sexta-feira, 20 de junho de 2014

A Igreja Católica ante a homossexualidade: contextualizações e indicações pastorais (parte 4 de 4)


Como divulgamos aqui, a Revista Vida Pastoral está lançando em julho-agosto um número temático sobre homoafetividade e fé cristã. Reproduzimos esta semana os artigos dessa edição relacionados ao tema de capa; começamos por este do Pe. Luís Correa Lima, SJ, em duas partes (primeira e segunda), e continuamos agora com o artigo de Edênio Valle, em quatro partes (a primeira está aqui,  a segunda, aqui e a terceira, aqui). Para quem quiser acesso à edição virtual da revista na íntegra, é só clicar aqui. Segue a terceira parte do artigo:

6. O aporte das ciências psicológicas e antropológicas

6.1. Ante um quadro assim complexo, é necessário ter consciência de que a questão não pode ser abordada de maneira unilateral. Seria, por exemplo, demasiado simplista enquadrar as tendências sexuais humanas em dois grupos polarizados: o dos homossexuais e o dos heterossexuais. No tocante à sexualidade, não se pode reduzir o quadro a “ou preto ou branco”. Há toda uma gama de sensibilidades entre esses dois extremos. Cada caso, como se diz, é um caso. Em indivíduos de orientação heterossexual pode existir latente possibilidade de atração homossexual. E vice-versa. O que acontece é que o machismo repressivo da cultura dominante escondia, durante séculos, essa realidade latente. A atual permissividade e badalação no que se refere ao lado feminino do homem começam a mostrar, com maior nitidez, essa dimensão longamente recalcada seja no homem, seja na mulher.

A Igreja, como mãe e mestra, não tem o direito de simplificar ingenuamente o quadro e desconsiderar o momento sociocultural em que vivemos. Nivelamentos e simplificações a respeito da sexualidade são injustificados e não correspondem à realidade dos fatos. Confundem e mesmo inviabilizam a conquista de uma identidade sexual personalizada e razoavelmente consistente, que é o que interessa e é realisticamente possível.

6.2. A confusão poderá diminuir se esclarecermos algumas ideias errôneas que circulam a respeito da homossexualidade. Algumas delas têm um quê de verdade, uma vez que valem para alguns homossexuais. Outras não passam de “mitos” populares sem fundamento. Eis os mais difundidos:
  • O mito de que o interesse do homossexual é sempre ou quase sempre só genital;[11]
  • O mito de que todo homossexual sente atração por crianças e adolescentes e quer ter relações físicas com eles. É hipótese admitida por muitos psicólogos que a pedofilia, hoje um crime punido pela lei na maioria dos países, seja mais frequente entre heterossexuais;
  • O mito de que os homossexuais masculinos sejam sempre efeminados e as mulheres de tendência lésbica sejam sempre masculinizadas;
  • O mito de que todos os homossexuais tendam, sempre e necessariamente, a formar grupos mais ou menos secretos;
  • O mito de que todos os homossexuais masculinos tendem a certas profissões mais típicas de mulheres;
  • O mito de que todos sejam promíscuos, instáveis em suas relações e incapazes de compromissos duradouros (quando o são, é por razões que vieram a se somar à sua tendência, como pode dar-se também com heterossexuais);
  • O mito de que todos os que se sentem homossexuais ou até cometem atos homossexuais (na fantasia ou comportamentalmente) devam ser sempre e de fato diagnosticados como tais. Há aqui largo espectro de variações a ser levado em conta.
  • O mito de que os homossexuais possam sempre mudar essa sua orientação por meio da força de vontade, pela via do tratamento médico e terapêutico ou em virtude da oração e da ascese.
6.3. À luz do exposto, põe-se a questão: qual o objetivo da formação de indivíduos de orientação homossexual propriamente dita que desejam viver como cristãos católicos ou almejam mesmo ser admitidos ao processo formativo da vida religiosa e do sacerdócio? Uma congregação masculina de forte matiz norte-americano, após anos de debate interno, formulou assim o objetivo psicopedagógico de sua formação:

O objetivo de nossa formação, tanto para candidatos heterossexuais quanto homossexuais, é o estilo de vida celibatário. Esse supõe a capacidade de renunciar à atividade sexual genital e busca uma consistente maturidade psicossexual, expressa em um desenvolvimento global (humano-afetivo, pessoal, comunitário e espiritual) do candidato.

Nessa abordagem, já bastante adotada nos Estados Unidos, revela-se um estado mais avançado de discussão psicopedagógica do que o existente no Brasil. É concepção que considera possível uma pessoa de orientação homossexual ser encaminhada às ordens e ou à vida religiosa, não havendo razão, em princípio, para ser vetada. Os critérios de admissão e o acompanhamento psicopedagógico devem ser os mesmos usados para os heterossexuais. Mas o parágrafo acima citado enuncia dois requisitos indispensáveis para que uma pessoa assuma o compromisso de um estilo celibatário de vida: certa maturidade afetivo-sexual e razoável equilíbrio relacional global da pessoa. Tais requisitos são os mesmos para todos os candidatos. Essa proposta pedagógica me parece psicologicamente plausível, com a ressalva que farei logo abaixo. Há outra condição: saber que o objetivo da formação para a vida religiosa e para o serviço presbiteral não é o celibato. Este é apenas um meio e uma expressão de algo mais profundo: o amor a Deus e aos irmãos “por causa do Reino”. O que está no centro da formação é a pessoa em seu ser e agir, na rica trama de relacionamentos e potencialidades de seu existir como sujeito e filho/a de Deus.

O celibato, não se pode olvidar, é dom de Deus; tem natureza essencialmente carismática. Há quem diga que a Igreja, em suas normas, tem esquecido essa premissa fundamental. Desde essa perspectiva, que é teológica, não se pode propriamente falar em “educar para o celibato”. O que se pode favorecer é a integração e a estabilidade emocionais que permitem viver esse dom com liberdade interior, fecundidade para os outros e senso de realização pessoal.

6.4. Hesito em apresentar uma opinião para a qual não disponho de dados colhidos diretamente de pesquisas e observações cientificamente conduzidas, mas sim verificados e testados em minha já longa experiência clínica e pastoral.

Conheço dezenas de seminaristas, religiosos e sacerdotes de tendência homossexual que chegaram a razoável integração psicossexual e afetiva. Alguns entre eles tiveram uma vida feliz e puderam dar testemunho de vida, de serviço e de fidelidade ao ideal de consagração proposto pela Igreja. Mas conheço também casos opostos, alguns dos quais dramáticos. Refiro-me aqui à homogenitalidade propriamente dita, sem excluir ohomoerotismo. Os atos e hábitos voltados unilateralmente para práticas genitais diretas são os que precisam ser questionados de melhor forma. Eles geram, com facilidade, vidas truncadas, sofridas e carregadas de tensões. No caso de ambientes religiosos, são necessariamente obrigadas a um ocultamento angustiado e ambíguo que de modo algum favorece o amadurecimento da pessoa e a expansão da vocação.

Tenho conhecimento, também, de casos de escândalo público e de condenações judiciais, aliás, mais do que justas, pois se tratava de crimes. Note-se que não me refiro apenas aos casos que aparecem nos jornais. Embora as práticas homogenitais sejam as que mais chamam a atenção, elas, psicologicamente falando, nem sempre são o problema mais fundamental. Elas tampouco se restringem a clérigos de orientação homossexual. Existem escândalos semelhantes também entre religiosos e sacerdotes de tendência heterossexual. Não se pode generalizar a afirmação que faço a seguir, mas minha experiência me leva a dizer que, em termos gerais, pessoas com características estruturais de tipo homossexual são mais facilmente infensas a esse tipo de comportamento, provavelmente devido às circunstâncias repressivas impostas pela sociedade e pela cultura e favorecidas pelos ambientes de formação da Igreja. Não me refiro, tampouco, aos casos patológicos, que naturalmente existem e mereceriam uma discussão à parte. O que tenho em mente são pessoas até certo ponto sexualmente consideradas “normais”.

7. À guisa de amarração

Conhecer as vias pelas quais a Igreja vem tentando se reposicionar a respeito da homossexualidade nos mostrou que estamos ainda em meio a um processo de esclarecimento. Eticamente, os formadores da Igreja sabem que estão ante sérios questionamentos e ainda em busca de critérios e procedimentos que façam justiça, sobretudo, às pessoas de tendência homossexual radicada. Não há, assim, nesta ‘amarração” como apresentar conclusões, no sentido estrito do termo. É preferível falar em pistas, fazendo mais justiça à complexidade da questão.[12] De grupos com os quais andei buscando tais pistas, aprendi a valorizar algumas indicações que passo a comentar.

7.1. Em minha prática, constato notável incidência, em homossexuais por constituição, de traços atitudinais e comportamentos que denotam habilidades de vários tipos. São distúrbios (não doenças!) de várias origens e tipos. Alguns deles podem, sim, trazer aspectos que exigem cuidado psicoterapêutico e os contraindicam à vida religiosa e ao ministério presbiteral, em boa parte por serem narcisistas e sexualmente infantis. Indivíduos heterossexuais que apresentassem essas mesmas características também deveriam ser considerados como não indicados a uma vida celibatária. Quando aceitos, ambos os grupos devem ser acompanhados especialmente no amadurecimento dos aspectos obscuros que os contraindicam ao sacerdócio e à vida de consagração. Em princípio, os formadores devem propor a todos – sem distinção da orientação sexual da pessoa – aquelas virtudes cristãs e humanas que a Igreja aconselha aos celibatários e que supõem disponibilidade ao outro, riqueza e equilíbrio nos relacionamentos e, naturalmente, abertura a Deus e à caridade pastoral para com todos, sem acepção de pessoas. É uma meta ideal árdua para qualquer ser humano. A Igreja pede, por isso, correspondente maturidade psicossexual, só possível a quem tiver superado os estágios egocêntricos da primeira evolução psicoinfantil. O mínimo que se deveria dizer é que essas pessoas, para se equilibrarem psíquica, emocional e socialmente, necessitariam de um acompanhamento mais especializado.[13]

7.2. A marginalização e o desprezo a que a homossexualidade foi submetida por séculos e séculos é fenômeno cultural mais vasto do que a Igreja. Esta, no entanto, esteve diretamente envolvida na milenar opressão exercida sobre o grupo homossexual, reforçada pelo absoluto monossexismo dos claustros. Hoje, esse isolamento já não existe. Religiosos e religiosas jovens já convivem com naturalidade em espaços secularizados e em contato direto com pessoas de sua idade. Com isso, acentuou-se a exposição aos estímulos de uma cultura hipererotizada, na qual a homossexualidade se tornou uma bandeira libertária. Por essa razão, é preciso criar, nos lugares de formação, um clima mais saudável em relação à sexualidade e ao comportamento intersexual. Essa é uma precondição para que as casas de formação possam ser de auxílio aos portadores de traços que evidenciam tendência à homossexualidade.

Como não podia deixar de ser, os que se apresentam à porta das casas de formação são filhos/as da época consumista, permissiva e pluralista que os envolve. Os formadores estão ante a tarefa de rever costumes e normas herdados de um passado culturalmente cada vez mais longínquo. As velhas práticas pedagógicas precisam ser revistas, mas faltam-nos ainda as metodologias para tanto. No passado, os formadores eram afetados por grande ignorância (ignoratio invencibilis elenchi) a respeito das origens e desenvolvimento da homossexualidade humana. Hoje, já não há o direito de invocar essa justificativa histórico-cultural para omissões e equívocos pedagógicos. Os candidatos de orientação homossexual que eventualmente acolhemos em nossas casas têm o direito de esperar de nós não só compreensão, como também acompanhamento psicológico e espiritual adequados.

7.3. O acolhimento pedagógico de um candidato com orientação homossexual nada tem que ver com atitudes de facilitação e relativismo moral ou religioso. Talvez seja até o contrário. Compreender melhor o fenômeno homossexual em todas as suas dimensões pede um trabalho mais consciencioso nos relacionamentos e procedimentos formativos. Pode-se agir com respeito às pessoas de tendência homossexual sem ferir o que a Igreja pede, ao dizer que “nenhum método pastoral(ou pedagógico, ou psicológico) pode ser empregado que, pelo fato de esses atos serem julgados conformes com a condição de tais pessoas, lhes venha a conceder uma justificação moral” (Declaração, n. 8).

7.4. Da reflexão deontológica aqui feita pode-se tirar uma conclusão desafiadora: as questões afetivo-sexuais prementes em candidatos/as de tendência homossexual exigem maior estudo e melhor treinamento por parte dos pastores que acompanham essas pessoas no discernimento do que Deus lhes pede como caminho de vida (cf. EMPEREUR, 1998; OLIVEIRA, 2007; AARDWEG, 1997). Dessa maneira, no encaminhamento dessas pessoas, o que importa é colaborar para que possam discernir seu caminho de vida segundo as exigências de sua vocação cristã. Esse é um caminho de progressiva libertação pessoal e espiritual, no qual é preciso estabelecer uma parceria entre o esforço de autoconhecimento psicológico e religioso da pessoa e a presença atenta e competente de pastores e formadores bem preparados para essa tarefa.

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[1] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração acerca de certas questões de ética sexual. São Paulo: Paulinas, 1976.
[2] BENTO XVI. Deus Caritas Est. São Paulo: Paulinas, 2005, n. 3-5.
[3] Não entro aqui na crítica agressiva que o documento pontifício recebeu de grupos de defesa da causa homossexual. Menciono, no entanto, o comentário do Pe. Bruce Williams, dominicano, que valoriza o documento sem omitir que ele próprio teve “reações ambíguas” numa primeira leitura da carta de 1986, a seu ver “construtiva em muitos aspectos e negativamente desapontadora em outros”(Williams, 1987).
[4] Saliento, desde já, que o texto fala aqui de “atos” e não da “tendência” homossexual.
[5] Cf. JOÃO PAULO II. Discurso a los obispos de EEUU. Ecclesia, n. 39, p. 1314, 5 out. 1979.
[6] As críticas foram muitas. Denunciava-se, no documento, uma postura biologística e medicalizante e uma tentativa de defender concepções pré-modernas que não podem ser hoje sustentadas. No fundo, mantinha-se o conceito de um caráter universal de doença, presente necessariamente na homossexualidade, o que já havia sido contestado por importantes entidades médicas desde a década de 1980. Além disso, a visão de sexualidade, nos meios católicos, mantinha o ponto de vista “procriativo” como o único definidor da validade moral da sexualidade humana, esquecendo sua dimensão interativa e de reciprocidade, mais ampla que o aspecto da genitalidade ao qual o documento estaria limitado.
[7] Deus Caritas Est, teologicamente falando, é um texto que mereceria uma análise mais acurada. Em sua primeira parte, a encíclica trata de conceitos como os de eros, philia e ágape e conversa com filósofos como Nietzsche, que criticava abertamente a maneira como os cristãos praticam e vivem a caridade. Lidas na perspectiva de nosso tema, as considerações de Bento XVI poderiam servir de base teológica para novas reflexões a respeito da sexualidade humana. Em princípio, os conceitos da Deus Caritas Est não contradizem o que Joseph Ratzinger assinava quando prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, mas com esse texto ele traz um fundamento evangélico mais promissor. Não é aqui o lugar para entrar nesse assunto.
[8] Um comentário psicoterapêutico sobre esse documento pode ser encontrado em Valle (2011).
[9] Veja-se, por exemplo, a bem fundamentada posição do Conselho da Igreja Evangélica Luterana da Alemanha em seu documento oficial: Mit Spannungen leben, Hannover, EKD, 1996.
[10] No Brasil, tivemos o médico e sacerdote João Mohana, que inovou a visão católica e a pastoral no campo da sexualidade.
[11] Nos documentos aqui comentados, pode-se observar que não é essa a posição da Igreja. Interessante documento da Diocese de Michigan (de 1973) lembra que a sexualidade, também a de tendência homossexual, pode e deve implicar a responsabilidade, a disposição ao sacrifício, a fidelidade, a amizade etc. Cf. Kosnik,1982, p. 246. Recente texto dos bispos norte-americanos a pais de filhos/as homossexuais assume a mesma postura positiva, na tentativa de animar positivamente os pais na ajuda a seus filhos/as.
[12] Cerca de 200 participantes de um seminário conduzido por Edênio Valle e Antônio Moser segundo a metodologia ver-julgar-agir, com a assessoria do psiquiatra Dr. João Moura e da psicanalista paulista Dra. Elsa Oliveira Dias, chegaram a interessantes conclusões, redigidas e posteriormente publicadas no formato de cópias mimeografadas.
[13] Quando se trata da admissão à vida religiosa ou às ordens sacras, devem ser tomados em conta os dois lados do compromisso que o candidato assume de livre vontade. À congregação ou diocese que o acolhe cabe a responsabilidade de acompanhá-lo em direção ao ideal proposto, mas não se pode esquecer que o candidato, por sua vez, se compromete com um esforço pessoal de crescer nessa mesma direção. Ambos os compromissos precisam ser devidamente ponderados não só na fase formativa, mas também na vida adulta.

Edênio Valle
Presbítero da Congregação do Verbo Divino. Professor associado de Psicologia da Religião no Programa de Ciências da Religião da PUC de São Paulo. Doutorado pelo Instituto de Psicologia da Universidade Pontifícia Salesiana de Roma. Publicou diversos livros e dezenas de artigos em sua área de especialização.

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