Foto: Bruce Lorenz
A vida é infinita e maravilhosamente variada, e só há uma atitude fundamental que nos permite desfrutar de tudo isso ao máximo — o desapego. Mas isso é tão difícil de acreditar e praticar porque sentimos primeiramente como se estivéssemos perdendo uma coisa que amamos muito e também o tempo para desfrutá-la de forma permanente.
O problema está na ilusão de permanência. Primeiro, imaginamos que o que desejamos é permanente. Aí cometemos um grande erro, ao querermos possuir permanentemente o impermanente - o que nos aliena da realidade do que desejamos, substituindo a coisa desejada por uma imagem de sonho, que faz com que aumentem os níveis de sofrimento, até que finalmente tudo se dissolva como a nuvem de vapor que realmente é. Sentimos então que perdemos o que queríamos. Choramos e lamentamos, embora tenhamos perdido apenas uma imagem que víamos como tendo permanência, quando nada no universo o tem. "Aqui não temos nenhuma cidade permanente", diz São Paulo.
A perda é em si uma espécie de ilusão - dolorosa, porque a ilusão certamente tem o poder de causar dor. É difícil se acreditar na natureza ilusória, mesmo da perda . No entanto, diante dos fatos, fica evidente que o que estamos perdendo é o nosso apego a algo ou alguém. E não a coisa ou a pessoa em si. Isso pode ser sentido como arrancar algo pela raiz, de forma cruel e violenta. Recuperar-se da perda — sempre uma espécie de morte — leva tempo e pode até ocupar grande espaço na nossa vida, até que a verdade óbvia finalmente desponte como um insight da realidade. Durante esses dias de afastamento estamos nos preparando para os três dias da Páscoa, durante a qual temos a oportunidade de compreender a real natureza da morte.
Confundir desapego com perda é a razão pela qual tememos a morte e repetimos os mesmos padrões de erros em nossa vida. Tentar possuir o frescor e a beleza do momento presente é como tentar dar vida à uma estátua ou imagem. Como disse William Blake, temos que aprender a beijar a alegria em pleno vôo / viver no amanhecer da eternidade. Os quarenta dias da Quaresma são dedicados à compreensão disso em nossa experiência diária.
- Laurence Freeman OSB
Publicado originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil. Grifos nossos. Tweet
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