domingo, 6 de março de 2011

A propósito do Pai Nosso (5)


E chegamos hoje ao final da nossa jornada,  iniciada há um mês. Publicamos hoje a última parte* da reflexão de Simone Weil sobre a oração do Pai Nosso. Para meditar, orar e, esperamos, aprofundar a fé. Um bom domingo a todos!

E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal
A única provação para o homem é ser abandonado a si próprio em contato com o mal. O nada é então verificado experimentalmente. Ainda que a alma tenha recebido o pão sobrenatural no momento que ela o pediu, sua alegria fica misturada com o pânico porque ela não pode pedi-lo a não ser para aquele instante presente. O futuro permanece duvidoso. Ela não tem o direito de pedir o pão para o dia de amanhã, mas ela expressa seu pânico relativamente ao futuro, sob a forma da súplica. A oração do Pai-Nosso termina assim. A palavra "Pai" começou-a, a palavra "mal" a encerra. É preciso ir da confiança ao medo (ou temor, que etimologicamente está próximo de estimar, aqui seria a nossa capacidade de avaliar a nossa impotência para resistir ao mal). Unicamente a confiança traz a força suficiente para que o temor não seja uma causa de queda. (e sim uma avaliação mais realista dos efeitos devastadores do pecado – aquelas horríveis frutificações geradas por nossa ilimitada insaciabilidade ). Após haver contemplado o Nome, o Reino, e a Vontade de Deus, após haver recebido o pão sobrenatural e haver sido purificado do mal, a alma está pronta para a verdadeira humildade que coroa todas as virtudes. A humildade consiste em saber que neste mundo, a alma inteira, não apenas aquilo que chamamos de eu, em sua totalidade, mas também a parte sobrenatural da alma que corresponde à presença de Deus nela, está submetida ao tempo e às vicissitudes da transformação. É preciso aceitar absolutamente a possibilidade de que tudo que é natural em si mesmo seja destruído. Mas é preciso ao mesmo tempo aceitar e resistir à possibilidade de que a parte sobrenatural da alma desapareça. Aceitá-lo como um acontecimento que não se produziria a não ser pela vontade de Deus. Resistir como se faz diante de algo horrível. É preciso ter medo disto, mas que o medo seja a maneira de alcançar a confiança. As seis demandas do Pai-Nosso se correspondem duas a duas. O pão transcendente é a mesma coisa que o nome divino. É aquilo que opera o contato do homem com Deus. O reino de Deus é a mesma coisa que sua proteção estendida sobre nós contra o mal; proteger é uma função real. O perdão das dívidas a nossos devedores é a mesma coisa que a aceitação total da vontade de Deus. A diferença é que nas três primeiras demandas a atenção esta voltada unicamente para Deus. Nas três últimas, reconduzimos a atenção sobre nós a fim de nos constranger a fazer das demandas um ato real e não imaginário. Na primeira metade da oração, começamos pela aceitação. Depois nos permitimos um desejo. Em seguida o corrigimos, voltando para a aceitação. Na segunda metade, a ordem é alterada; encerramos pela expressão de um desejo. É que o desejo se tornou negativo, ele se expressa como receio, mais do que isto, corresponde ao mais alto grau de humildade, o que convém para encerrar. Esta oração contém todas as demandas possíveis, não conseguimos conceber uma oração que já não esteja aí incluída. Ela esta para a oração, como o Cristo para a humanidade. É impossível pronunciá-la uma única vez colocando em cada palavra a plenitude da atenção, sem que uma transformação talvez infinitesimal, mas real se opere na alma.

*Parte 1: 6 de fevereiro; parte 2: 13 de fevereiro; parte 3: 20 de fevereiro; parte 4: 27 de fevereiro

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Texto original:

WEIL, Simone. À propos du "Nôtre Père", In Attente de Dieu. Paris: Flamarion, 1996. Tradução de Elisa Cintra.

Tradução publicada originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil

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