segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Momento de encruzilhada


Neste momento em que estamos todos perplexos com a renúncia do Papa Bento XVI, cabe uma análise sobre o atual quadro da Igreja Católica em relação à população LGBT. Retiramos e traduzimos alguns trechos de um artigo publicado em 31 de dezembro de 2012 no site PinkNews.co.uk de autoria de Adrian Tippetts para ajudar a reflexão.
O discurso no Dia da Paz Mundial, quando o Papa Bento XVI sinalizou a intenção de se unir a outras religiões contra o casamento igualitário, alegando que a família estava ameaçada em suas “bases” por tentativas de mudar a sua “verdadeira estrutura” forneceu quatro razões para acusar a hierarquia da Igreja Católica de ter uma agenda de ódio contra a população LGBT.
1 – Menosprezar os gays por serem “intrinsecamente desordenados” e, portanto, seres humanos menos autênticos.
2 – Exclusão dos gays da sociedade.
3 – Usar os gays como bode-expiatório para o declínio da sociedade através da promoção de mentiras sobre a natureza dos gays e dos seus relacionamentos.
4 – Formar uma coalizão de crenças contra a população LGBT.
Sabemos que quando a religião se mistura com o poder, os resultados são fatais para a população LGBT. No Irã e no Iraque, centenas foram mortos e mutilados das maneiras mais grotescas, em virtude da sua sexualidade. As prisões e esquadrões da morte foram um resultado direto de discursos de ódio em Bagdá após a queda de Saddam. A mensagem do Papa se dirige a regiões como a África, onde a influência da Igreja Católica é forte e onde o extremismo cristão e islâmico está crescendo, justamente onde a população LGBT corre um risco maior. É vital que os progressistas, a mídia e os políticos se manifestem contra isso.
Na Espanha os bispos fizeram campanha contra o casamento igualitário; nos Estados Unidos contra a aceitação dos gays no exército e o pacto civil e na Itália coagiram políticos a bloquear o reconhecimento das relações homoafetivas e a votar contra a aprovação de uma legislação contra a homofobia, em um momento em que a violência homofóbica está em alta. Nas Nações Unidas, o Vaticano trabalha com países africanos e islâmicos para enfraquecer resoluções que condenam a criminalização da homossexualidade. A Igreja Católica da Uganda pediu ao governo que aceitasse a chamada “pena de morte para os gays”. O Papa Bento XVI até mesmo abençoou a representante do parlamento da Uganda, endossando uma lei que poderia mandar para a cadeia até mesmo os parentes que não denunciassem seus familiares gays.
A outra pergunta: o Papa sabe que ele está dizendo mentiras sobre a comunidade LGBT? A fonte de pesquisa do seu discurso para 1,2 bilhões de seguidores foi a afirmação de Gilles Bernheim, o principal rabi da França, de que crianças criadas por casais gays seriam mais “objetos” do que indivíduos. É claro que isso contradiz a opinião de especialistas em sexualidade humana e paternidade, que realizaram várias pesquisas na última década e demonstraram que não há evidência de que crianças sofram alguma desvantagem por terem pais gays. O Sr. Bernheim deve ter chegado à sua conclusão através da sua experiência pessoal de mediação e não através do método científico. No entanto, o Papa se referiu a isso como um estudo, o que foi reportado de forma acrítica pelas agências de notícias do mundo inteiro. Não é que o Papa esteja desinformado sobre a opinião de especialistas sobre a diversidade da sexualidade humana e dos relacionamentos; o que acontece é que as atitudes mudaram porque muitas pessoas conhecem homossexuais assumidos e tem uma compreensão melhor sobre os seus relacionamentos e suas famílias. Pelo menos nas sociedades mais tolerantes, o preconceito contra os homossexuais que o discurso do Papa incita assim como o discurso dos seus predecessores incitou o preconceito contra os judeus no passado, agora é posto em questão.
Figuras do alto escalão da hierarquia da Igreja Católica estão também disseminando mentiras e ataques à população LGBT. Nos Camarões, o arcebispo aproveitou o discurso de natal do Papa e declarou que os direitos LGBT são um crime contra a humanidade; o bispo inglês de Shrewsbury comparou a demanda pelo casamento igualitário ao crescimento do nazismo; e na Escócia, a Igreja Católica da Escócia parece desejar que a homossexualidade seja um crime como em Uganda. O seu chefe, Keith O’Brien, em uma entrevista ao Scottish Catholic News declarou em 2011: “é possível demonstrar que relações homossexuais são prejudiciais do ponto de vista médico, emocional e espiritual, nenhuma sociedade pode aprovar uma legislação que facilite ou fomente esse tipo de relacionamento...”.
O’Brien também comparou permitir o casamento entre o mesmo sexo a permitir a escravidão.
O secretário de imprensa da Igreja Católica da Escócia declarou que a estimativa de vida dos homossexuais é 20 anos mais curta do que a dos heterossexuais.
O que pode ser um insulto maior do que afirmar que os relacionamentos homossexuais “prejudicam o espírito”? No entanto, as críticas são silenciadas e os discursos não são questionados.
- A Igreja levou aproximadamente 350 anos para aceitar que Galileu estava certo. Quanto tempo a Igreja vai levar para aceitar a diversidade sexual?
O que você pode fazer.
Afirmar o óbvio: os líderes da Igreja Católica não estão refletindo a grande maioria dos católicos, que em levantamentos se mostram tolerantes, aceitam a população LGBT e tem uma abordagem mais prática e gentil em relação ao controle de natalidade e aos direitos das mulheres. Se a hierarquia está certa da sua fé, então que atenda ao chamado de Jesus em Mateus 5, 15, não se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa.
Proclame o espírito de aceitação abertamente aos frequentadores da sua paróquia, questione o seu padre e o seu bispo a respeito da sua posição em relação aos casais homoafetivos e suas famílias.
Há um número de grupos católicos e ecumênicos liberais, como o Catholics for Choice, igrejas inclusivas, Ekklesia, [Diversidade Católica]. Trabalhe junto para que sua voz seja ouvida com mais força dentro da sua igreja e na mídia. Se você não fizer isso, as únicas vozes que serão ouvidas serão as dos extremistas, e as consequências podem ser inimagináveis.
Adrian Tippetts é jornalista e é ativista em prol dos direitos humanos. Sua visão é pessoal e não do site PinkNews.co.uk nem do grupo Diversidade Católica, o objetivo de compartilhar algumas de suas ideias é de fomentar a discussão sobre o momento de transição que vivemos depois da renúncia do Papa Bento XVI.
Adaptação e tradução: Hugo Nogueira

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