essas coisas; e recebe uma resposta brutal: "afasta-te de mim, Satanás!" E o Cristo disse: "quem quiser seguir os meus passos, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga".

Coisas muito difíceis, que fazem parte da vida cristã. Então, como é que se pode falar de alegria? No frei Clemente, era uma coisa quase natural. Ele tinha aquela vibração, aquele entusiasmo, que tocava as pessoas. A etimologia de entusiasmo diz: cheio de Deus. E se você tem essa presença de Deus, está em contato com a fonte da alegria. São Paulo fala, nesse sentido, da “paz que ultrapassa todo entendimento”.

Os santos também sofreram, São Francisco sofreu, até fisicamente (ele tinha os estigmas da Paixão). Como sofreu o padre Pio, outro estigmatizado. Mas através [para além] do sofrimento, que é um mistério, através [para além] da cruz, o cristão enxerga a vida verdadeira, que traz felicidade — a felicidade que o mundo não pode dar.

Frei Clemente sofreu no fim da vida. Teve sua casa assaltada, foi torturado pelos ladrões. Num certo momento, ele parecia muito abatido. Depois, foi voltando ao que era.

Alguns de nós (ou muitos) tiveram esse privilégio: de acompanhar a evolução do frei Clemente. Quando ele era jovem, apareceu com o seu irmão gêmeo — padre Henrique — na redação do Jornal do Brasil. Eles sempre foram grandes comunicadores, acreditavam na importância da comunicação. Mas eram tão alegres, tão exuberantes, que às vezes pareciam meio maluquinhos. Eu cheguei a ficar desconfiado. Depois, fui entendendo o que estava por trás daquela vivacidade, daquela energia. Eles acreditavam no que estavam fazendo; não por acaso tinham trocado a Alemanha pelo Brasil.

E o frei Clemente, na sua vida sacerdotal, foi evoluindo sempre. Em fevereiro, ele rezou a missa de aniversário de meus pais — que faziam, no mesmo dia, 50 anos de morte e dez anos de morte. Foi a missa mais bonita que eu já vi. Ele já estava modificado pela doença, passava às vezes uma impressão de quem está debilitado. Mas ele nunca falou tão bem, com tanta inspiração; e o que passava daquilo tudo era uma enorme alegria, uma aleria que vem da contemplação do milagre que é este mundo, com todas as suas falhas, com todos os seus sofrimentos; e da percepção de que nós somos filhos de Deus, amados por Deus. Ele tinha uma frase linda: a qualidade da sua vida depende da qualidade do seu olhar. A gente muitas vezes olha para o mundo com um olhar de desejo. Nós queremos ter coisas, ter muitos prazeres, ter tudo o que é bom. O mundo tem muitas coisas boas, eu diria até incrivelmente boas; e a gente pode desfrutar delas. Mas sem perder de vista que não nascemos só para tirar prazer das coisas; que a vida tem outras dimensões, outras profundidades. É para essas dimensões que o frei Clemente — como todo bom padre — chamava a nossa atenção. Mas isso vinha envolvido naquela maneira de ser que era entusiasmo, alegria, doação aos outros, senso poético.

Eu diria que, nos seus 76 anos de vida, ele viveu uma aventura maravilhosa, na terra que escolheu como seu destino. Numa época onde há muito egoísmo, ele chamava as pessoas para fora dos seus mundinhos fechados; ele era um antídoto contra a depressão. E conseguia isso não por meios artificiais, por remédios, mas apontando a coisa extraordinária que é a experiência cristã, quando ela é vivida na sua verdadeira dimensão. Uma experiência de vida, e não de morte. De alegria, e não de tristeza.

- Luiz Paulo Horta
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.

4 comentários:

Anônimo disse...

Não tem uma fotinho do Frei Clemente?

Equipe Diversidade Católica disse...

Amigo, vc encontra uma foto razoavel no site do próprio frei: http://www.freiclemente.com.br/

Abs, volte sempre! :-)

Anônimo disse...

O Anônimo perguntador agradece.
Bjs.
rs

Equipe Diversidade Católica disse...

Hm... Estou achando que vc é um anônimo conhecido... "Perguntador"...? hmmm... :-)))))

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