quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

LGBTs e envelhecimento: planejamento e prevenção x descaso

Foto: Isa Leshko

É notório o nosso traço cultural de não sermos afeitos a postura preventiva; ao planejamento do futuro; à cultura da poupança... Por igual a ausência do hábito de nos envolvermos de forma ativa, pragmática, com as questões coletivas.

Não faz parte de nossa "marca" enquanto povo o hábito de construção e/ou manutenção coletiva de instituições sociais - escolas, creches, abrigos, hospitais, clubes de lazer, fundos de ensino e pesquisa etc.

Estes foram traços que estiveram presentes até aproximadamente os anos 20 do século passado, época em que vigoraram as Sociedades de Socorro Mútuo, as Caixas de Assistência e Pecúlio, as Associações Beneficentes, de Amparo etc., instituídas seja por grupos nacionais (portugueses, italianos, espanhóis); irmandades religiosas e filosóficas (católicas, protestantes, espíritas, maçônicas etc.); ou por corporações de ofícios - legais ou não (Ourives, Prostitutas judias, marítimos, músicos, operários etc.).

Com o advento da previdência estatal e o crescente individualismo, perdeu-se, entre nós, a cultura de construção coletiva de respostas aos desafios sociais, numa perspectiva mutualista. Sobretudo pela dificuldade na permanência de características como cooperação e lealdade enquanto valores a serem cultivados.

Tornados cada vez mais estranhos à essa nova conjuntura, mas também sob a influência da característica jovem de sua população, iniciativas desses tipos de sociedades foram se tornando cada vez mais escassas.

Hoje, com o acelerado envelhecimento da população, observa-se igualmente o envelhecimento do segmento mais atomizado dentre ela: os indivíduos homossexuais, travestis e transexuais, cujos vínculos familiares foram costumeiramente rompidos, por conta do preconceito e estigmatização de que ainda tem sido objetos.

Pior do que a violência, que graças à iniciativa precurssora do Grupo Gay da Bahia, se dispõe desde os anos 80 do século passado de alguma estimativa, nem o Estado, nem os movimentos LGBTTs dispõem de qualquer mensuração sobre as características do envelhecimento desse grupo populacional - número de indivíduos, níveis de renda, redes de apoio, graus de escolarização etc.

O grupo "homossexual" mais antigo que se tem notícia - A Turma OK, no Rio de Janeiro -, na atualidade enfrenta uma situação bizarra que espelha a situação social desse coletivo. Devido à ausência de condições de acessibilidade (o imóvel onde a TOK encontra-se instalada não dispõe de elevador), seus sócios fundadores e de maior faixa etária encontram-se impossibilitados de continuar frequentando o espaço que ajudaram a criar; de desfrutar do convívio social com seus pares - seja da mesma seja de outras gerações, o que seria fundamental para a manutenção de sua saúde biopsíquica.

Assim, verifica-se o mais absoluto processo de invizibilização de idosos e idosas LGBTTs. Ninguém sabe onde estão, quantos são, como vivem.

Tenho procurado sensibilizar este segmento, com os recursos de que disponho - a rede mundial de computadores; a participação na I Conferência Nacional de Políticas Públicas para LGBT.

Entretanto, dado que a imensa maioria dos atores engajados no ativismo pertencem a gerações marcadamente mais jovens e/ou desfrutam de redes de proteção familiar, torna-se difícil conseguir obter a sensibilização necessária à construção - por estes sujeitos, em um movimento mutualista, cooperativo - de quaisquer mecanismos de proteção social para essa faixa etária - espaços de convivência, grupos de apoio, casas-lares etc.

Não consegui saber de nenhum ativista LGBTT que tivesse participado da Conferência Nacional da Pessoa Idosa, realizada em 2011, como igualmente não soube de nenhuma deliberaração voltada a este segmento geracional, na II Conferência Nacional de Políticas Públicas para LGBT.

Diante dessa aparente desmobilização, vejo que os movimentos LGBTTs não demandaram nenhuma cota para a população LGBTT no Programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, como existe para idoso em geral e para o deficiente físico.

Perdeu-se e perde-se, por exemplo, uma excepcional conjuntura favorável existente tanto no governo federal, comm a destinação de linha de financiamento específica, quanto no Estado do Rio de Janeiro, que dispõe de organismos de defesa LGBT estadual e municipal, já tendo inclusive o Estado do Rio inaugurado um projeto de condomínio geriátrico assemelhado ao que venho daqui defendendo, lamentavelmente sem que contasse com nenhuma cota para o segmento LGBT - os beneficiários, inclusive, segundo noticiado, seriam escolhidos por sorteio, o que a mim me afigura enorme perversidade.

Teria sido, de meu ponto de vista, uma importante conquista social para gays, travestis, transexuais e lésbicas em condições de vulnerabilidade social.

Na única reunião a que fui convidada a participar junto à CEDS-Rio abordei este tema. Foi dito que os órgãos de assistência social juntamente com a Coordenadoria tentariam dimensionar o público-alvo.

Como nenhum informe é repassado aos membros do Conselho - nem mesmo os seus nomes figuram na página da Coordenadoria -, tampouco se verificou a convocação a qualquer outra reunião, fica-se sem saber a quantas anda a questão no nível de governo municipal. - A se examinar a página oficial da CEDS-Rio, fica-se com a impressão que a Coordenadoria apenas tem se dedicado à promoção de festas e algumas campanhas publicitárias contra a homofobia, o que é lamentável.

No governo estadual, levou-se seis anos para a inauguração do Disque-Denúncia e dos Centros de Referência (três, se não me engano).

Este ano de 2012 teremos eleições municipais. É provável que o atual prefeito se candidate à reeleição... Bem que o segmento LGBTT do Rio poderia inserir esta reivindicação - o compromisso com a criação de espaço de socialização e moradia que contemple a população LGBT - a ser apresentada a todos os candidatos, não?

- Rita Colaço
Reproduzido via Boteco Comer de Matula

(Dica do amigo Ricardo Rocha Aguieiras)

* * *

Referências:


 COLAÇO, Rita. Os efeitos da estigmatização e a importância estratégica de incentivo à formação de grupos de convivialidade como geradores de proteção social e valores comunitários, a partir do depoimento de uma ex-fundadora do GAAG. II Encontro Nacional Universitário sobre Diversidade Sexual (ENUDS), UFPE, 03 a 07 de setembro de 2004.


_________. Poder, Gênero, Resistência, Proteção Social e Memória: aspectos da socialização de “lésbicas” e “gays” em torno de um reservado em São João de Meriti, no início da década de 1980 [dissertação de mestrado]. Niterói: UFF/ESS–PPGPS, 2006. Disponível em: http://www.bdtd.ndc.uff.br/;


SILVA JR., Adhemar Lourenço da. As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas (estudo centrado no Rio Grande do Sul–Brasil, 1854-1940). Tese [Doutorado em História]. PUC-RS, FFCH Disponível aqui.

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