quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Homofobia e paz


O Ministério da Educação anuncia a preparação de uma cartilha sobre homofobia, "diante da constatação de que o assunto incita ódio, a violência e a exclusão, e pode até estimular a evasão escolar". Na mesma semana, a tragédia das chuvas na Região Serrana do Rio acaba trazendo inadvertidamente à tona uma questão controversa: a resolução RDC nº 153 da Anvisa, que regulamenta os procedimentos de hemoterapia no país, estipula que "homens que fizeram sexo com outros homens nos 12 meses que antecedem a triagem clínica devem ser considerados inaptos temporariamente para a doação de sangue".

Coincidentemente, a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, responsável também por assuntos como a homofobia, data do mesmo ano, 2004, que a resolução da Anvisa. Dois anos depois, em 31 de julho de 2006, a Anvisa emitiu uma nota de esclarecimento do veto à doação de sangue por gays de vida sexual ativa, acompanhada de uma nota técnica que procura justificar a proibição apelando para as "evidências científicas" que fundamentam a medida.

(Entre parênteses: um comentário sobre a nota da Anvisa.)

O Jornal do Brasil publicou, no apagar das luzes de 2010, uma matéria contrapondo os avanços no campo dos direitos civis de gays aos números da violência causada por homofobia no Brasil durante a era Lula, segundo dados do Grupo Gay da Bahia. O antropólogo Luiz Mott, fundador do GGB, salienta o paradoxo vigente na sociedade brasileira contemporânea entre “o lado vermelho-sangue representado pelos assassinatos de homossexuais” e “o lado cor de rosa favorável aos gays”.

Também citado na matéria do JB, Toni Reis, presidente da ABGLT, entende que as contradições da sociedade refletem-se nas diferenças entre os Três Poderes: enquanto Executivo e Judiciário vêm se mobilizando para garantir os direitos dos cidadãos gays, o Legislativo "ainda não aprovou o projeto de lei, em tramitação desde 2001, que define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero". E acrescenta: “o problema no Legislativo é uma questão de fundamentalismo religioso”.

Em meio ao paradoxo, entre os números da violência explícita e o sentimento da discriminação velada, na contradição entre a crueza da homofobia real e a percepção da transformação, seja ela subliminar ou não, e, sobretudo, no fogo cruzado entre fundamentalistas cristãos e anticristãos em geral - o coração humano acalenta um profundo anseio de paz. Ainda que o conflito, o caos, o tumulto teimem em fazer barulho e ocupar espaço, não é a paz que desejamos para nós e nossas relações?

"Sim", sussurra o coração do Homem, "a paz é possível". É possível porque houve Alguém que prometeu: "Felizes os que constroem a paz, porque serão chamados filhos de Deus" (Mt 5, 9). Assim como Sua mansidão não pode ser confundida com passividade, Sua paz consiste "não em ausência de conflitos, em falsa tranquilidade de consciência, em alienação. Mas em dinamicidade que luta e tudo faz para que a justiça aconteça, dando seu fruto maior, que é a verdadeira paz".*

Se a paz verdadeira só nos pode ser dada por Aquele que é o Príncipe da Paz, "ao mesmo tempo, responsabilizemo-nos com Ele a construir essa paz tão desejada por nós e por todos que vêm a este mundo. Ofereçamo-la, sobretudo ao que está próximo a nós. Seremos felizes, bem-aventurados. E chamados filhos de Deus!"*

Que a Paz do Senhor esteja conosco... E que cada um de nós possa ajudar a construí-la, para si mesmo e para o seu próximo. :-)

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*Ref.: Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, em artigo publicado originalmente no site Amai-vos.

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