Foto: Ines Perkovic
O que caracteriza os tempos pós-modernos em que vivemos, segundo Lyotard, é a falta de resposta para a questão do sentido da existência. Por enquanto, estamos na zona nebulosa da terceira margem do rio.
A modernidade agoniza, solapada por esse buraco aberto no centro do coração pela cultura da abundância. Nunca a felicidade foi tão insistentemente ofertada. Está ao alcance da mão, ali na prateleira, na loja da esquina, publicitada em todo tipo de mercadoria.
No entanto, a alma se dilacera, seja pela frustração de não dispor de meios para alcançá-la; seja por angariar os produtos do fascinante mundo do consumismo e descobrir que, ainda assim, o espírito não se sacia...
A publicidade repete incessantemente que todos temos a obrigação de ser feliz, de vencer, de nos destacarmos do comum dos mortais. Sobre esses recai o sentimento de culpa por seu fracasso. Resta-lhes, porém, uma esperança, apregoam os que deslocam a mensagem evangélica da Terra para o Céu: o caráter miraculoso da fé. Jesus é a solução de todos os problemas. Inútil procurá-la nos sindicatos, nos partidos, na mobilização da sociedade.
Vivemos num universo fragmentado por múltiplas vozes, frente a um horizonte desprovido de absolutos, com a nossa própria imagem mil vezes distorcida no jogo de espelhos. Engolida pelo vácuo pós-moderno, a religião tende a reduzir-se à esfera do privado; olvida sua função social; ampara-se no mágico; desencanta-se na autoajuda imediata.
Nesse mundo secularizado, a religião perde espaço público, devido à racionalidade tecnocientífica, ao pluralismo de cosmovisões, à racionalidade econômica. Sobretudo, deixa de ser a única provedora de sentido. Seu lugar é ocupado pelo oráculo poderoso da mídia; os dogmas inquestionáveis do mercado; o amplo leque de propostas esotéricas.
A crise da modernidade favorece uma espiritualidade adaptada às necessidades psicossociais de evasão, da falta de sentido, de fuga da realidade conflitiva. Espiritualidade impregnada de orientalismo, de tradições religiosas egocêntricas, ou seja, centradas no eu, e não no outro, capazes de livrar o indivíduo da conflitividade e da responsabilidade sociais.
Agora, manipula-se o sagrado, submetendo-o aos caprichos humanos. O sobrenatural se curva às necessidades naturais. A solução dos problemas da Terra reside no Céu. De lá derivam a prosperidade, a cura, o alívio. As dificuldades pessoais e sociais devem ser enfrentadas, não pela política, mas pela autoajuda, a meditação, a prática de ritos, as técnicas psicoespirituais.
Reduzem-se, assim, a dimensão social do Evangelho e a opção pelos pobres. O sagrado passa ser ferramenta de poder, para controle de corações e mentes, e também do espaço político. O Bem identifica-se com a minha crença religiosa. Bin Laden exige que o Ocidente se converta à sua fé, não ao bem, à justiça, ao amor.
Essa religião, mais voltada à sua dilatação patrimonial que ao aprimoramento do processo civilizatório, evita criticar o poder político para, assim, obter dele benefícios: concessão de rádio e TV etc. Ajusta a sua mensagem a cada grupos social que se pretende alcançar.
Sua ideologia consiste em negar toda ideologia. Assim, ela sacraliza e fortalece o sistema cujo valor supremo, o capital, se sobrepõe aos direitos humanos. Como observava Comblin, as forças que hoje dominam são infinitamente superiores às das ditaduras militares.
Aos pobres, excluídos deste mundo, resta se entregarem às promessas de que serão incluídos, cobertos de bênçãos, no outro mundo que se descortina com a morte. Frente a essa “teologia” fica a impressão de que a encarnação de Deus em Jesus foi um equívoco. E que o próprio Deus mostra-se incapaz de evitar que sua Criação seja dominada pelas forças do mal.
Felizmente, nas Comunidades Eclesiais de Base, nas pastorais sociais, nos grupos de leitura popular da Bíblia, fortalece-se a espiritualidade de inserção evangélica. A que nos induz a ser fermento na massa e crê na palavra de Jesus, de que ele veio “para que todos tenham vida e vida em abundância” (João 10, 10).
Fomos criados para ser felizes neste mundo. Se há dor e injustiça, não são castigos divinos, resultam de obra do ser humano e por ele devem ser erradicadas. Como diz Guimarães Rosa, “o que Deus quer ver é a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar, no meio da tristeza. Todo caminho da gente é resvaloso. Mas cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sobe, a gente volta.”
- Frei Betto
Reproduzido via Amai-vos. Grifos nossos. Tweet
Um comentário:
Prezado Arnaldo,
Antes de mais nada, gostaríamos de agradecer o seu contato, pois temos a consciência de que esse diálogo é importante para melhor compreensão de nossa proposta.
O Diversidade Católica se posiciona absolutamente a favor da mensagem de Cristo, sem admitir qualquer espécie de concepção pervertida ou luxuriosa. O grupo surgiu da reunião de algumas pessoas, tanto homo quanto heterossexuais, que vivenciaram, através de amigos e familiares, a dor profunda do preconceito, da falta de caridade e da falta de informação.
De fato, acreditamos que a mensagem da palavra de Cristo é a mesma para todos os filhos de Deus, que a devem seguir com fé e humildade. Por isso, o que nos move é a compaixão por aqueles que se sentem perdidos diante de uma identidade sexual que jamais escolheram enquanto são rejeitados pela mesma comunidade católica que abraçaram por uma opção de fé e necessidade da alma.
Sabemos que a Bíblia possui alguns versículos que, em uma leitura fundamentalista e descontextualizada, poderiam servir de munição em favor do preconceito e da discriminação. Para melhor abordagem desta temática, sugerimos a leitura atenta dos diversos textos disponibilizados em nosso portal. Para isso, sugerimos que se mantenha o coração aberto a novas idéias e perspectivas, pois do contrário esse diálogo torna-se absolutamente vazio, restando apenas ofensas e ataques que não nos levam a lugar nenhum.
Temos uma sugestão de leitura sobre o tema:
http://diversidadecatolica.blogspot.com/2011/04/porque-nada-justifica-homofobia-nem.html
Confiamos que, se você chegou até aqui e teve o desejo de se comunicar, com certeza é porque está disposto a ouvir as razões que nos movem. Qualquer atitude diferente dessa seria, no mínimo, anti-cristã.
O que o Diversidade Católica busca é mostrar que verdadeiros seguidores de Cristo vivem exclusivamente pelo Amor ao Próximo, pois compreendem em profundidade que “quem ama seu irmão permanece na luz e não se expõe a tropeçar” (1Jo 2, 10).
Não queremos convencer ninguém de nada. Não queremos induzir ninguém a mudar seu estilo de vida. Queremos apenas, e tão somente apenas, oferecer a nossos irmãos o mesmo carinho, afeto e compreensão que recebemos, por graça, diretamente do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria.
Se nos consideramos Povo de Deus, devemos agir como nos foi ordenado, nada mais do que isso.
Fique sempre com Deus e com o Amor de Maria.
Equipe Diversidade Católica.
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