segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O cego que viu Maria

William Adolphe Bourguereau, L'innocence, 1893

Por ocasião da morte do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), padre René Laurentin, sacerdote francês [e uma das maiores autoridades sobre as questões marianas], escreveu no jornal Le Figaro, de Paris, o seguinte artigo:

“Sou profundamente grato a este ateu, Jean-Paul Sartre, por ter escrito um dos textos mais bonitos, que eu conheça, sobre Maria e a Encarnação. É um dos três ou quatro textos além do Evangelho que eu conservaria se precisasse lançar ao mar os outros livros. Trata-se de um escrito circunstancial. Foi durante a sua prisão que Jean-Paul Sartre, para agradar aos amigos crentes, entre eles um noviço jesuíta, escreveu um jogo cênico intitulado ‘Barioná’, para celebrar o Natal.

“Na miséria do campo de concentração, com aquela capacidade de compreender os outros, Sartre quis participar por simpatia da fé dos companheiros de prisão. Soube expressar essa fé de modo positivo e novo, dando a mim, teólogo, uma formidável lição. Sartre não publicou este texto para evitar os abusos que nós, crentes, poderíamos fazer. Autorizou, porém, a mim pessoalmente a publicar algumas partes no meu ‘Breve Tratado sobre a Virgem Maria’. Sartre soube ver o mistério da Encarnação não daquele modo abstrato que separa a teologia da vida, mas partir da experiência de Maria, Mãe de Jesus. Contemplando Maria, ele escreveu:
“Aquilo que se deveria pintar do rosto de Maria é uma admiração ansiosa que só apareceu uma única vez no rosto humano. Isto porque o Cristo é o seu filho, a carne de sua carne, o fruto de suas entranhas. Ela o trouxe durante nove meses e, oferecendo-lhe o próprio seio, o seu leite se tornará sangue de Deus. Em certos momentos a tentação é tão forte que a faz esquecer que Ele é Deus, aperta-o em seus braços e lhe diz: 'Meu filho!', mas em outros momentos permanece sustada e pensa: 'Deus está aqui!'. Todas as mães ficam impressionadas dessa maneira diante daquele fragmento rebelde de sua carne que é o próprio filho. E sentem-se como que num exílio diante desta nova vida fabricada com a própria vida, mas habitada por estranhos pensamentos. Mas nenhum menino foi mais cruel e radicalmente arrancado de sua mãe, porque Ele é Deus e transcende totalmente tudo o que ela pode imaginar. Mas eu penso que houve outros momentos rápidos e fugazes em que ela sente que Cristo é ao mesmo tempo seu filho, o seu pequeno e que, ao mesmo tempo, 'Ele é Deus'. Contempla-o e pensa: 'Este Deus é meu filho, esta carne divina é minha carne. Ele é feito de mim, tem os meus olhos e esta forma de sua boca é a forma da minha boca. Assemelha-se comigo'. E nenhuma mulher teve a felicidade de possuir o seu Deus só para si, um Deus tão pequeno que pode tomá-lo nos braços e cobri-lo de beijos, um Deus todo calor que sorri e respira, um Deus que se pode tocar e que ri. É num desses momentos que eu pintaria Maria, se eu fosse pintor.
“Sartre coloca essa descrição na boca de um cego vendedor de imagens. Um cego, Sartre, ateu declarado, revelou-nos – talvez melhor que qualquer outro, com exceção dos Evangelhos – o mistério do Natal. Por esse motivo, conservo dele gratidão imensa.”

Se Jesus encarna o Verbo, o Logos, a Luz, a Razão,
Ela personifica a Arte, a Beleza, o Amor.
Obra-prima do Criador, Maria, por quem o Espírito Santo
livre curso deu a todas as suas invenções,
derramou suas muitas inspirações.
Bela Maria! Dela jamais se dirá o bastante.
(Chiara Lubich)

- Pe. José Além, CMF
Comunicador e educador | josealem@bol.com.br
Reproduzido da revista O Mensageiro de Santo Antônio, dezembro de 2011, p. 17

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