quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Imagem de Deus e Diversidade (1): Igreja, Teologia e Revelação


Reproduzo abaixo a primeira parte do artigo Imagem de Deus e Diversidade, publicado originalmente no nosso site e que vou postar em partes no blog ao longo do mês de fevereiro. Começo refletindo sobre o papel da Igreja, da Teologia e da Revelação, e a impossibilidade de essas instâncias virem a esgotar Deus.

A Igreja não se pretende uma realidade absoluta, definitiva em si mesma. Ela não é o Reino de Deus, mas o prepara neste mundo, proclamando a palavra que convida todos a ele e iniciando-o e fazendo-o crescer na vida dos fiéis, pela Graça divina, que nela habita.

A função da Igreja – que inclusive fornece uma das denominações do papa – é ser pontífice, ponte, ligação com o Divino Mistério que se comunica para reunir os homens em comunhão definitiva e plena no amor. A reunião preparatória para esta comunhão total, onde “Deus será tudo em todos” (I Cor 15,28), é a Igreja.

Sendo a Igreja referência para um Outro que não ela mesma, deve discernir, em cada época histórica, como fazer com que a experiência salvífica de Jesus Cristo chegue a todos os seres humanos. Ela não anuncia a si mesma, mas a Cristo; não é juíza dos homens e da História, mas procura discernir os espíritos de cada tempo e escutar em cada época a vontade de Deus que, se está presente de forma definitiva na Revelação da qual ela é portadora, não deixa de ser compreendida sempre de maneira nova e mesmo de crescer, graças à constante inspiração do Espírito, na medida em que outras questões surgem na sociedade humana.

Se é a Deus que a Igreja procura estar sempre cada vez mais unida para discernir os tempos, se ela existe na função de congregar os seres humanos na comunhão divina que um dia se dará de forma plena, é de capital importância a compreensão que a Igreja tem a respeito de Deus.

A princípio, esta afirmação pode parecer a mais óbvia e a que suscita menos problemas de qualquer espécie. Se a Igreja é portadora da Revelação, e nela é Deus quem se dá a conhecer, se o Magistério tem em sua formação anos de Teologia e uma série infindável de cursos e retiros, parece certo que aquilo que a Igreja sabe sobre Deus e proclama é o absolutamente certo.

E o é, desde que estejamos atentos às nuances desta afirmação. Em primeiro lugar, a Revelação não significa um esgotamento do mistério divino, que, então, seria totalmente compreensível ao ser humano. Deus revelou aquilo e tudo aquilo que quis, o necessário para a realização de seu plano de salvação, mas jamais é, e nem será, um objeto do nosso conhecimento como outro qualquer.

Esse caráter dialético de Revelação-Mistério, apesar de se aplicar de maneira plena ao ser divino, pode ser observado também em outras realidades, que talvez nos ajudem a entendê-lo melhor. Pensemos sobre a vida, por exemplo. Nós somos seres viventes, refletimos sobre a vida, podemos fazer afirmações muito acertadas sobre ela. Mas jamais a vida pode ser totalmente definida num conceito. Ela não cabe numa única ideia ou mesmo num conjunto imenso delas. Sempre algo fica de fora, não porque foi esquecido, mas por que não há como dizê-la totalmente. É algo sempre aquém das nossas capacidades. O mesmo pode se dizer sobre tantas outras realidades. Este caráter de mistério presente em todas elas aponta, participa do Mistério último de tudo que chamamos simplesmente de “Deus”.

Portanto, nem a Revelação, nem a Teologia podem esgotar Deus. Já os antigos diziam que os estudos teológicos deveriam ser feitos “de joelho”, ou seja, com a consciência de estarmos diante do insondável mistério divino.



Continua na sexta-feira, ao meio-dia. :-)

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