Foto: Norbideiri Edding
O episódio conhecido como "a transfiguração de Jesus" conclui-se de uma forma inesperada. Uma voz vinda do alto surpreende os discípulos: "Este é o Meu Filho amado": o que tem o rosto transfigurado. "Escutai-O". Não a Moisés, o legislador. Não a Elias, o profeta. Escutai a Jesus. Só a Ele.
"Ao ouvir isto, os discípulos caem de bruços, cheios de espanto". Aterrorizam-se perante a presença próxima do mistério de Deus, mas também o medo de viver daí em diante escutando apenas a Jesus. O episódio é insólito: os discípulos preferidos de Jesus caídos por terra, cheios de medo, sem atrever-se a reagirem ante a voz de Deus.
A atitude de Jesus é comovente: "aproxima-se", para que sintam a Sua presença amistosa. "Toca-os", para infundir-lhes força e confiança. E diz-lhes palavras inesquecíveis: "Levantai-vos. Não tenhais medo". Ponham-se de pé e sigam-me. Não tenhais medo de viver escutando-Me.
É difícil esconder: na Igreja, temos medo de escutar Jesus. Um medo soterrado que nos paralisa ao ponto de nos impedir de viver hoje com paz, confiança e audácia atrás dos passos de Jesus, Nosso único Senhor.
Tememos a inovação, mas não o imobilismo que nos afasta cada vez mais dos homens e mulheres de hoje. Poderíamos dizer que tudo o que temos de fazer nestes tempos de profundas mudanças é conservar e repetir o passado. O que há por trás desse medo? Fidelidade a Jesus, ou medo de pôr em "odres novos" o "vinho novo" do Evangelho?
Temos medo de celebrações mais vivas, criativas e expressivas da fé dos crentes de hoje, mas não nos preocupamos tanto com o tédio generalizado de tantos bons cristãos que não conseguem entrar em sintonia nem vibrar com o que se celebra ali. Somos mais fiéis a Jesus urgindo minuciosamente as normas litúrgicas, ou nos dá medo "fazer memória" d'Ele celebrando a nossa fé com mais verdade e criatividade?
Temos medo da liberdade dos crentes. Inquieta-nos que o povo de Deus recupere a palavra e diga em voz alta as suas aspirações, ou que os leigos assumam a sua responsabilidade escutando a voz da sua consciência. Em alguns cresce o receio ante religiosos e religiosas que procuram ser fiéis ao carisma profético que receberam de Deus. Temos medo de escutar o que o Espírito pode estar dizendo às nossas igrejas? Não tememos apagar o Espírito no povo de Deus?
No meio da sua Igreja, Jesus continua vivo, mas necessitamos sentir com mais fé a sua presença e escutar com menos medo as suas palavras: "Levantai-vos. Não tenhais medo".
- José Antonio Pagola
Fonte: Eclesalia; reproduzido via Amai-vos. Grifos nossos. Tweet
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