quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Rezar é escutar
O Site do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, de Portugal disponibilizou uma excelente reflexão sobre espiritualidade.
Rezar é escutar
Kierkegaard escreveu: «quando a minha oração se foi tornando cada vez mais devota, comecei a ter cada vez menos o que dizer. Por fim, fiquei em silêncio total. Tornei-me no que porventura ainda é um grande oponente à conversa, tornei-me em alguém que escuta. Inicialmente pensava que rezar era falar; aprendi, porém, que rezar não é apenas ficar em silêncio, mas escutar. Então é assim: rezar não é apenas ouvirmo-nos a falar. Rezar é ficar em silêncio e estar em silêncio, e esperar até que o Deus que reza escute».
A centralidade da Palavra na vida e na missão da Igreja é indiscutível, todavia «o primado não cabe à evangelização, mas à escuta» (B. Maggioni). Recordemos as palavras de S. Bento: «Escuta, filho, os preceitos do mestre, e inclina o ouvido do teu coração».
Escutar, significa um confronto permanente da Palavra com a existência e vice-versa. Para tal exige-se tempo, estudo, oração, contemplação. Com efeito, «a evangelização nasce da escuta: uma escuta viva, contínua, sempre renovada, indispensável para que o anúncio conserve intacta e visível a própria frescura, capaz de suscitar surpresa» (B. Maggioni). (...)
Escutar é deixar Deus falar e entrar no coração, como escreveu a grande Etty Hillesum: «Creio que vou ser capaz. De manhã, antes de começar a trabalhar, passar meia hora a ouvir-me a mim própria, a voltar-me "para dentro". "Submergir-me". Também podia dizer: meditar. Mas esse verbo ainda me assusta um bocado (...) Uma "hora silenciosa" não é fácil de conseguir. Tem que se aprender a consegui-la (...) O objetivo da meditação é, cá dentro, uma pessoa transformar-se numa planície grande e vasta, sem o matagal manhoso que não nos deixa ver. Deixar entrar um pouco de "Deus" em nós, como existe um pouco de "Deus" na Nona de Beethoven». (...)
Escutar – eis o mandamento prioritário.
«Escutai-O», é a voz do Silêncio que se ouve no Batismo e na Transfiguração do
Senhor.
Se no princípio era o Verbo para Deus. Para o homem, no princípio é a escuta.
A escuta é, com efeito, o lugar da conversão do coração.
Y. Congar escreveu no seu diário do Concílio, logo no primeiro dia: «Eu sei que uma Bíblia será colocada num trono, para presidir ao Concílio. Mas será que ela falará? Escutá-la-emos? Haverá aqui um momento para a Palavra de Deus?» (...)
O silêncio ouvinte
O silêncio eloquente de uma catedral.
«escuto mas não sei
Se o que oiço é silêncio
Ou deus (…)
Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco» (Sophia de Mello Breyner)
«Quem não sabe calar não sabe escutar. E quem não sabe escutar não reza, mas quem não sabe rezar nunca poderá entender nada do mistério de Deus (…). O silêncio não é um vazio, uma clausura, mas um fluir no Verbo, um abrir-se ao eterno, um dar espaço à escuta Daquele que nos habita (…). Nada tem eficácia quanto o silêncio carregado de Deus, a oração» (Anna Maria Canopi, osb).
Todos experimentamos átimos da visão da glória, como dizia o Patriarca Atenágoras: «na primavera unes-te ao aleluia da primeira amendoeira em flor». Talvez a dificuldade resida na ausência, ou seja, «Deus está perto de nós, mas nós estamos longe de Deus. Deus está dentro, nós estamos fora. Deus está em casa, nós estamos no estrangeiro» (Mestre Echkart).
Que grandeza há no silêncio – não o silêncio nefasto da falta mas no da virtude, que é perfeito quando dele não se tem consciência – e que força se pode extrair dele. A alegria cristã é a simplicidade de uma fé, a seriedade de uma esperança, a vitalidade do amor. As novas palavras ou palavras novas, da oração, falem a linguagem do amor.
Ora et labora é o lema dos beneditinos. Mas, pensando bem, no mesmo labora está contido oora. Lab-ora = labia et ora, isto é, depois do ora, a própria oração torna-se ação – o que sai dos lábios do orante, torna-se vida. No dizer de S. Bento, quando rezamos (salmodiamos): «que o nosso espírito concorde com a nossa voz». Então, salmodiar e rezar, isto é, escutar a Palavra de Deus e responder-lhe. A leitura e o trabalho são duas ocupações que dividem o dia e se prestam a um esforço de constate oração. (...)
Rezo, porque não posso viver sem mistério. Rezo para pedir Deus a Deus. Como relatou na sua experiência, Etty Hillesum: «Ontem à noite, pouco antes de me ir deitar, dei por mim, de repente, ajoelhada na alcatifa, no meio desta grande sala, entre as cadeiras de metal. Assim. Sem mais nem menos. Puxada para o chão por algo mais forte do que eu. Faz tempo, tinha dito de mim para mim: "Vou ver se consigo ajoelhar-me". Tinha ainda muita vergonha desse gesto tão íntimo como os gestos do amor, todos gestos de que ninguém consegue falar. A não ser um poeta (...) A força criadora é, afinal de contas, uma parte de Deus. As pessoas precisam é de ter a coragem de o dizer (...). Estas palavras acompanharam-me semanas a fio. É preciso é ter a coragem de o dizer. A coragem de pronunciar o nome de Deus».
Concluo com uma resposta de K. Rahner aos jornalistas: «oiça, eu não acredito em Deus por ter conseguido dar resposta a todas as questões, para satisfação da minha
mente. Eu continuo a acreditar em Deus porque rezo todos os dias».
D. José Cordeiro
Bispo de Bragança-Miranda
3.ª Jornada de Teologia Prática, Lisboa, 26.10.2012
08.11.12
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