segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sobre a chuva, o choro e um lugar chamado Pinheirinho

Foto: G1

Do excelente blog do Fabrício Cunha, nos chega este pungente testemunho. Que a indignação perante a injustiça nos motive a prosseguir, como diz o autor, "lutando pelo que vale a pena". Para que episódios como esse não aconteçam mais.

As crianças sabem muito da vida. Tenho três aqui em casa.

Quando chove muito, costumam dizer que Deus está triste e chora suas lágrimas sobre a terra.

Têm razão.

Foi assim hoje.

Deus olhou aqui para São José dos Campos, onde moro, e viu aquela gente simples, pequena, pobre, sem voz, ser escorraçada do Pinheirinho, uma ocupação que abriga aproximadamente 8 mil pessoas desde 2004. (Clique aqui para saber mais).

Já fui lá muitas vezes. Hoje, pela última.

Andei, conversei, levei água e abraços pra alguns conhecidos e muitos desconhecidos. Senti-me completamente impotente diante da desgraça humana.

Minha amiga Loide, foi lá mais cedo. Viu uma senhora saindo da ocupação ainda muito desnorteada. Loide foi em sua direção e a abraçou em silêncio. A senhora dizia e repetia: “é a vida, minha filha, é a vida”. Não, minha senhora, não era pra ser assim. Seu pedacinho de terra deveria ser garantido pelo Estado, que deveria protegê-la, mas não. Junto dela, um sem número de gente levando o pouco que lhe restou em sacos de supermercado, mochilas velhas, malas esgarçadas, expressão de sua vida.

Ninguém me contou. Eu vi!

Quando esse tipo de interpretação do conceito de propriedade privada sobrepõe a dignidade humana, há algo de muito errado em nossa sociedade.

Quando uma prefeitura finge que não vê um número tão grande de pessoas e não as considera em sua gestão, há algo de muito errado com a política.

Quando um prefeito lava as mãos em silêncio diante de um fato que acontece debaixo de seus olhos, há algo de muito errado com um líder.

E quem sofre mais uma vez? O pobre, a viúva, o estrangeiro, as crianças, como bem nos disseram os profetas e o Messias.

Já vi muita coisa linda na vida, mas são as feias que não saem de minha cabeça, que insistem em gritar dentro de mim que algo vai mal, que algo está errado e que não posso dormir tranquilo.

Chore sim, Senhor. Chore muito. O choro de um pai que vê seus filhos sendo despachados novamente ao exílio, ao exílio da dignidade, da inclusão, da humanidade, de seu chão.

Chore sim, Senhor e que seu choro esconda o nosso, nos alivie a dor e nos motive a continuar lutando pelo que vale a pena.

Que seu choro amoleça a terra do Pinheirinho, tanto tempo infrutífera, e que do juntar do sangue e do suor ali derramados com as suas lágrimas de dor, a esperança nasça e renasça apontando a vida.

Mas hoje é dia de lamentar a morte.

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