sábado, 19 de março de 2011

Tuitagens da semana


Hora da nossa retrospectiva semanal! E bom fim de semana a todos!

Decisão sobre imposto de renda conjunto para gays é transferida para o STJ http://mixbrasil.uol.com.br/t/Or7Yxg RT@Mix_Brasil

Cruz Vermelha disponibiliza versão em português de site criado para ajudar brasileiros no Japão http://migre.me/42Ex6 via@Amai-vos

Saúde: Até onde a busca pelo prazer sexual pode ir? http://migre.me/42ELg RT@homorrealidade

Índios gays são alvo de preconceito no AM . http://migre.me/42ER7 RT@homorrealidade

Parque do Ibirapuera vira ponto de encontro de tribo "gay nerd". http://migre.me/42ET7 RT@homorrealidade

Um tumblr só de fotografias antigas de casais gays http://migre.me/43q7W + uma compilação aqui: http://migre.me/43q7A

Elizabeth, Lota e a geografia das saudades: crônica a propósito do centenário de nascimento de Elizabeth Bishop http://migre.me/43qev

Os tabus sobre judeus e cristãos, cruz e deicídio: o ponto de vista do judaísmo http://migre.me/43qlb

Igreja estática ou corpo vivo? O retrocesso contra o Concílio Vaticano II http://migre.me/43qmI

A patrulha está de olho em Didi Mocó http://migre.me/43qrS via tantas notícias

"Amo-o incondicionalmente", diz ex-jogador Edmundo ao comentar sexualidade do filho http://migre.me/43qvm (via tantas noticias)

Palestra: Diversidade Sexual, Homofobia e Cotidiano Escolar http://migre.me/43qwZ via tantas noticias

Exposição "Registros de uma Guerra Surda: 1964-1985", sobre burocracia do regime militar. Arquivo Nacional-RJ. Abre 01/04, 19h RT@freibetto

Curso de aperfeiçoamento "Como lidar com a diferença na escola", CEPUERJ/UERJ http://migre.me/43qCJ

Lançamento da cartilha "Tudo em cima! Exercicios e qualidade de vida com HIV" http://migre.me/43qI2 (via tantas noticias)

Cristão e homossexual: um desafio | Entrevista com o teólogo luterano André Musskopf http://migre.me/43qO9

O teatro homoafetivo na contemporaneidade + Dzi Croquettes http://migre.me/43qU3

Imposto de Renda: veja quando é vantajoso incluir como denpendente em relação homoafetiva http://t.co/9FUfiEz RT@blogentrenos

O Movimento Nacional de Direitos Humanos, Regional SP e o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana convidam todos/as para o Ato Público e Ecumênico Contra a Violência aos Defensores de Direitos Humanos, a realizar-se: Dia: 22 de março de 2011, terça-feira, às 19h00 Local: Câmara Municipal de São Paulo Viaduto Jacareí, nº. 100, Bela Vista, São Paulo RT@freibetto

"Efeito colateral": sobre Claudia Jimenez e os efeitos de seu emagrecimento http://migre.me/43vkC via@TonyGoes. Excelente e preciso! :-)

Que mané fraternidade?! Uma resposta pessoal à irritação contra a Igreja Católica e suas falhas http://migre.me/43vsD

Brasília recebe em 18 de maio a II Marcha Nacional Contra a Homofobia http://mixbrasil.uol.com.br/t/89Pvjs

Juiz reconhece união de casal homossexual entre duas mulheres de Maceió. http://migre.me/43vyF

Está chegando! Curso Diversidade Sexual, Cidadania e Fé Cristã, no Centro Loyola. 7/4-9/6, toda 5a, em Botafogo. http://migre.me/3Krop

Novo artigo de Diana Corso no Site Direito Homoafetivo: Casamentos Inesperados. http://bit.ly/dxhUIC

voce pode fazer algo p impedir a tortura q cidadaos brasileiros estao sendo diariamte submetidos. veja o video. repase! http://bit.ly/eaykLC RT@carlostufvesson

Entre Nós: Mães solteiras têm mais rejeição da sociedade do que pais gays e lésbicas, segundo pesquisa americana... http://t.co/bbyHPVf RT@blogentrenos

Faltam 6 dias 4 dias para o I Congresso Nacional de Direito Homoafetivo http://migre.me/43S11

Acho que os cristaos que pensam diferente das orientaçoes oficiais da Igreja precisam se unir e aparecer mais.... MENOS PRECONCEITO, JA! RT@pepaulodalladea

Igreja inclusiva Gay está se expandindo e abre mais um templo no Brasil. http://migre.me/43U2A RT@noticiasgays

Revista da Ordem dos Médicos de Portugal publica texto homofóbico http://migre.me/43UdC

Em um mês, Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro mostra a que veio http://migre.me/43UeO

Governo do Nepal inclui direitos LGBTs em sua agenda de prioridades http://migre.me/43UfQ

Companhia aérea da Tailândia contrata Transexuais como aeromoças http://migre.me/43Ugv

As perspectivas da união homoafetiva: entrevista com Maria Berenice Dias http://migre.me/43T8W #direitohomoafetivo

Pacientes com HIV voltam a sofrer com desabastecimento de remédios. Leia: http://www.vivacazuza.org.br/sec_noticias.php?page=1&id=420

A fé católica supera barreiras: repercussão da reunião inaugural da Pastoral da Diversidade, em São Paulo http://migre.me/44gas

Defensoria Pública do Pará reavalia planejamento do Centro de Combate à Homofobia http://migre.me/44hZN via@blogentrenos

Os jovens “caras pintadas” e os jovens “hashtag” http://migre.me/44i8W via@Amai-vos

AS RUGAS GAYS http://paradiversidade.com.br/2010/?p=2202 RT@paradiversidade

União civil gay não será prioridade em 2011, informa o presidente da Câmara http://goo.gl/kffGe RT@zonamix

Justiça volta a negar liberdade a agressor da Avenida Paulista: Foragido da Justiça, acusado de agressões na Pau... http://bit.ly/g40mMu RT@GayNewsBrazil

A ministra Maria do Rosário diz que esclarecimento sobre mortes durante ditadura militar é dívida da nação brasileira http://bit.ly/hBbkcE RT@_ihu

Presidente da Câmara nega que seja homofóbico: Deputado federal Marco Maia desmente imprensa e nega que seja homofóbico [e diz, em vídeo, apoiar a união gay] http://bit.ly/gtzUlA RT@GayNewsBrazil

Deputado acusa governo de criar Bolsa-Família gay: Em discurso todo equivocado, deputado federal critica plano d... http://bit.ly/gGXTD1 RT@GayNewsBrazil

Por defender união entre pessoas do mesmo sexo, deputado federal @jeanwyllys_real recebe ameaças de morte pelo Twitter http://ow.ly/4hyJD RT@terranoticiasbr

Morte de Priscila Brandão vira campanha internacional anti-homofobia. http://migre.me/44ugm RT@homorrealidade

Argentina: Igreja expulsa padre que defendia uniões homossexuais. http://migre.me/44u8H RT@homorrealidade [Esse foi o padre que participou da Marcha por la Igualdad na Argentina em junho de 2010 e fez um lindo discurso em favor do casamento gay. Vejam o vídeo em http://migre.me/44G9b]

Coral de Homens Gays de Los Angeles e Leann Rimes cantam “The Rose”. http://migre.me/44tSj RT@homorrealidade

Homossexuais negros, lésbicas negras umbandistas, é possível? Venha discutir RAÇA e RELIGIOSIDADE no 9° @ENUDS. RT@enuds

Que alegria! Estão esgotadas as vagas presenciais para o Congresso Direito Homoafeivo! Participem pelo telepresencial! http://bit.ly/ee4AgO RT@mberenicedias

Entre Nós: Aplicativo do iPhone que promete a ¨cura¨ dos homossexuais foi aprovado pela Apple... http://t.co/88ULzXP RT@blogentrenos

Campanha Não Homofobia http://youtu.be/t5xXjlfFSFE?a RT@pepaulodalladea

Atendendo a pedidos, o flyer com melhor resolução!!! http://twitpic.com/4ar8j1 RT@CineclubeLGBT

Aos que estão perguntando se haverá mais alguma reprise da minha entrevista com a Marília Gabriela amanhã, sábado, às 14h (GNT) RT@reginanavarro

http://glo.bo/hWqpeU Igreja Contemporanea contra o preconceito cristao RT@pepaulodalladea

Assista ao vídeo Encontrando Bianca do kit anti-homofobia do MEC. http://migre.me/44xb9 RT@noticiasgays

Estados Unidos poderão cortar ajuda financeira para países homofóbicos. http://migre.me/44wfk RT@noticiasgays

Pesquisa revela que a maioria dos americanos aprova o Casamento Gay. http://migre.me/44w1m RT@noticiasgays

Só um sorriso


O que dizer? Só um sorriso comovido diante da coragem e da integridade de uma transexual que faz um dueto consigo mesma num programa de TV da Tailândia :-)

sexta-feira, 18 de março de 2011

Travessia


Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

- Fernando Pessoa

A fé católica supera barreiras


Lembram-se do convite que fizemos na sexta-feira passada, 11 de março, para a reunião inaugural da Pastoral da Diversidade em São Paulo?

Pois bem, é com muito orgulho que reproduzimos abaixo a nota publicada no dia seguinte ao evento no blog de Douglas Drumond. Os grifos são nossos. :-)

A fé católica supera barreiras e gays e lésbicas descobriram como praticar os princípios cristãos longe dos julgamentos impostos pela Santa Sé.

Na noite de terça-feira, 15 de março, um grupo de gays e lésbicas cristãos deu o primeiro passo para a construção de uma Pastoral da Diversidade com objetivo de discutir o conflito entre sexualidade e Igreja e, ainda, atuar no apoio social a minorias sexuais.

A culpa, um dos maiores conflitos que persegue as identidades sexuais variantes, foi colocada por terra com um argumento do Padre James Alison, coordenador do grupo: “O pecado é tudo aquilo que pode ser perdoado”. Com isso, "às favas com a culpa e o pecado. Deus é amor. E gays e lésbicas sabem amar.

As escrituras sagradas devem passar por uma leitura moderna. Não há nada contra a homossexualidade na Bíblia. Até porque a palavra ‘homossexual’ só surge na segunda metade do século 19 e as realidades referidas nos textos são de culturas muito diversas. Portanto nada dizem a respeito de relações amorosas entre iguais."

Segundo Padre James*, só chegam a ser evidentes a presença de pessoas “heterossexuais” ou “homossexuais” a partir do século 18 na medida em que saímos de culturas com uma marcante divisão de vida entre os sexos.

Ao fim da reunião, uma missa com direito a graças e a comunhão, foi realizada ao lado do jardim do Casarão Brasil, uma organização não governamental que atua como incubadora de projetos sociais, em São Paulo.

Mais informações (11) 3171.3739 ou pelo e-mail: contato@casaraobrasil.com.br


* * *

Atualização em 28/3/2011:
Datas das próximas reuniões: 29/3 e 19/4.

_______________
*James Alison é autor do livro "Fé além do ressentimento: fragmentos católicos em voz gay" (Editora É Realizações, 2010). Fica a dica. ;-)

A práxis cristã e a Quaresma (1): jejum



Religião sem a 'práxis' é hipocrisia. Em grego esta palavra significa o que é feito por liberdade. É colocar teoria e boas intenções em prática. Espiritualmente, isso significa viver no nível da experiência.


Na práxis, entramos em um processo, em vez de apenas buscar um objetivo determinado. Estamos, portanto, também aceitando e trabalhando com as nossas imperfeições - porque, mesmo que talvez nossa práxis seja de fato boa, não estamos visando a nossa própria perfeição. Isso seria cair direto na armadilha do ego.

Isto é prático, mas também bastante sutil, pois envolve uma purificação de nossa motivação. Quando colocamos em prática o nosso discurso espiritual, a força egocêntrica das nossas motivaçoes se reduz. Lentamente nos encontramos fazendo o bem, simplesmente porque estamos nos tornando melhores; o bem pelo bem, em vez de visar nossa própria satisfação. A virtude é sua própria recompensa. Amamos a Deus pelo amor de Deus, não por aquilo que podemos tirar de uma relação especial com Ele.

A espiritualidade cristã identifica três formas de 'práxis' que são de especial relevância para aqueles que querem fazer algo na Quaresma: o jejum, a esmola e a oração.

Alguns jejuam ou se abstém de carne nas sextas-feiras da Quaresma - o jejum em geral significa ter uma refeição principal e não fazer lanches. Mas o jejum pode ser aplicado não apenas à comida. Nós podemos cortar outras coisas que consumimos, ou aquilo que absorvemos da mídia, ou hábitos que facilmente se tornam compulsivos, como assistir TV, escutar música no iPod, enviar mensagens de texto no celular, navegar na web, folhear revistas ou comprar mais do que precisamos.

Na meditação, chegamos à raiz de todos os desequilíbrios e extremismos, pela 'práxis' espiritual essencial de se tornar centrado fora de si mesmo. É por esta razão que isto nos faz sentir bem, porque nos permite experimentar o que a bondade realmente significa.


- Laurence Freeman, OSB
Traduzido por Leonardo Correa
Publicado originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil.

quinta-feira, 17 de março de 2011

As perspectivas da união homoafetiva: entrevista com Maria Berenice Dias


Cada família tem o seu formato, sem copiar “aquele modelo idealizado, imposto pela religião, homem e mulher, casamento, filhos. Não é mais esse o modelo da família. Até acho que nunca foi, mas agora se tem mais liberdade para se assumir e aceitar essa realidade”. A afirmação é da advogada especializada em direito homoafetivo Maria Berenice Dias na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. Em sua opinião, a família homoafetiva é uma realidade que sempre existiu e acompanha a história da humanidade. “O que eventualmente muda é uma maior visibilidade, uma maior ou menor aceitação social”. Ela analisa também a influência das religiões na aceitação das uniões homoafetivas: “As religiões são muito contrárias às uniões de pessoas do mesmo sexo, que deixam de cumprir aquele desígnio, o ‘uni-vos e multiplicai-vos’. Há então uma ojeriza muito grande, e isto toma conta da sociedade. Trata-se de uma repulsa severa a quem simplesmente tem outra maneira de viver e outra maneira de amar”.

Maria Berenice Dias é desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, advogada especializada em Direito Homoafetivo e vice-presidente e fundadora do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Confira a entrevista, reproduzida via IHU. Os grifos são nossos.

Como você analisa a questão da união civil homoafetiva no Brasil?
Não existe nenhuma legislação no Brasil reconhecendo o direito a pares de pessoas do mesmo sexo. Nem de união civil se pode falar, porque essa figura não existe no nosso direito. Não há nenhuma regulamentação, nem com união civil, nem como sociedade de fato, absolutamente nada, portanto. São os tribunais que estão buscando avançar nesse debate. Os juízes vêm deferindo e reconhecendo uma série de direitos às uniões que chamo de afetivas, porque a marca mesmo é a afetividade das pessoas. É isso que vem avançando em termos de jurisprudência. E no dia em que se tiver consolidado, com orientações bem definidas, o legislador vai ter que romper essa barreira do medo e acabar legislando sobre esse tema.

A jurisprudência pode ser entendida como ferramenta e instrumento para assegurar a homossexuais e transexuais o exercício da cidadania?
Não só o legislador, também o judiciário é egresso de uma sociedade ainda conservadora e muito preconceituosa. Enquanto algumas decisões avançam nos Tribunais Superiores, o próprio Superior Tribunal de Justiça agora está em aberto para se julgar, no Supremo Tribunal Federal, uma decisão favorável. Nessas questões a justiça no Brasil é como Las Vegas: entra com a ação e aposta esperando que se ganha a demanda, mas o número de decisões vem crescendo significativamente. Acho que a justiça, de fato, tem atendido estas demandas.

A partir da sua experiência na área jurídica, o que dificulta a seguridade dos direitos homossexuais no Brasil?
Nada mais do que o preconceito. Há uma influência ainda muito severa da religião. As religiões são muito contrárias às uniões de pessoas do mesmo sexo, que deixam de cumprir aquele desígnio: “uni-vos e multiplicai-vos”. Há, então, uma ojeriza muito grande, e isto toma conta da sociedade. Trata-se de uma repulsa severa a quem simplesmente tem outra maneira de viver e outra maneira de amar.

Em janeiro deste ano, a Justiça de São Paulo reconheceu o direito à dupla maternidade. O que essa decisão representa e significa no âmbito das adoções?
Em termos de adoção, nós precisamos assumir uma postura de muita responsabilidade, porque a enorme resistência à concessão de adoções, não só para homossexuais, mas em geral, faz as pessoas ficarem anos na fila aguardando adoção. As crianças perdem a chance de serem adotadas dentro dos abrigos, em função de uma burocracia imensa, uma postura equivocada dos juízes, que ficam insistindo no reenquadramento dessa criança a sua família natural. Com isso, a adoção está se transformando em algo quase inacessível.

Como surgiram esses modernos métodos de reprodução assistida, que vêm sendo usado por homossexuais e heterossexuais, as pessoas estão desistindo de adotar. Isso só vai aumentar o nosso problema social, que são as crianças abandonadas, sem destino, sem futuro, sem um lar. Essa decisão de São Paulo, na qual inclusive fui advogada das partes, é a primeira no Brasil a reconhecer a dupla maternidade, porque os óvulos de uma das mulheres foram fecundados no laboratório e implantados na outra.

A Justiça não reconhecia que ambas eram mães dessas crianças que são gêmeas. Pensavam que ou a mãe é aquela que gestou, que carregou no ventre, ou a mãe é a que concedeu o material biológico. Penso que é um avanço importante e um alerta para que se agilize a temática da adoção no país.

Como você vê a posição do Conselho Federal de Medicina (CFM) que determinou que casais homossexuais tenham direito de acesso a técnicas de fertilização?
Antes se falava em um homem e uma mulher como um casal. Agora pode ser qualquer pessoa. Mesmo uma pessoa sozinha, independente da sua orientação sexual, pode fazer uso dessas técnicas, assim como casais do mesmo sexo. No momento em que isso se populariza e, inclusive, se tem acesso a esses meios através do Sistema Único de Saúde, a tendência é de crescimento. Além disso, o custo dessas técnicas está mais barato, com resultados mais positivos. Está crescendo no Brasil uma verdadeira indústria na qual as crianças estão sendo geradas em laboratórios para atender esse desejo que as pessoas possuem de ter filhos.

O direito de ter uma família é legítimo, mas acho que a primeira opção mesmo deveria ser a adoção. Há um contingente muito grande de crianças que são jogadas no lixo, que os pais não podem criar, ou não querem criar, ou não é o momento na sua vida para isso. Assim, essa facilitação dos meios procriativos gera uma irresponsabilidade maior. Espero que os juízes criem uma legislação mais célere para a adoção. Não que eu seja contra as formas procriativas. A minha grande preocupação é com as crianças abrigadas e sem chance de serem adotadas.

Existe alguma lei no Brasil que garanta ou permita a adoção por homossexuais?
Mais uma vez existe essa covarde omissão do legislador, que simplesmente fala na adoção, porém não diz apenas heterossexuais podem adotar. A lei da adoção mudou recentemente e foi para pior. Havia, ainda, uma tentativa de proibir a adoção por homossexuais, mas essa parte foi retirada. Existe preconceito contra os casais homossexuais adotarem uma criança; falam que para adotar é preciso ser casado ou viver em união estável, mas o fato é que os homossexuais vivem em união estável. Portanto, não vejo nenhum obstáculo legal para ser concedido, ainda que tenham juízes que, infelizmente, neguem. Mas está sendo feito um grande trabalho de amenizar e juntar essas decisões Brasil afora para servir de fonte de pesquisa, de estudo ou banco de dados com tudo que a Justiça vem decidindo e, de fato, os números vão crescendo.

Só em 1989 é que se autorizou a primeira união homoafetiva. É possível se ter ideia de quantas uniões homoafetivas já foram permitidas o Brasil, de lá para cá?
O sistema de informação no âmbito do poder judiciário é extremamente falho. Não se tem acesso ao que os tribunais julgam, muito menos ao que os juízes julgam. O que está no sítio dos tribunais é uma parcela muito pequena divulgada e as sentenças dos juízes não são disponibilizadas. Quando o juiz defere uma sentença e não há recurso no tribunal, não se sabe, não se tem ideia, ninguém levanta esses dados.

A constituição da família homoafetiva já é uma realidade na sociedade brasileira? Como o Direito tem atuado para garantir esse direito?
Que a família homoafetiva é uma realidade, é. Sempre foi, ela sempre existiu. Isso acompanha a história da humanidade. O que eventualmente muda é uma maior visibilidade, uma maior ou menor aceitação social. O movimento chamado “saindo do armário” que nós vivemos agora, de mais democracia, de mais liberdade, propondo um certo afastamento desses padrões muito convencionais, com influências grandes da religião, está se enxergando mais.

As pessoas estão assumindo mais a sua orientação sexual e, mesmo com falta de leis, vêm batendo às portas do Judiciário para o reconhecimento dos direitos. E a Justiça não pode ser cega, de fato essa é uma realidade. E a quantidade de direitos que vem sendo deferidos, como pensão por morte, a própria adoção, permitir a concessão de vistos de permanência, também ser colocado como dependente, ter direitos hereditários garantidos. Enfim, isso vem mostrando de que não tem como não reconhecer essas uniões.

Qual é a diferença, a partir da lei, da união civil homoafetiva e do casamento?
O casamento precisa da chancela do Estado, ou seja, as pessoas precisam comparecer a um oficial do registro civil e ele celebrar um casamento, com juiz de paz. Não enxergo nenhuma vedação legal, não acho que um casamento do mesmo sexo seja proibido, não está escrito na lei isso, mas há uma resistência nesse sentido. Duas vezes já se entrou com ações para buscar o reconhecimento desses direitos e não foi deferido. Mas assim mesmo, sem essa chancela do Estado, as pessoas vivem juntas e estão constituindo uma união estável. Não gosto da palavra união civil, porque tira a característica do conteúdo de família, forma uma entidade familiar, união estável. E a união estável, para se constituir, não precisa passar pela aprovação de ninguém, ela existe, seja heterossexual, seja homossexual. Não se pode dizer que as famílias formadas por pessoas do mesmo sexo não são uma entidade familiar que não mereça a proteção do Estado.

Como a questão da adoção homoafetiva é tratada com a criança, uma vez que para o imaginário coletivo há um pai e uma mãe?
O fato é que essas crianças, eventualmente, podem ser alvo de discriminação na escola, como historicamente foram as crianças filhas de pais separados e crianças criadas exclusivamente pela mãe. Elas sempre foram alvos da sociedade. Mas nós não podemos, em nome do preconceito, deixar de reconhecer o direito dessas crianças com relação aos dois pais ou com relação às duas mães. Essas crianças podem sofrer, mas elas não vão sofrer mais pelo fato de dizer que têm dois pais ou duas mães, do que dizer que moram num abrigo e não têm nem pai e nem mãe. Isso também as coloca numa situação de vulnerabilidade. É melhor ter um lar com pais do mesmo sexo do que morar em um abrigo, ainda que sejam bem cuidadas. Aquilo não é um lar.

Como a sociedade reage diante da adoção feita por pessoas do mesmo sexo?
O que se tem visto, estudado e acompanhado é que há uma tendência muito grande de nas escolas, e sempre a recomendação é nesse sentido, que quando forem matriculadas crianças, já avise na matrícula se elas têm dois pais ou duas mães. As próprias professoras começam a aceitar isso com mais naturalidade e passar para os colegas e alunos de que aquelas crianças têm dois pais ou duas mães. E o que está se mudando, e eu acho isso importante, é que aquela ideia de festejar o dia do pai, o dia da mãe. Penso que há de se festejar a família como tal, mesmo se for dia das mães e comparecerem dois pais, isso não pode mais causar estranheza, porque esta é uma realidade.

Porque foi o que sempre aconteceu. Quando era dia dos pais, eu, que sou separada, ia na festa de dia dos pais. No começo eu era a única mãe que estava no evento, mas depois com o tempo começaram a surgir outras, como no dia das mães começaram a surgir pais. Então este formato está ficando cada vez mais caleidoscópio da família. Cada uma tem o seu formato, não copia necessariamente aquele modelo idealizado, imposto pela religião, homem e mulher, casamento, filhos. Não é mais esse o modelo da família. Até acho que nunca foi, mas agora se tem mais liberdade para se assumir e aceitar essa realidade.

Em que princípios os juízes devem se basear para deferir sentença favorável a casais gays no que se refere à adoção?
O primeiro princípio é romper o próprio preconceito que as pessoas têm. Mas é um punhado de princípios constitucionais, todos eles se sustentam com o princípio da dignidade, da pessoa humana, ter o direito a um vínculo de natureza familiar, o princípio da liberdade, o princípio da igualdade, o princípio do respeito à diferença, acho que isso é algo importante. E agora se começa a falar no princípio da afetividade; tem-se mudado a forma de se reconhecer e conceber a família, de que isso precisa ser respeitado, ou seja, as pessoas têm o direito de manter vínculos afetivos. Isso precisa ser chancelado até pelo Estado. Tanto que estão tendo que mudar o conceito de família, ela não é mais constituída exclusivamente pelo casamento, ela não é mais exclusivamente união estável, um dos pais com filhos, isso está na própria Constituição Federal, isso é uma família.* Então não dá para dizer que outras formas de família também não o sejam, como são as famílias homoafetivas.

Que outras mudanças legais básicas precisariam ser feitas a partir da união civil homossexual e a conquista do direito à adoção de crianças por parte de casais homossexuais?
É preciso mudar a mentalidade das pessoas. Para isso, talvez, fosse necessário mudar a Constituição Federal. No entanto, é no preconceito do nosso legislador que mora o problema mais profundo. O poder Executivo tem feito um trabalho muito importante, vem avançando em termos de políticas públicas de reconhecimento de direitos. Por exemplo, a portaria determinando que nas escolas se use o nome social dos transexuais, e também isso poderia ser uma mudança legislativa singela, mas tem projetos de lei que tramitam há muitos anos e não têm a mínima chance de ser aprovados.

Quais os principais aspectos serão abordados no Congresso Nacional de Direito Homoafetivo?
Já que não conseguimos avançar em termos legislativos, vamos avançar em termos do judiciário. E a proposta é exatamente essa: qualificar os advogados, os operadores dos direitos para trabalhar com esse novo ramo do Direito que atende a população que não tem lei, mas que tem direitos. A ideia é essa.

_______________
* A Dra. Maria Berenice Dias refere-se aqui ao reconhecimento, pela Constituição Federal, da família monoparental, ou seja, constituída por um dos pais e filhos. Esse reconhecimento assinala a possibilidade de redefinir a família em termos de vínculos afetivos, e não com base exclusivamente no casamento homem-mulher ou na vinculação de cunho sexual, o que abre caminho para o reconhecimento de uniões homoafetivas, com ou sem filhos, como entidades familiares.

Faltam 6 dias para o I Congresso Nacional de Direito Homoafetivo

Mais informações aqui, e inscrições aqui. Veja aqui entrevista com a Dra. Maria Berenice Dias, coordenadora-geral do Congresso.

Perder para encontrar: a arte do desapego

Foto: Pauly_G


Perceber que realmente perdemos algo causa um choque por todo o sistema, uma pontada de tristeza misturada com raiva e confusão. Podem ser as chaves do carro ou alguém que amamos; a intensidade e a duração do choque será diferente, mas a resistência imediata face a perder o que (pensamos) possuir é intrínseca ao nosso psiquismo. Por outro lado, encontrar o que foi perdido nos enche de uma alegria e gratidão ainda maiores. A posse que pensávamos ter perdido é revivida como um dom, e sempre que experimentamos a doação (de ou para nós mesmos) nos tornamos mais vivos, mais generosos e mais próximos do nosso verdadeiro eu.


Seja como for, a vida encontra meios de nos ensinar essa verdade sobre ganhos e perdas. Mas também podemos aplicar a verdade e, em certa medida, prevenir a dor e o choque da perda, por meio do desapego. Quanto mais apegados e possessivos formos, pior será a dor da perda. O soltar, o desapegar-se é uma espécie de perda voluntária - e é o paradoxo que transforma a perda em ganho, em encontro.


A quaresma - e qualquer disciplina simples de auto-controle que viermos a adotar nestes 40 dias - pode nos ensinar o desapego a cada momento, a cada respiração, em cada encontro, em cada relação. Por isso São Bento diz que a vida deve ser uma Quaresma constante. A Quaresma nos capacita a viver com uma liberdade e uma espontaneidade - e, em última instância, um destemor - que permitem à nossa humanidade desabrochar em toda a sua plenitude. Tudo o que temos de fazer é confiar - e soltar. "Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la." Isso se dá, na vida de cada um, passo a passo - numa suave mudança de direção que a meditação diária vai provocando definitivamente.

- Laurence Freeman, OSB
Autor do livro "Perder para encontrar - a experiência transformadora da meditação"
Publicado originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil

quarta-feira, 16 de março de 2011

Que mané fraternidade?!


Arte: Grafter

Flanando pelos meus blogs preferidos, dei hoje com um post do Tony Goes intitulado "Que mané fraternidade", manifestando-se contra as incongruências desta Igreja tão cheia de falhas que prega a fraternidade mas, na prática, mostra-se por vezes tão intolerante. Na mesma linha, dei também com a divulgação de que o papa Bento XVI teria mais uma vez se contraposto ao casamento gay, tanto no blog Entre Nós quanto no Basta Homofobia.

Diante da irritação e da revolta compreensivelmente geradas pela notícia, tal como foi divulgada, precisei me manifestar - e achei por bem reproduzir, aqui, o comentário que postei nos três blogs citados.

Aliás, acho também necessário chamar atenção para um detalhe: o trecho citado da carta do papa não expressa um posicionamento direto contra o casamento gay, apenas menciona o casamento entre homem e mulher. Não que eu queira tapar com a peneira o fato de que a atual postura oficial do Vaticano é que os gays deveriam adotar a continência, etc. Mas é preciso também tomar muito cuidado com a forma como as notícias vão sendo divulgadas e reproduzidas, pois muitas vezes essa forma serve apenas para acirrar os ânimos, alimentar ódios e intolerâncias de parte a parte e nos afastar cada vez mais de um diálogo verdadeiramente construtivo e conducente a um mundo efetivamente mais tolerante e fraterno, independente de posicionamentos políticos ou crenças religiosas.

E você, o que acha? :-)

Amigos,

Faço parte de um grupo leigo de gays católicos e me sinto compelida, aqui, a dar meu testemunho.

Entendo perfeitamente e faço eco à dor e à raiva que são quase inevitáveis para nós, como gays, diante de certos posicionamentos do Magistério. E acho fundamental que certas confusões e misturas indevidas - como quando crenças religiosas se imiscuem no debate político e influenciam questões de cidadania em países em que o Estado é laico - sejam esclarecidas e desfeitas. Daí, aliás, a importância do tema proposto para a Parada Gay de SP este ano.

No entanto, e justamente porque acredito que confusões e misturas só servem para obscurecer a discussão, obstacularizar o diálogo e dificultar a busca de soluções e transformações necessárias, preciso salientar a importância de se discernir o que é o Magistério e o que é a Igreja.

A Igreja é uma multidão de gente. A Igreja sou tb eu e meus amigos. É um corpo gigante e mtas vezes pesado, e, mais importante que tudo, humano. E, como tal, está sujeito às falhas humanas. Por isso, tantas vezes ao longo da sua história como instituição a Igreja se afastou do ideal de amor e tolerância que é o cerne da mensagem do Deus que ela prega, ou deveria pregar, para tristemente perder-se em questões paralelas e, mtas vezes, jogos de poder que nada tinham nem têm a ver com sua verdadeira vocação.

Porém, nem tudo são trevas nessa história. Há tb na Igreja - e me refiro, repito, não só à cúpula - mtas pessoas inspiradas a fazer o bem e a lutar por um mundo verdadeiramente melhor. Mesmo o próprio magistério da Igreja não é um corpo uno e uníssono. Mesmo no magistério há vozes dissonantes, dissensões, debates e diálogo.

Assim a Igreja, ao longo de 2 mil anos de história, foi se transformando. Lentamente, penosamente; e, quase sempre, como em toda instituição humana, a partir do crescente clamor das bases.

Somos católicos porque a nossa espiritualidade só faz sentido assim. E somos membros dessa Igreja, apesar do que diz esta ou aquela pessoa, seja ela da cúpula da instituição ou não. Como seus membros, defendemos nosso direito inalienável de pertencer a ela, que ninguém pode tirar, e nos dedicamos a fazer a nossa parte (por menor que seja) para mudar aquilo que sentimos que deve ser mudado.

Principalmente, trabalhamos na acolhida daqueles que sofrem por se crerem excluídos de um corpo do qual são membros, e, pior, sem direito ao amor desse Pai em que cremos e que nos ama incondicionalmente - a todos, sem distinção.

Esperamos, assim, contribuir para que a história caminhe.

Caso queiram dar continuidade a essa conversa, façam uma visita ao nosso site e blog. Temos 3 posts que talvez interessem particularmente a essa discussão: "Ser gay e ser católico", "Nosso testemunho" e, provavelmente o melhor, "Ficar ou sair da Igreja?", de um jesuíta americano.

Um grande e fraterno abraço,

Cris


* * *

Atualização de 22/03/2011:
Bom, após um comentário no blog do Tony Goes elogiando a nossa paciência, mas expondo seu desânimo e sua descrença qto à possibilidade de transformações por parte da Igreja, acrescentei o seguinte:

Querido Paulo,

Foi sempre assim que a Igreja, como qualquer grande instituição humana, mudou: de baixo para cima. Tb acho que as mudanças são prementes e imprescindíveis. Espero, de coração, que a Igreja consiga se reinventar mais uma vez, apesar das tensões entre forças contrárias em seu seio.

De nossa parte, procuramos ser coerentes com o que acreditamos e fazer aquilo que sentimos ser o certo, sobretudo para minorar o sofrimento de tantos que se creem obrigados a escolher entre ser gay ou ser católico. Ter de escolher qualquer um dos dois é uma violência inominável.

Não creio que se trate tanto de paciência, mas de perseverança (que, não por acaso, é um dos nossos valores centrais). Essa perseverança, porém, não é gratuita. O que nos move é o fato de que, por muitos motivos, para nós, a identidade religiosa, como a orientação sexual, não é uma escolha. :-)

A esse respeito, convido-o a ler nosso post de hoje: Permanecer e transgredir.

Um grande abraço! :-)

Cristão e homossexual: um desafio


“No contexto da luta em favor da cidadania, religiosa e civil, é importante que se mantenha a discussão em torno da qualidade das relações (homo ou heteroafetivas) e da igualdade de direitos que mecanismos de legitimação religiosa ou política garantem às pessoas, que, assim, estruturam suas relações.” É essa a posição do teólogo luterano André Musskopf sobre a união entre pessoas do mesmo sexo, em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line. Para ele, o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo “não busca apenas afirmar publicamente estas relações, mas garantir direitos muito concretos, aos quais todas as pessoas que vivem dentro do instrumento jurídico do casamento heterossexual têm acesso sem, muitas vezes, se darem conta”. Musskopf é pesquisador na área de Teologias GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), Teoria Queer e Estudos de Gênero e Masculinidade. Graduado em Teologia, pela Escola Superior de Teologia (EST), é mestre em Teologia, também pela EST, com dissertação intitulada "Ministérios Ordenados e Teologia Gay - Retrospectiva e Prospectiva", sobre a ordenação de pessoas homossexuais, e concluiu seu doutorado em Teologia no Instituto Ecumênico de Pós-Graduação das Faculdades EST, com a tese "Via(da)gens teológicas, itinerários para uma teologia queer no Brasil" . É autor de "Uma brecha no armário - propostas para uma teologia gay" (São Leopoldo: Sinodal, 2002) e organizador, juntamente com Marga J. Ströher e Wanda Deifelt, do livro "À flor da pele - Ensaios sobre gênero e corporeidade"(São Leopoldo: Sinodal, EST, CEBI, 2004).

O senhor defende uma teologia gay/queer. Como essa reflexão pode ajudar na mudança de paradigma sobre o casamento homossexual como tabu para as igrejas cristãs?
Quando falo sobre teologia gay/queer, em primeiro lugar, me refiro ao resgate da cidadania religiosa de pessoas que não se enquadram, por suas práticas sexuais e identidades de gênero, no padrão heterocêntrico. Como “cidadania religiosa” entendo, na área da teologia, o direito e a necessidade de incorporar a experiência destas pessoas na reflexão teológica que foi sempre feita, tanto em sua epistemologia quando na formulação de dogmas e doutrinas, desde a perspectiva de um determinado tipo de experiência heterossexual que se supõe superior e que divide as pessoas dualística e hierarquicamente. Já no âmbito da prática religiosa, esta “cidadania” inclui também o direito à vivência da espiritualidade numa comunidade de fé que respeite, valorize e integre a experiência particular destas pessoas. Dentro desta perspectiva, uma teologia gay/queer também pressupõe, com relação às relações afetivas entre as pessoas, que os mesmos direitos e as mesmas formas com que são publicamente reconhecidas as relações de pessoas heterossexuais sejam usadas para pessoas homossexuais, como no caso das “uniões homoafetivas”. Assim, na medida em que a teologia gay/queer provoca mudanças com relação ao papel das pessoas homossexuais no contexto das igrejas, ela, concomitantemente, provocará mudanças com relação à forma como são compreendidas e reconhecidas as suas relações. Mas, tanto no nível da reflexão teológica quanto no nível das práticas religiosas, há um longo caminho a ser percorrido.

Ainda assim, defender o “casamento homossexual” enquanto intelectual militante, mesmo no campo da Teologia e das igrejas, significa lidar com paradoxos e contradições. Em primeiro lugar, com relação à própria idéia de “casamento”. As teologias gay/queer, assim como as teologias feministas, têm defendido, no contexto do questionamento do heteropatriarcado, a mudança dos princípios éticos que norteiam as relações humanas. Têm afirmado a amizade e a afetividade, por exemplo, em contraposição à propriedade e privatização dos corpos, regulamentadas pela noção tradicional de “casamento”. Neste sentido, ao defender o reconhecimento das relações homoafetivas através dos ritos das igrejas, tendo em vista a igualdade de direitos, pressupõe-se que esta discussão não apenas mude os paradigmas com relação a estas relações em particular, mas de todas as relações humanas. Assim, em segundo lugar, também se torna necessário discutir o papel social que esta instituição religiosa representa. Mesmo em termos teológicos, existem diferentes concepções sobre “casamento”. Enquanto na Igreja Católica Apostólica Romana o casamento constitui um sacramento, nas igrejas descendentes da Reforma, o ritual religioso representa uma “benção matrimonial”, embora nem sempre seja compreendida desta forma. O “casamento” acontece no âmbito civil e é “abençoado” no contexto da comunidade religiosa. Esta diferença parece ter sido responsável, em alguns países, pela maior aceitação de “cerimônias de união entre pessoas do mesmo sexo”, até mesmo por parte de algumas igrejas. Desta forma, no entanto, corre-se o risco de criar um “casamento de segunda linha”, o qual seria destinado às uniões não-heterossexuais, por não preencherem os requisitos de uma “verdadeira” união. A mesma discussão acontece no âmbito civil, no qual há grande resistência de equiparar as uniões homoafetivas, e mesmo de usar o mesmo termo, ao casamento heterossexual. Por isso, no contexto da luta em favor da cidadania, religiosa e civil, é importante que se mantenha a discussão em torno da qualidade das relações (homo ou heteroafetivas) e da igualdade de direitos que mecanismos de legitimação religiosa ou política garantem às pessoas, que, assim, estruturam suas relações.

Em que sentido os homossexuais cristãos podem ser citados como exemplo de fé, já que, conforme suas palavras, “não desistem da sua religiosidade nem de expressar e vivenciar suas crenças”, mesmo com “as discriminações e perseguições que sofrem em virtude da sua orientação sexual”? O homossexual cristão também quer se sentir amado pelo seu Deus, não?
Afirmar-se publicamente como cristão e homossexual ainda causa grande surpresa para muitas pessoas. Não é de se espantar que, diante dos posicionamentos homofóbicos e discriminatórios da maioria das igrejas cristãs, elas mesmas considerem uma contradição que alguém possa afirmar a sua sexualidade fora dos padrões por ela defendidos como verdadeiros e únicos (leia-se heterossexualismo)  e, ao mesmo tempo, como crente em Jesus Cristo e fiel à tradição cristã. Também não é de espantar que pessoas homossexuais considerem esta afirmação simultânea contraditória, uma vez que o discurso das igrejas cristãs tem sido um dos maiores combustíveis da homofobia e do heterossexismo do qual são vítimas. Mas um número crescente de pessoas tem optado por não abandonar a sua fé e a tradição religiosa na qual cresceram ou se vincularam por expressarem a sua experiência de fé, mas questionar aqueles aspectos desta tradição que têm sido usados para alijá-lo de sua comunidade de fé e impedir o seu crescimento e amadurecimento enquanto pessoa de fé. Neste sentido, o “homossexual cristão” se sente amado por Deus – sempre que a pregação preconceituosa das igrejas não abala esta relação – e por se sentir amado é que pode afirmar-se assim, muitas vezes a despeito dos discursos e das práticas das instituições religiosas. Embora muitos/as assumam uma postura apologética com relação a estas instituições e, conseqüentemente na sua relação com a divindade, acredito que a articulação de teologias gay/queer e a luta pela cidadania religiosa de pessoas GLBT sejam expressões desta relação e desta certeza que antecede e que motiva o engajamento nestes movimentos.

O senhor percebe que as igrejas cristãs já estão caminhando em direção a um avanço no sentido de ver a união civil entre pessoas do mesmo sexo com outros olhos?
No Brasil, não conheço nenhuma discussão, a não ser nas igrejas e grupos cristãos GLBT, sobre a união entre pessoas do mesmo sexo no âmbito eclesiástico. Na verdade, a partir de minha pesquisa e experiência, percebo que este é o ponto nevrálgico das discussões em torno da homossexualidade, o que prova que o “casamento” é, de fato, o pilar da sociedade heterocêntrica. Na minha pesquisa sobre a ordenação de pessoas homossexuais ao ministério eclesiástico nas igrejas luteranas dos Estados Unidos (ELCA) e no Brasil (IECLB) (veja Talar Rosa – Homossexuais e o Ministério na Igreja. São Leopoldo: Oikos, 2005), o reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo é o que tem impedido o avanço no âmbito da ordenação ministerial. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, há uma crescente aceitação de pastores/pastoras homossexuais, não apenas com índices cada vez maiores de aprovação nas votações das assembléias, mas com comunidades chamando pastores/as assumidamente homossexuais para exercerem as funções ministeriais. Até o momento, no entanto, tanto na ELCA quanto na IECLB, as diretrizes das igrejas afirmam não ordenar “homossexuais praticantes” (leia-se não-celibatários). O motivo, ainda que revele uma profunda contradição para a teologia luterana, tendo em vista a imposição do celibato, é que para ordenar “homossexuais praticantes” será necessário reconhecer as suas relações. Assim, enquanto há uma compreensão mais aberta com relação às pessoas homossexuais e sua participação na vida da Igreja, isto não se espelha no reconhecimento das suas relações afetivas no interior das igrejas. Por isso, diante da contradição interna que gera a defesa da união civil entre pessoas do mesmo sexo, as igrejas têm mantido silêncio, quando não alardeando sua oposição a este instrumento, na defesa de direitos humanos e civis das pessoas homossexuais.

Em relação à união civil homossexual, quais são as principais dificuldades de quem assume a não-heterossexualidade, principalmente no âmbito social?
Uma das questões que procuro sempre enfatizar nas minhas intervenções públicas sobre os direitos de pessoas não-heterossexuais é o fato de que, embora exista um senso comum de que a luta por tais direitos (que algumas pessoas chegam a definir como “especiais”) reflete apenas um modismo ou uma extravagância por parte das pessoas e grupos GLBT, trata-se, na verdade, de questões centrais para a dignidade e a cidadania dessas pessoas. O reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, não busca apenas afirmar publicamente estas relações, mas garantir direitos muito concretos aos quais todas as pessoas que vivem dentro do instrumento jurídico do casamento (neste caso heterossexual) têm acesso, sem, muitas vezes, se darem conta. Em uma fala na Câmara de Vereadores/as de São Leopoldo, no contexto da discussão dos Projetos de Lei propostos pela Vereadora Ana Affonso, que criminalizam a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, procurei enumerar alguns destes direitos:

No Brasil, em virtude da nossa constituição e do código civil, casais e arranjos familiares de pessoas do mesmo sexo:
- não podem casar e não adotam o sobrenome do/a parceiro/a;
- não podem somar renda para aprovar financiamento ou alugar imóveis;
- não inscrevem o/a parceiro/a como dependente no serviço público, da Previdência Social ou no plano de saúde;
- não fazem declaração conjunta de IR e não podem abater gastos médicos e educacionais ou deduzir rendimentos em comum;
- não são reconhecidos como entidade familiar, mas como sócios/as e não têm suas ações legais julgadas pelas Varas de Família;
- não participam de programas do Estado vinculados à família e não recebem abono-família;
- não têm pensão alimentícia, nem direito à metade dos bens em caso de separação;
- não adotam filho/a em conjunto, não podem adotar filho/a do/a parceiro/a e não têm direito a licença maternidade/paternidade em caso de adoção;
- não têm licença-luto na morte do/a parceiro/a, não recebem auxílio-funeral e não têm direito à herança;
- não têm direito à visita íntima na prisão, não podem autorizar cirurgia de risco e não podem ser curadores/as do/a parceiro/a incapaz.

E a lista poderia continuar. O mesmo pode ser dito com relação aos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. São direitos que, em virtude da orientação sexual e da identidade de gênero, são negados e violados diariamente, enquanto são automaticamente resguardados ou pelo menos defendidos no caso de pessoas heterossexuais. Isto, sem dúvida, compromete a dignidade e o exercício pleno da cidadania das pessoas GLBT.

Na sua opinião, as uniões homoafetivas representam uma ameaça à família, da forma como ela é tradicionalmente concebida?
Graças a Deus! Acredito que o grande mérito e a grande promessa dos movimentos sociais ligados a questões de gênero e sexualidade (como os Movimentos Feminista e GLBT) seja justamente questionar padrões de relacionamento socialmente sancionados e estabelecidos que oprimem as pessoas e impedem-nas de realizar-se e crescer enquanto seres humanos. Isso não significa dizer que o “casamento” ou a “família” tradicionalmente concebidos sejam, em si, opressores, mas que eles assim se tornam quando são espaços que protegem e até promovem relações injustas, como é o caso com relação aos altos índices de violência doméstica e da estigmatização de mulheres “mães solteiras” ou divorciadas. Por isso, a grande oportunidade que a discussão em torno do casamento ou da união entre pessoas do mesmo sexo oferece é discutir de que forma os modelos de relacionamento e arranjos familiares oprimem ou libertam as pessoas e quais os instrumentos jurídicos necessários e capazes de proteger e promover estes modelos e arranjos. O risco tem sido muito mais o contrário: o de trasladar padrões heterocêntricos para relacionamentos homoafetivos, mantendo justamente os seus elementos opressores. É o que se tem em mente, em geral, quando se afirma que os relacionamentos homoafetivos são “iguais” aos relacionamentos heteroafetivos, apontando não para a igualdade de direitos, mas para os padrões de relacionamento que repetem padrões de gênero e sexualidade heterossexistas.

O que deve fazer parte de uma reflexão moral sobre o amor homossexual?
Em meu primeiro livro, "Uma brecha no armário", abordei a questão ética na experiência homossexual e afirmei, a partir de Mary Hunt , a amizade como critério para as relações. Esse me parece ainda válido sempre que se compreenda a amizade como expressão de mutualidade, formação de comunidade, não-exclusivismo, flexibilidade e direcionada para a outra pessoa. Também penso ser importante considerar as especificidades da experiência homossexual, as quais não estão ligadas a questões “essenciais”, mas, em geral, advém de uma conjuntura social que oprime e discrimina as pessoas homossexuais e precisam ser analisadas e avaliadas dentro dela. Este é o caso, por exemplo, da experiência de múltiplos parceiros sexuais que faz parte da vida de muitos homens gays e que tem sido rotulada como forma de “promiscuidade” pelos moralistas de plantão, tão prontos a emitir julgamentos sobre o que, em geral, não conhecem. Não quero afirmar nem que todas as pessoas homossexuais vivem sua sexualidade desta forma, nem que esta é a maneira ideal de se conceber tais relacionamentos, mas apontar para o fato de que, em qualquer discussão ética ou moral, é preciso considerar as especificidades das experiências das pessoas sobre as quais se quer emitir um juízo. Estas especificidades, no entanto, não devem reforçar a existência de padrões duplos no campo da ética sexual. Pelo contrário, elas levantam questionamentos para as concepções normativas da sexualidade e apontam para a necessidade de eliminar qualquer padrão duplo e repensar a ética sexual como um todo desde outra perspectiva, por exemplo desde a amizade.

Como a homossexualidade aparece na Bíblia? Esses textos ajudam a subsidiar uma reflexão sobre o casamento gay?
Em primeiro lugar, a homossexualidade não aparece na Bíblia, pois este é um conceito criado nos séculos XIX e XX para falar de relações entre pessoas do mesmo sexo. Isto não significa que as narrativas bíblicas não apresentem ou não falem de relacionamentos homoafetivos ou homoeróticos. Estes, no entanto, precisam ser analisados dentro do contexto em que estas narrativas surgiram, no processo de transmissão até sua fixação por escrito.  Em segundo lugar, tendo em vista o que afirmei acima sobre o fato de que o “casamento gay”, ou “casamento homossexual”, ou “união entre pessoas do mesmo sexo”, não pode ser visto isoladamente, mas dentro do questionamento e da busca por relações mais justas e libertadoras, a Bíblia é uma fonte importante e teologicamente imprescindível para esta discussão e construção dentro das igrejas cristãs. Assim, é preciso considerar a Bíblia como um todo, e que tipo de relações as suas narrativas subsidiam. Os mesmos critérios e as mesmas diretrizes devem ser aplicadas a todas as pessoas e a todas as relações. Então, por exemplo, a narrativa sobre a rainha Vasti (livro de Ester, capítulo 1) pode subsidiar a reflexão sobre as uniões homoafetivas, embora não necessariamente contenha personagens homossexuais, por apresentar um questionamento e resistência ao heteropatriarcado.  Além disso, a exegese bíblica gay e a teologia gay têm resgatado e reinterpretado outros textos bíblicos que, através da identificação dos/as leitores/as e intérpretes com a narrativa bíblica tornam possível fazer uma discussão fecunda sobre as relações homoafetivas. Este é o caso com relação aos textos que falam de Jônatas e Davi (livro de Samuel), Rute e Noemi (livro de Rute), o centurião e seu “servo” (livro de Mateus capítulo 8.5-13), por exemplo.  Mas, embora estas análises e interpretações sejam importantes e até fundamentais para recuperar a auto-estima e ajudar no desenvolvimento da espiritualidade de pessoas homossexuais, não acredito que elas garantam a aceitação e o respeito da homossexualidade e das relações homoafetivas por aqueles e aquelas que se posicionam contra estas experiências – vide a grande e interminável discussão exegética e hermenêutica em torno destes textos. Isto se deve principalmente ao fato de que princípios hermenêuticos distintos são empregados no processo de interpretação. Enquanto aqueles e aquelas que afirmam a negação da experiência homoafetiva a partir da Bíblia julgam oferecer uma interpretação literal, que de fato não é, aqueles e aquelas que percebem nestes textos a possibilidade de afirmação desta experiência interpretam os textos justamente a partir dela, encontrando, então, narrativas que falam dos dilemas e dos desafios que enfrentam na sua vida cotidiana. A Bíblia sempre é lida e interpretada dentro de um contexto e, por isso, interpretações que consideram e valorizam a experiência homossexual tanto são instrumentos importantes na luta pela garantia de direitos e reconhecimento das relações homoafetivas quanto são fruto de novas concepções e idéias acerca destas experiências.

Publicado originalmente na Revista IHU Online em 7 de abril de 2008 ("Uniões homoafetivas. A luta pela cidadania civil e religiosa")
Texto: Graziela Wolfart

terça-feira, 15 de março de 2011

Ateus e crentes unidos pela esperança

Ilustração: Danna Ray

Teólogo da esperança e da cruz, Jürgen Moltmann solicita aos cristãos que se lancem “no mundo dos não crentes para anunciar aquele Deus “que está com os sem Deus”. O pensador protestante saúda como “urgente e necessária” a abertura de um confronto entre laicos e cristãos sobre Deus, como sugeriu Bento XVI.

A entrevista é de Lorenzo Fazzini e publicada pelo jornal Avvenire, 03-02-2011. A tradução é de Benno Dischinger. Reproduzimos o texto via IHU.

Eis a entrevista.

Sua reflexão centrou-se na esperança. Como pode ela interagir no intercâmbio entre crentes e não crentes?

Não existe uma clara linha de delimitação entre crentes e não crentes, como entre cristãos e muçulmanos. A fé é universal, como o é a incredulidade. Em cada crente se encontra a incredulidade e em cada ateu a fé. Em cada ser humano se desenvolve um diálogo entre fé e incredulidade: “Senhor, eu creio, mas ajuda-me na minha incredulidade”, grita o pai do jovem enfermo no Evangelho de Marcos. Ninguém está satisfeito com a própria incredulidade. A esperança é mais ampla porque ligada ao amor pela vida. Esperamos enquanto respiramos e, se duvidamos e ficamos tristes, a esperança perdida nos atormenta. Onde a esperança é destroçada na vida inicia a violência e a morte.

O que nos oferece a fé cristã?

O cristianismo constitui a “religião da esperança”: quem espera em Deus tem sempre abertos novos horizontes. A fé é esperança confiante: o futuro não é extrínseco ao cristianismo, e sim o elemento de sua fé, a nota sobre a qual se afinam suas canções, as cores com as quais são pintados os seus quadros. Uma esperança viva desperta todo o nosso sentido pelo novo dia e nos locupleta com um amor maravilhoso pela vida, já que sabemos que somos esperados e, quando morrermos, nos espera a festa da vida eterna. A esperança abraça crentes e ateus porque Deus espera em nós, nos acolhe e não abandona ninguém.

O senhor escreveu muito sobre a Cruz, que parece não mais interessar à Europa. O crucifixo pode voltar a ser eloquente?

A questão de Deus e da dor é o ponto de partida do moderno ateísmo europeu. Morre uma criança enquanto milhares de pessoas são mortas e inocentes caem pela mão terrorista. E onde está Deus? À antiga interrogação da teodicéia não há resposta: se Deus é bom e onipotente, por que o sofrimento? Se Deus quer o bem, mas não impede a dor, ele não é bom. A melhor justificação de Deus, diz quem o denigra, é de não existir. Mas, o ateísmo é uma resposta? Se Deus não existe, por que o sofrimento sobre a terra? Não nos serve um Deus a ser acusado? Esta discussão sempre me pareceu teórica.

Como enfrentar tal escândalo?

Para quem é atormentado pela dor, não se trata de obter uma resposta a um porquê: ele procura uma ajuda para sair da dor.

Quando eu estava em perigo de vida não me perguntei por que eu me encontrava naquela situação: solicitei ajuda chorando e clamando. Uma divindade boa e onipotente não pode ajudar-nos. No cerne do cristianismo encontra-se a paixão de Deus sobre a cruz de Cristo. Nisso se revela uma paixão pela vida plena de misericórdia pelas devastações da vida. ‘Somente o Deus sofredor pode ajudar’, escreveu Bonhoeffer na cela, olhando o Deus crucificado. No Cristo moribundo a dor de Deus encontrou sua expressão humana. Deus sofre as nossas penas. Cristo vem para procurar o que está perdido e ele mesmo se dá por perdido para encontrar os perdidos. Quem se avizinha de Cristo toma parte na dor de Deus e percebe sua desolação. Isso sucedeu a João Paulo II e à Madre Teresa.

Com avalia o convite de Bento XVI para um novo diálogo entre crentes e ateus?

A iniciativa do Papa é excelente, urgente e necessária. Se a teologia se retira num espaço fechado, o povo perde interesse por Deus. Isto não é somente um problema religioso, mas também uma questão pública. Após 1945 era muito viva a procura de Deus com respeito a Auschwitz. O ateísmo foi debatido tão asperamente a ponto de o escritor Heinrich Boll dizer: “Não me agradam estes ateus, pois falam sempre de Deus”. Após o refluxo para felicidade privada o interesse por Deus desapareceu. Desde então aumentou o número de quantos o perderam e não sentem a falta da fé. Para instaurar um diálogo com eles, os cristãos devem deixar os muros da Igreja e andar no mundo. Os padres operários franceses andaram pelas fábricas e os teólogos da libertação andaram no meio do povo oprimido, compartilhando seu destino. Agora os acadêmicos andam entre os cultos e compartilham suas dúvidas.

“Luzes, religiões e razão comum” é o título do Átrio dos gentios em Paris. Como enfrentar tais temáticas?

Quando Paulo, em Atenas, se conectou ao ‘Deus desconhecido’, não teve grande sucesso. Não se pode pregar um Deus desconhecido, pois não se sabe se será bom ou mau. Mas, pode-se chamar o ‘Deus escondido’ e clamar. Os judeus chamam Hester panim a face oculta de Deus. Quem o percebe, chama a si a face manifesta de Deus. Não sei se a expressão ‘diálogo’ seja adequada: um diálogo tem o objetivo de fazer conhecer melhor os dialogantes. Isso acaba quando um interlocutor é convencido. Isso não acontece, ao invés, em relação às experiências de Deus.

Por isso, o discurso com os não crentes é muito diverso do diálogo inter-religioso. O confronto entre fé e incredulidade exige que a Igreja dirija o seu coração ao exterior. Deve fazê-lo a todos os ateus sinceros: dize o que crês e crê no que dizes. Leva a sério as perguntas e as acusações de quem não pode crer, e procura junto com ele uma resposta de Deus. Já por demasiado tempo o povo relegou o cristianismo ao ângulo da fé e exaltou o diálogo ente as religiões para prosseguir imperturbada com a secularização. É hora de a fé cristã sair deste ângulo: Cristo não fundou uma nova religião, mas trouxe vida nova!.

O senhor descobriu Cristo durante a última guerra. Em geral se consideram as experiências do mal como causas de afastamento de Deus. De que modo tais realidades podem aproximar-nos dele?

Aos 16 anos eu queria estudar matemática e a religião era muito distante do ‘laicismo’ de minha casa. Em 1943 me alistei como soldado, e sobrevivi à tempestade que destruiu Hamburgo com 40.000 mortos. Quando o amigo junto a mim foi dilacerado por uma bomba, por primeira vez clamei a Deus. Experimentei como se ele ocultasse sua face.

Feito prisioneiro, recebi uma Bíblia: os Salmos das lamentações exprimiam o que eu experimentava. Entendi que Cristo é aquele que nos entende e que ele veio para procurar o que está perdido: é aquele que nos encontra. Por vontade de Cristo comecei a ter confiança em Deus. Não terei chegado à idéia que existe um Deus e que Deus é amor apaixonado e disposto a sofrer. Na guerra experimentei como é o abandono de Deus. Por isso, creio que Deus esteja com os sem Deus. E que ele possa ser encontrado entre eles. É neles que Deus aguarda aqueles que crêem.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Sementes de chumbo e de vento



No dia seguinte às Cinzas, a liturgia, através do Evangelho, nos coloca de frente com a viagem de Jesus para o seu Mistério Pascal e, diretamente, dirige-se a cada um de nós: "Se alguém quiser me seguir..." (Lc 9, 23). Todo o tempo quaresmal é colocado sob o símbolo do caminho, da marcha no deserto, e o Tríduo Pascal não será outra coisa senão o memorial de uma passagem, que comporta sempre o partir. O Senhor fala de si mesmo e de seu mistério, que vai se realizando na liberdade, mas, falando de si mesmo, convida o seu discípulo a escolher estar com Ele – mais precisamente, a caminhar atrás dEle – enquanto Ele conduz o trem da vida e da história.

Este modo de conceber a vida e o discipulado comporta uma clareza profunda sobre a viagem que já começamos e que que exige, sempre de novo, ser escolhida, para poder continuá-la. Como em cada viagem, o ponto de partida deve ser claro, como do mesmo modo, deve ser clara a meta, e ainda, é necessário escolher bem o meio de transporte. E sobre este último ponto, o Senhor não deixa dúvidas: "Tome a sua cruz cada dia" e, quase como se fosse o chefe do trem que dá o sinal
de partida, acrescenta: "e me siga" (Lc 9, 23).

O Deuteronômio nos faz sentir, com força, o desejo que Deus tem por nós e sobre nós: "Escolhe, pois, a vida" (Dt 30,19). É à vida que o Senhor nos convida, na sua forma mais plena e perfeita, que é, justamente, a ressurreição, mas, na sua honestidade, o Senhor não cala sobre o preço que a verdadeira vida comporta. Ao Senhor interessa a nossa "vantagem" (Lc 9,25), mas não nos engana, como faria um agente de publicidade que faria um elenco de todas as vantagens ao comprar um produto, sem deixar espaço para as implicâncias de tê-lo em casa. O Senhor, ao contrário, declara imediatamente o alto preço do seguimento, e é justamente à partir dele que podemos imaginar o seu valor incalculável. A cruz é este meio que nos parece carregarmos sobre nós, e ao contrário, é ela que nos carrega sobre si, como a madeira e como a arca de Noé, permitindo-nos zarpar confiantes na direção da vida. O Senhor não nos fala de "cruzes" que a vida impõe – doenças, deficiências físicas, situações difíceis, relações dolorosas, lutos... – mas nos convida a ter coragem de abraçar "a Cruz" que consiste no saber renunciar a nós mesmos, ao nosso individualismo, com todo o seu cortejo de egoísmos, indiferenças, narcisismos e fechamento à presença e às necessidades de nossos irmãos. Se assumimos a cruz de Jesus como parâmetro e meio de transporte da nossa vida, então ela se torna o cruzamento do nosso encontro com Deus, com os outros e com a verdade de nós mesmos, naquela exigência sobre a qual retorna fortemente o texto do Deuteronômio: "Amando o Senhor […] obedecendo […] permanecendo unido a Ele" (Dt 30,20). Como amava repetir e repetir-se, o bispo Agostinho:
Amor meus, pondus meus - "Meu Amor, peso meu". O meu "peso", o meu valor diante de Deus, é a medida do amor que a minha vida é capaz de expressar.

Como diz Nathalie Nabert: "Caminhar com Cristo é uma aventura de despojamento, aquilo que se deixa ao longo da estrada, alivia e fortifica, ao mesmo tempo. Parte-se com sementes de chumbo e retorna-se com sementes de vento, tendo abandonado o supérfluo, como o centralizar-se em si mesmo, a cegueira do coração e as supostas certezas"*.
[Grifo nosso]

O Senhor Jesus insiste, amorosa e repetidamente, com uma nota temporal, "cada dia", porque as grandes e verdadeiras batalhas da vida não se vencem de uma vez para sempre. Porque a fragilidade, a infidelidade, a tentação de parar, fazem parte integrante do nosso êxodo, é preciso, cada manhã, retomar sempre com renovada paixão.


- Semeraro, M., La messa quotidiana, marzo, Bologna 2011, 96-98.

_______________
*N. NABERT, «Le compagnon de Carême», in Magnificat Hors-série 23(2010), 6.

domingo, 13 de março de 2011

Rezando vou

Foto: jucanils

Chega à rede um novo serviço de oração. A exemplo do Lugar Sagrado, sobre o qual já escrevemos aqui, e do Pray as You Go, site de jesuítas ingleses que começou suas atividades há três anos, a Espanha ganha agora o Rezando Voy. Para quem tem dificuldade com a língua inglesa, essa nova opção, em espanhol, talvez seja mais acessível.

Em ambos, a proposta é disponibilizar, em arquivos de áudio que podem ser ouvidos online ou baixados para a máquina ou mp3 player do usuário - no site inglês, a renovação é diária; no espanhol, será feita, a princípio, cinco vezes por semana.

“Costumamos pensar que para rezar é necessário serenar o ânimo, estar em um lugar especial, em condições especiais, em silêncio, dispondo de muito tempo e com alguma imagem, vela, símbolo que nos ajude... O fato é que é mais fácil do que imaginamos! (...) Para rezar basta ter vontade: você pode baixar a oração e escutá-la no caminho para a faculdade, enquanto faz as compras, espera no ponto de ônibus, o tempo que tem que passar no carro, enquanto cozinha...”, sugerem os criadores do Rezando Voy.

Para saber mais, clique aqui ou visite os dois sites para conhecê-los: Pray as You Go e Rezando Voy.

Boa oração - e um bom domingo! :-)
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