segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Imagem de Deus e Diversidade (6): unicidade, dinamismo e caráter trinitário de Deus


Reproduzo abaixo a sexta parte do artigo Imagem de Deus e Diversidade, publicado originalmente no nosso site. Após abordar o papel da Igreja, da Teologia e da Revelação e a impossibilidade de essas instâncias virem a esgotar Deus (na primeira parte); a mediação humana e o caráter histórico da Revelação, na segunda; a relação entre os fatos e questões contemporâneos e o entendimento humano da Revelação, na terceira; a atual relação da sociedade e da Igreja com os temas da sexualidade e da homoafetividade, na quarta; e, na quinta, a pluralidade de visões no seio da Igreja católica e o próprio significado de “ser católico”, reflito neste trecho sobre a unicidade e o dinamismo de Deus, em seu caráter trinitário.

O problema é que, com o passar do tempo, em muitos aspectos foi se esmaecendo a riqueza e especificidade da Revelação sobre Deus de diversas formas. É justamente por causa disso que o Concílio Vaticano II bradou um “retorno às fontes” para auferir da sagrada Escritura e da Tradição o mais próprio da fé cristã.

Se o encontro do Deus bíblico com as categorias do pensamento grego foi importante para a evangelização do mundo – já que ofereceu categorias racionais para se estudar e divulgar a Revelação –, também fez com que, progressivamente, Deus fosse identificado com um ser eterno, onisciente, imutável, que, “lá de cima”, coordena todas as coisas com sua vontade onipotente. Um só Deus que reina sobre todas as coisas, assim como uma só e suprema ideia era a mais importante no pensamento platônico (A Ideia do Bem) e no esquema aristotélico no qual todas as coisas que se moviam, as do mundo, o faziam em direção a uma única e imóvel: “o motor imóvel”.

É bem verdade que podemos admirar com espanto como a ideia da unidade de Deus esteve presente em alguns sistemas filosóficos, tendo sido também um dado específico da Revelação Judaico-cristã. No entanto, se não estivermos atentos às nuances de cada maneira de compreender a este ser supremo, poderemos deixar passar as grandes diferenças existentes nesses sistemas de pensamento, mesmo em relação a este atributo, a unidade.

Se o mundo em que vivemos é tão cheio de movimento e transformações, o ser humano sempre entendeu, quer na religião, quer na Filosofia, que a causa responsável pelo dinamismo da vida, pelas transformações todas e de qualquer espécie que vemos, essa não poderia ela mesma se mover, mudar. Há um eixo central para o mundo, um imóvel que assegure o movimento , enfim algo seguro e estável em uma existência que está constantemente ameaçada por tantas mudanças. Não é muitas vezes sentindo tais transformações que parecem tão ameaçadoras que redescobrimos a Deus como porto seguro, refúgio e sustentáculo? Não é quando as ondas agitam a nossa vida, frágil embarcação, que recorremos àquele que pode, com uma ordem, fazer tudo voltar à calmaria, cessando o movimento ?

Esse princípio seguro, único e sustentador do universo, aquele que se encontra “por trás” do movimento, foi chamado de “Ser”, do “Uno”, entre tantos outros nomes dados a ele na Filosofia e pela religião denominado “Deus”.

Precisamos que ele assim seja. Que fique eternamente parado, estável, imutável, a fim de que nos segure nas mudanças da vida. A religião – que, como diz a própria etimologia da palavra, nos “religa” a esse fundamento – por conseguinte também deve ser desta mesma forma. Tudo pode mudar, menos ela, porque é na fé que nos agarramos quando as outras coisas se transformam.

E de fato, Deus não muda, é eternamente o mesmo, e no entanto, de uma mesmice muito diferente do tédio e da falta de movimento. A eternidade dinâmica de Deus chama-se Trindade.

O Ocidente, o pensamento, a religião têm se esquecido desse caráter trinitário. Não teoricamente, pois seria uma heresia, mas carrega muitas vezes em sua práxis a concepção de um “Deus-bloco-monolítico”, sempre sentado em seu trono a legislar coisas definitivas para os pobres mortais.

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