Foto: Pauly_G
Perceber que realmente perdemos algo causa um choque por todo o sistema, uma pontada de tristeza misturada com raiva e confusão. Podem ser as chaves do carro ou alguém que amamos; a intensidade e a duração do choque será diferente, mas a resistência imediata face a perder o que (pensamos) possuir é intrínseca ao nosso psiquismo. Por outro lado, encontrar o que foi perdido nos enche de uma alegria e gratidão ainda maiores. A posse que pensávamos ter perdido é revivida como um dom, e sempre que experimentamos a doação (de ou para nós mesmos) nos tornamos mais vivos, mais generosos e mais próximos do nosso verdadeiro eu.
Seja como for, a vida encontra meios de nos ensinar essa verdade sobre ganhos e perdas. Mas também podemos aplicar a verdade e, em certa medida, prevenir a dor e o choque da perda, por meio do desapego. Quanto mais apegados e possessivos formos, pior será a dor da perda. O soltar, o desapegar-se é uma espécie de perda voluntária - e é o paradoxo que transforma a perda em ganho, em encontro.
A quaresma - e qualquer disciplina simples de auto-controle que viermos a adotar nestes 40 dias - pode nos ensinar o desapego a cada momento, a cada respiração, em cada encontro, em cada relação. Por isso São Bento diz que a vida deve ser uma Quaresma constante. A Quaresma nos capacita a viver com uma liberdade e uma espontaneidade - e, em última instância, um destemor - que permitem à nossa humanidade desabrochar em toda a sua plenitude. Tudo o que temos de fazer é confiar - e soltar. "Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la." Isso se dá, na vida de cada um, passo a passo - numa suave mudança de direção que a meditação diária vai provocando definitivamente.
- Laurence Freeman, OSB
Autor do livro "Perder para encontrar - a experiência transformadora da meditação"
Publicado originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil Tweet
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