quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A desconstrução do preconceito vem com a construção da informação

Instalação: David Černý

Reproduzimos abaixo uma interessante entrevista publicada em 10/10/11 no site O Estado RJ. A matéria é de autoria de Júlia Gomes.

No dia 23 de agosto, a Frente Parlamentar Mista da Diversidade Sexual, formada por deputados e senadores, entregou ao presidente do Senado, José Sarney, o projeto de lei para criar o Estatuto da Diversidade Sexual que deverá ser encaminhado ao Congresso Nacional por meio de uma proposta de iniciativa popular. Além do Estatuto, também foi apresentada uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que prevê mudanças no texto constitucional com a intenção de inserir a proibição da discriminação por orientação sexual, estabelecendo que união estável e casamento independem da orientação sexual.

Além disso, pretende modificar a licença-maternidade para licença-natalidade. A licença deixaria de ser de quatro meses para a mulher e cinco dias para o homem, passando para 180 dias para o casal. Para falar um pouco do Estatuto e de outras questões envolvendo os homossexuais, conversamos com o advogado Flávio Fahur, especialista em direito de família, homoafetivo e sucessões.

A Lei Afonso Arinos, de 1951, representou o início do combate ao racismo no Brasil. Sessenta anos depois vemos que o racismo ainda existe. Você acha que com o Estatuto da Diversidade Sexual os homossexuais serão mais respeitados?

A Lei Afonso Arinos foi a primeira legislação brasileira a iniciar o combate ao racismo. O Estatuto da Diversidade Sexual será também um marco histórico na luta pelos direitos da população LGBT. O referido Estatuto é um verdadeiro microssistema com definição clara de normas afirmativas, objetivando, assim, assegurar maior visibilidade, segurança jurídica e pessoal e dignidade plena a quem é alvo de preconceito. Importante frisar que o Estatuto da Diversidade Sexual visa promover a inclusão de todos, combater a discriminação e a intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero e criminalizar a homofobia, de modo a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos, traz também princípios fundamentais e normas de natureza civil, penal, previdenciária, trabalhista, entre outras, norteando as políticas públicas de inclusão. As leis garantem a imposição do respeito, mas este deve nascer dentro de cada um de nós. Ressalto que a OAB/RJ criou a Comissão de Direito Homoafetivo – CDHO, que está trabalhando incansavelmente na divulgação do Estatuto da Diversidade Sexual, a qual tive a honra de ser convidado a participar.

Em SP já existem algumas delegacias especializadas em crimes no combate a crimes de homofobia, entretanto vemos quase semanalmente algum tipo de agressão contra homossexuais. Qual é o real objetivo dessas delegacias? Como elas ajudam as vítimas? Há previsão para a abertura de uma no Rio de Janeiro?

F.F: O objetivo é oferecer à população LGBT um atendimento especializado, com policiais bem treinados e capacitados para trabalhar com as diversas formas de violência que surgem pela covardia dos crimes de homofobia. A ajuda vem primeiramente de um atendimento inclusivo às vítimas da violência sofrida, seja física ou verbal, com o registro, investigação, abertura de inquérito policial e adoção de medidas e procedimentos policiais que forem necessários à resolução dos casos apresentados pelas vítimas. A ALERJ promulgou, desde 25/03/2011, a Lei nº5931/2011 que dispõe sobre a criação da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – DECRADI, que tem a finalidade de combater todos os crimes praticados contra pessoas, entidades ou patrimônios públicos ou privados, motivados pelo preconceito ou a intolerância, no Estado do Rio de Janeiro.

Muitas pessoas associam a homossexualidade a algo promíscuo, desviante e, até mesmo, sujo. Como desconstruir a imagem desfavorável do homossexual disseminada na sociedade?

F.F: O preconceito e a ignorância são duas das “doenças” mais perversas que a humanidade sofre. A promiscuidade independe da orientação sexual, e sim da mentalidade do ser humano que a faz. Quanto à questão de ser errado ou sujo, não há como fugir de uma discussão perniciosa travada há séculos entre a religião e a sexualidade. O filósofo Michel Foucault alertou para um fato perigosíssimo, qual seja, a partir do século XIII, cria-se “a confissão dos pecados realizada pelos fieis”, dando à Igreja o controle não apenas dos atos e omissões, mas sobretudo a dominação dos pensamentos humanos. Outros mecanismos parecidos ou até mais perigosamente “eficazes” são realizados por outros segmentos religiosos, como forma de dominação mental. Os dogmas religiosos não podem ter o condão de discriminar um ser humano, aliás, tenho firme convicção que Jesus Cristo foi o mais tolerante e acolhedor de todos os tempos, as religiões deveriam realmente seguir seus ensinamentos reais e não os distorcer por pura conveniência, seja ela qual for.

Em se tratando de políticas públicas, o Judiciário e o Executivo já deram grandes passos no tema homoafetividade, todavia, existe omissão do Legislativo em seguir este caminho, devemos ficar atentos para os parlamentares que usam a Religião para negar Direitos, isto é um grave e grande equívoco. Com isto, a única forma de desconstruir esta cruel e perversa versão equivocada, é a informação do direito constitucional à livre orientação sexual, que é um direito da personalidade, intransmissível e irrenunciável.

Você diz que a chave de tudo é a educação. Ela deve começar ainda na infância?

F.F: A chave para se abrir qualquer porta para ter acesso à felicidade plena é a educação e o respeito à diversidade do ser humano. Sempre ouvimos que os pais querem o melhor para seus filhos. Estes pais que estão plantando e construindo o preconceito e o ódio à diversidade do ser humano na mente de seus filhos, certamente estarão fazendo um nítido desserviço, esquivando pelas ações e omissões de apresentar aos seus filhos, valores fortes e reais, condizente com a sociedade atual, viva e não com o mundo defasado e fantasiado. Por tudo isto, a releitura de valores sociais são importantíssimos desde infância.

Você é a favor do Projeto do Ministério da Educação de distribuir, aos estudantes da rede pública de ensino, uma cartilha abordando o tema da diversidade sexual?

F.F: Com certeza. A discussão sobre a temática das questões sobre diversidade sexual elaborada através de contextos escolares-educacionais, seria um grande avanço para garantir a informação segura e responsável aos estudantes da rede pública, dando visibilidade para as novas relações, para os laços sociais e para as novas configurações familiares existentes na contemporaneidade.

O Estatuto não beneficia apenas os homossexuais. Uma das medidas mais interessantes é a implementação da licença natalidade. Fale um pouco sobre ela.

F.F: O Estatuto da Diversidade Sexual prevê direitos não somente à população LGBT, mas também aos heterossexuais, pois independe de orientação sexual, muito atual com o conceito de entidade familiar responsável contemporânea. Especificamente em relação à inovação do conceito de licença-natalidade, a sugestão prevista no Estatuto é que os 15 primeiros dias após o nascimento, adoção ou concessão da guarda para fins de adoção, sejam usufruídos pelo casal. O período de 180 dias subseqüente será gozado por qualquer deles, de forma não cumulada, reiterando, seja o casal homoafetivo ou heteroafetivo.

A união entre pessoas do mesmo sexo representa um fato social cada vez mais constante em todo o mundo. Como fica essa questão pelo Estatuto?

F.F: Como mencionado, o Estatuto da Diversidade Sexual é um verdadeiro microssistema, assim como o Código de Defesa e Proteção ao Consumidor, o Estatuto da Criança e Adolescente, Estatuto do Idoso. Como tal, o Estatuto da Diversidade Sexual propõe alteração em mais de 132 dispositivos legais, contidos em 19 legislações infraconstitucionais a serem alteradas. Certamente há previsão de mudança legal significativa em vários ramos do Direito. Por exemplo, o casamento e adoção por pessoas do mesmo sexo (Direito de Família), herança (Direito das Sucessões), crimes motivados por discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero – Homofobia (Direito Penal), dentre outros.

Para terminar. Uma frase ou pensamento.

F.F: A desconstrução do preconceito vem com a construção da informação.

7 comentários:

Rodolfo Viana disse...

Perfeito o texto...

Existem citações sobre a Micro-política exercidas em pequenos núcleos sociais um exemplo que Foulcault cita é a transformação pastoral provocada por São Francisco de Assis - a tal "torção da força"

:)

Anônimo disse...

PERFEITO ???????????

kkkkkkkkkkkkkkkk

onde

na parte q ele diz a confissão é uma mentira ???

onde ele dz q tudo q cristo disse esta distorcido (Á LA DAN BROWN)????

ou na parte onde as pessoas q discordam dele vivem num mundo de fantasia ?

Ventura disse...

Rodolfo, esse blog é genial.

Há muito tempo busco um espaço onde possa sentir o Amor caridoso, solidário, acolhedor e incondicional de Cristo.

É isso o que percebo não apenas nesse texto, mas em todos os demais, que se indignam firmemente contra qualquer forma de preconceito.

Jesus pregou incansavelmente que a verdade viria através dele, de seus gestos, de sua luta contra a hipocrisia. A verdade é que ele rompe com a apatia social de uma forma nunca antes vista.

É só assim que conseguiremos descontruir um preconceito: com uma fé pensada, com um cristianismo reflexivo. Olhar para dentro. Colocar-se no lugar do outro que sofre.

Estender a mão.
Exatamente como o Diversidade Católica se dispõe a fazer.

Equipe Diversidade Católica disse...

Queridos Ventura, Rodolfo e amigos Anônimos,

Muito obrigado pela participação de vocês. Sua presença aqui, sua leitura dos textos que postamos, sua reflexão e suas colocações, essa troca nos comentários - tudo isso é a alma e a vida deste blog.

E, sim, Ventura, a mensagem e a lógica de Cristo é muito simples: colocar o amor e o serviço ao irmão antes e acima de tudo. Como na parábola do Bom Samaritano, ser o Próximo do outro.

E ser o Próximo do nosso irmão quer dizer colocar-se ao lado dele, sentir a sua dor, chorar com ele, andar ao seu lado na hora da dificuldade. Nada mais distante da lógica do julgamento, da condenação, da exclusão, do dedo em riste apontando e gritando o erro que eu vejo em você.

Pois, enquanto estivermos de dedo apontado para os erros uns dos outros, não haverá como nos darmos as mãos.

Mais vale que cada um esteja em paz com sua própria consciência e viva como julgar ser o certo, coloque-se humildemente aos pés do irmão, e deixe que cada um se entenda com Deus a respeito de suas falhas.

...E a gente sabe como termina essa conversa de cada um com Deus a respeito de suas falhas... com o Pai Amoroso nos recebendo de braços abertos e coração pulando de alegria. Sem condenações - só perdão. Essa é a lógica subversiva do Evangelho - a lógica de que o Pai nos ama não por mérito nosso, mas por pura gratuidade sua. Essa é a nossa salvação.

Um grande, amoroso e feliz abraço.

RICARDO AGUIEIRAS disse...

Perfeito o texto e a entrevista. Apenas ressalvo uma confusão numa pergunta, que está no plural: "Em SP já existem algumas delegacias especializadas em crimes no combate a crimes de homofobia," e , a não ser que eu esteja errado, mas que o que eu saiba só tem uma e que, infelizmente, não está conseguindo resolver tantas denuncias , que é o DECRADI. Tanto que uma das propostas levada nas últimas Conferências é que TODAS as delegacias tenham a função de acompanhar as denuncias de homofobia e não apenas o DECRADI.
Sobre comentários de anônimos, não deveriam ser deixados aqui, ofendem quem lê. Penso que deveriam ser excluídos. Diferente da censura, que não deve existir, penso que uma pessoa pode falar o que quiser, mas desde que se identifique. Esse "anônimo" tirou frases do contexto e ainda falou um absurdo como "católico normal"; ...risos.. mas o que seria um "católico anormal"? Os próprios termos "normal" e o seu contrário trazem em si uma carga de opressão muito grande. Penso que toda a militância LGBT deve trabalhar para divulgar muito o Estatuto da Diversidade. Parabéns pela entrevista colocada aqui e parabéns ao advogado Flávio Fahur.
Beijo do fã,
Ricardo Aguieiras

Equipe Diversidade Católica disse...

Queridíssimo Ricardo,

Como sempre, só temos a agradecer pela sua contribuição preciosa! :-)

Com relação à questão dos comentários... Isso dá tanto pano pra manga por aqui... Pensamos na questão do anonimato e em exigir identificação, como você sugeriu - se bem que qualquer identificação sempre poderá ser falsa, e a pessoa pode dizer as mesmas coisas que a alguns ofendem, a outros irritam, a outros inspiram compaixão, sob uma identidade verdadeira ou falsa, e que diferença fará?

Por ora, vamos mantendo como está por acreditarmos que é a atitude mais coerente com a nossa busca de abertura e de ouvir o que o outro tem a dizer. Mesmo que a gente não goste de ouvir e mesmo que não partilhemos da sua opinião. Para isso está aí aberto o canal do diálogo, para que nós e todos os que quiserem possam se colocar e expor seus pontos de vista, celebrando a diversidade de opiniões, visões de mundo e humanidades que tanto prezamos...

Acreditamos que, mais do que determinar quem está certo e quem está errado, o precioso disso é o exercício de poder conviver com a diferença.

Pelo menos por ora, é o que nos parece mais adequado fazer. Mas vamos ouvindo, ouvindo sempre, e quem sabe não acabamos compondo com os diferentes pontos de vista uma perspectiva diferente dessa história? :-)

Um beijo enorme, querido.

Equipe Diversidade Católica disse...

PS: Concordamos inteiramente com vc acerca da carga de opressão inerente à palavra "normal". :-) Aliás, isso já tinha sido comentado por você e pela Cris aqui, não foi? Bjaum!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...