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Em nosso trabalho pela conciliação da dupla identidade gay e (cristã) católica, o que talvez tenha nos chamado mais atenção ao longo deste ano de 2011 foi o quanto uma minoria ruidosa de extremistas de ambos os lados vem conseguindo criar uma situação de fragmentação social, colocando religiosos e LGBTs em campos opostos, incompatíveis e mutuamente excludentes. Parece-nos que essa divisão se presta a fins políticos que nada têm a ver com o interesse dos LGBTs em construir uma sociedade plural e tolerante, em que haja espaço para o diálogo e a convivência pacífica entre as diferenças, e muito menos com valores cristãos legítimos e a busca de um mundo de mais justiça e fraternidade, verdadeiro Reino de Deus aqui e agora.
Perniciosamente, a divisão em campos opostos cria - qualquer que seja o "lado" em que cada um se coloca - um "nós" santificado contra os "eles" demonizados, "tudo farinha do mesmo saco". Pobres de "nós", oprimidos e vitimizados, e malvados "eles", ditadores, opressores, excludentes. "Eles", com frequência, chegam a ser vistos, com pena ou com desprezo, como "loucos" - clássico recurso dos humanos jogos de poder para esvaziar e desqualificar o discurso do outro ao tirar-lhe o direito a uma voz própria; pois, se é "louco", não sabe o que está dizendo, e não pode haver diálogo com alguém assim!
Parece-nos que há justamente aí um grande problema: ao colocar todos no mesmo saco de uma categoria genérica e abstrata - seja a categoria dos "fundamentalistas" ou a dos "gays pecadores/doentes" -, privamos o outro da sua identidade. Deixamos de enxergar as pessoas para ver apenas o adversário no meio da massa "inimiga". Ao classificar o outro como louco, perturbado ou doente, privamos nosso interlocutor de sua voz e vedamos o diálogo. Instaura-se assim a lógica da guerra, segundo a qual, para um lado vencer, é preciso que o outro perca. A perversidade dissimulada aí é que guerra nenhuma tem vencedores. Dilacerada, a sociedade toda perde.
Preconceitos e segregações, sejam ou não justificados com argumentos religiosos ou de qualquer outra ordem, são eminentemente problemas sociais e culturais, muito mais amplos que qualquer religião. A nosso ver, a homofobia que se encontra entre religiosos é fruto da homofobia arraigada em nossa sociedade, e não o contrário - embora, claro, as justificativas de cunho religioso sejam usadas para reforçar a homofobia, criando um círculo vicioso sem fim. Acreditamos, porém, que, para superar esse estado de coisas, o bom caminho não será entrar em guerra com "as religiões"; muito pelo contrário, os valores religiosos podem e devem ser convocados à luta por um mundo mais justo e mais plural.
Nos EUA, por exemplo, onde a maioria da opinião pública até muito recentemente encarava LGBTs e cristãos como forças em campos opostos, hoje quase dois terços (64%) da população concordam que os relacionamentos gays devem ser aceitos pela sociedade, incluindo a maioria de todos os principais grupos religiosos, com exceção dos evangélicos brancos (Public Religion Research Institute, 29 de agosto de 2011). No Brasil, apesar do acirramento do conflito e da violência mútua, uma pesquisa do Ibope sobre atitudes da população brasileira em relação aos LGBTs, divulgada no final de julho, trouxe à tona alguns dados surpreendentes acerca da evolução da opinião pública a este respeito - revelando, por exemplo, que 52% das mulheres, 50% dos católicos, 60% dos jovens de 16 a 24 anos e 60% dos com nível superior são favoráveis à união estável entre casais homoafetivos (saiba mais e leia uma análise aqui).
Muitos acontecimentos em 2011 evidenciaram essa mudança. Se, no Brasil, o ano foi marcado por importantes conquistas em termos de direitos civis, nos EUA a equipe do Believe Out Loud, organização americana que incentiva e dá subsídios a inclusão dos LGBT nas Igrejas cristãs protestantes (saiba mais aqui), compilou um top 10 de vozes cristãs pró-LGBT que se destacaram em 2011. Estamos trabalhando para que essas vozes se façam ouvir cada vez mais alto também por aqui.
E que 2012 seja ainda melhor.
Equipe Diversidade Católica :-)
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Top 10 das vozes cristãs pró-LGBT que se destacaram em 2011:
10. A Sojourners, maior organização de cristãos progressistas dos EUA, repudia o movimento Believe Out Loud e inspira reação
No Dia das Mães, o Believe Out Loud tentou lançar seu vídeo viral (aqui) através de um anúncio pago na newsletter eletrônica da Sojourners. Recusando-se a "tomar partido" na busca por aceitação dos LGBTs na Igreja, a Sojourners rejeitou o anúncio, inspirando mais de 100 publicações em veículos da imprensa e blogs ("A Sojourners não nos representa mais"), além de um abaixo-assinado do Change.org pedindo que a Sojourners modificasse sua posição anti-LGBT.
9. A retórica cristã anti-LGBT de Rick Perry é repudiada com veemência
Em novembro, o candidato à presidência americana Rick Perry lançou um vídeo, ironicamente intitulado "Strong" ("Forte"), numa tentativa equivocada de atrair os cristãos por meio da crítica aos militares LGBTs. O tiro saiu pela culatra, e ele recebe uma saraivada de críticas - sobretudo dos cristãos, ultrajados com seu ponto de vista discriminatório, tornando-se a figura com mais alto índice de desaprovação no YouTube em 2011.
8. O bullying recebe a atenção devida
Embora as consequências trágicas do bullying tenham continuado a se fazer sentir em 2011, as iniciativas e atitudes pró-LGBT e anti-bullying souberam fazer-lhes frente. Quando o Estado de Michigan tentou promulgar uma lei anti-bullying que eximia abusos com justificativa religiosa, deixando aberta uma brecha para o ódio e a violência, vozes mais sensatas acabaram se impondo. Duas incríveis respostas baseadas na fé foram o programa anti-bullying para escolas da organização Lutherans Concerned, chamado "Where All Can Safely Live" ("Onde todos possam viver em segurança"), e o "In Our Shoes" ("No seu lugar"), uma iniciativa para divulgar as histórias de adolescentes vítimas de bullying por meio da vivência de um dia inteiro em seu lugar.
7. A UCC se aproxima da milésima congregação aberta e afirmativa
A UCC, United Church of Christ ("Igreja Unida de Cristo"), há muito uma organização de destaque na cristandade inclusiva (que ordenou um pastor abertamente gay 1972 e manifestou seu apoio à igualdade matrimonial em 2005), acolheu sua 971ª congregação "aberta e afirmativa" em outubro e se aproximou da meta de 1.000 congregações ainda no primeiro semestre de 2012.
6. Coalizão LGBT realiza encontro histórico com a Southern Baptist Convention
A Association of Welcoming and Affirming Baptists realizou um encontro pioneiro e sem precedentes entre uma coalizão de ativistas seculares e religiosos e a Southern Baptist Convention, apresentando um abaixo-assinado com mais de 10 mil assinaturas solicitando que a SBC pedisse desculpas pelos males que possam ter causado à comunidade LGBT.
5. Ativistas metodistas adotam a igualdade LGBT como meta central
Houve um furacão de ativismo pela inclusão LGBT na United Methodist Church em 2011: do apoio maciço à Rev. Amy DeLong quando ela foi levada a julgamento (e absolvida) pela realização de um matrimônio homoafetivo aos 900 metodistas dos estados de Nova York e Connecticut que se organizaram para tornar o casamento acessível a todos, passando pelos agora mais de 1.000 clérigos da UMC de todos os EUA que se comprometeram a criar um "Altar para todos" (Altar for All) e a casar ou dar bênçãos a casais do mesmo sexo. Tal movimentação está preparando o terreno para a Conferência Geral da UMC em 2012, na qual os ativistas esperam que seus esforços resultem em uma política denominacional mais inclusiva para os LGBTs.
4. A Igreja Presbiteriana dos EUA aprova a ordenação para LGBTs
Em maio, após anos de luta, a Igreja Presbiteriana dos EUA ratificou a Emenda 10-A, uma mudança constitucional histórica que permite que pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneras sejam ordenadas na denominação. Em outubro, o Rev. Scott Anderson tornou-se a primeira pessoa abertamente LGBT a ser ordenada dentro da nova política.
3. O Don't Ask, Don't Tell é página virada
Em setembro, o veto dos militares a membros gays e lésbicas finalmente tornou-se uma página virada, possibilitando que os soldados LGBT possam servir abertamente, com a dignidade e respeito que merecem, e (espera-se) abrindo as portas para que o país finalmente corrija as centenas de outras desigualdades jurídicas e políticas ainda enfrentadas pelos LGBTs em seu dia-a-dia.
2. O estado de Nova York aprova a Igualdade Matrimonial
Em junho, Nova York tornou-se o sexto estado (mais o Distrito de Colúmbia) a reconhecer a igualdade matrimonial, uma vitória que mais que dobrou a porcentagem de cidadãos americanos vivendo em estados que lhes asseguram esse direito fundamental, e que deve boa parte de seu êxito ao ativismo incansável de ativistas movidos pela fé, inclusive mais de 700 líderes leigos e religiosos que apoiaram a lei ativamente.
1. O Departamento de Estado americano se compromete a promover a igualdade LGBT em todo o mundo
No começo de dezembro, num discurso arrebatador na ONU, a Secretária de Estado Hillary Clinton anunciou a intenção do governo dos EUA de combater ativamente as violações dos direitos humanos dos LGBTs. Abordando uma série de argumentos habitualmente utilizados para renegar os direitos LGBT, inclusive de ordem religiosa, Hillary Clinton assinalou com coragem para o mundo inteiro que "nenhuma prática ou tradição pode se antepor aos direitos humanos que pertencem a todos nós". Com efeito, ela defendeu eloquentemente que as tradições religiosas podem e devem ser usadas como "fontes de compaixão e inspiração para todos os seres humanos".
- Joseph Ward III, Diretor da Believe Out Loud
Fonte: The Huffington Post Tweet
Um comentário:
Muito bom o texto. Fica aí uma dica - a ambos os lados - de que nem todos lutam pelas causas propostas, mas fazem politicagem e de forma que nunca encontremos soluções, justamente para que sempre possam se aproveitar disso. Sempre estarão misturados aos que realmente lutam pelas causas com objetivo de encontrar soluções, mas tão somente para fazer tumulto e colocar ainda mais uns contra os outros. Acredito que todos os que lutam por suas causas, sejam elas quais forem, querem um mundo melhor. Não interessa a ninguém(bem intencionado) continuar num mundo de segregações, de preconceitos, de intolerâncias, de inimizades, de falta de Amor... Tomemos cuidado com aqueles que dizem estar do nosso lado e, ao lutarmos pelas nossas causas, procuremos saber sobre elas, ao invés de apenas repetirmos o que outros dizem. Lembrando: Por mais que às vezes os ânimos esquentem - normal -, não podemos deixar de respeitar o outro. Ninguém tem que ser inimigo de ninguém, apesar das posições/opiniões opostas, diferentes. Abraços... ;o) ... Louvado será o dia em que não precisaremos mais criar Leis para que possamos nos respeitar.
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