sábado, 7 de maio de 2011

Deus em Lady Gaga: um hino aos marginalizados


As músicas de Lady Gaga são um hino para os marginalizados, na opinião de Helen Lee, especialista em teologia e comunicação da Fordham University, nos EUA.

O artigo foi publicado no sítio Busted Halo, revista eletrônica dos padres paulinos dos Estados Unidos, 11-02-2010, e reproduzida via IHU. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O single de Lady Gaga Born This Way é um hino ao diferente. A música oferece palavras de encorajamento a todos que estão às margens da sociedade, incluindo homossexuais, membros de minorias raciais e até mesmo os "deficientes". Ela afirma que "Deus não comete erros" e depois acrescenta:
Se as deficiências da vida [Whether life’s disabilities]
deixaram você desamparado, assediado ou provocado [left you outcast, bullied or teased]
regozije e ame-se hoje [rejoice and love yourself today]
Porque, baby, você nasceu assim [’cause baby, you were born this way].
Gaga está espalhando as boas novas de Jesus Cristo, seja intencionalmente ou não. Suas opiniões sobre o celibato, sobre a força pessoal e a individualidade certamente são louváveis. E muito mais convincente é o que ela tem a dizer sobre a natureza humana e o sofrimento humano.

Ao contrário de Madonna, a quem ela é muitas vezes comparada, Lady Gaga parece compreender que a natureza humana não é redutível ao sexo. Os seres humanos são complicados, e Gaga capta isso. Podemos ser feios – é verdade –, mas Gaga entende que a beleza humana só tem sentido em contraste com a feiura humana. Então, sim, somos monstros (decaídos), mas, como diz a canção, "nascemos para sobreviver" (nascidos para a vida eterna).

Pelo fato de a Lady Gaga ser capaz de abraçar o feio e, ao fazer isso, abraçar o bonito, ela tem uma sensibilidade e um apreço pelo inevitável sofrimento humano. Ela reconhece que as pessoas lutam constantemente com a sua natureza decaída, incertas de seu potencial para serem boas. Ela reconhece que a vida deixa as pessoas para baixo. E, assim como ela sempre impele seus monstrinhos [como ela chama seus fãs] a amar a si mesmos, ela acrescenta (em Born This Way):
Seja prudente [Give yourself prudence]
e ame seus amigos [and love your friends].
A partir da sua atenção ao sofrimento humano, ela me lembra do tema cristão da união dos sofrimentos pessoais aos sofrimentos de Cristo. Gaga está exigindo que os marginalizados sejam visto como valiosos, bonitos, por serem pessoas como Cristo.

Lady Gaga, sem dúvida, é excêntrica. Ela pode ser grotesca. Ela pode ser vulgar. Mas é um modelo de virtudes cristãs, precisamente porque parece improvável que ela o seja. Ela tem o potencial de introduzir Deus a tantas pessoas, precisamente porque não parece que ela esteja fazendo isso. Lady Gaga está dizendo a um público enorme e dedicado que Deus o ama.

* * *

Em outro artigo interessante, também reproduzido via IHU, a relação do novo vídeo de Lady Gaga [Judas, lançado na quinta-feira passada] com a religião e por que os inimigos de Gaga devem odiá-la são analisados por Phil Fox Rose, coordenador-assistente da rede católica Contemplative Outreach, de Nova York e colunista de espiritualidade pessoal do sítio Busted Halo, revista eletrônica dos padres paulinos dos Estados Unidos, 05-05-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O vídeo para a música Judas de Lady Gaga estreou, encerrando semanas de especulação levantada por vários porta-vozes religiosos que o denunciaram antes de vê-lo. O vídeo se centra em uma gangue de motociclistas. Jesus é o líder. Judas é um membro grosseiro. E Gaga está dilacerada devido à sua atração por ambos.

Como uma primeira reação rápida ao videoclipe, achei-o tocante, tanto artística quanto espiritualmente. O que sempre me fascinou e me frustrou é a desconexão entre os inimigos de Gaga e o que eu e alguns de meus amigos vemos em seu trabalho. Muitos dos meus amigos jovens-adultos religiosos gostam de Gaga. Grande parte dos demais não têm nenhum problema sério com ela. Eles entendem o que ela está tentando fazer, mesmo que não seja do seu gosto. Isso também é verdade entre os católicos, os protestantes da linha principal e os evangélicos. Então, por que Gaga estimula uma pessoa devota e intimida outras?

Alguns afirmam que Gaga explora símbolos cristãos e especialmente católicos pelo valor de choque, ao invés de admitir que poderiam fazer parte de uma tentativa honesta de lutar com as questões espirituais. Eu acho que alguns críticos simplesmente têm dificuldade em acreditar que alguém como Gaga possa ser sincera. Ou talvez essa seja apenas a maneira mais fácil de repudiar o seu trabalho.

Não me interpretem mal. Eu me escondi ao vê-la vestida em uma fantasia de freira fetichizada no clipe Alejandro, que, entre os seus hits, tinha até então o menor valor redentor. Mas eu realmente acho que ela estava tentando expressar algo sinceramente, externalizar seus conflitos mediante o imaginário.

No vídeo Judas, Gaga (aparentemente como Maria Madalena, apesar de alguns versos da história serem obscuros tanto na letra quanto no vídeo) passeia com Jesus em uma gangue de motociclistas, enquanto suspira pelo bad boy Judas, um fora da lei bêbado que também está na gangue. Vemos Gaga se afastando de Judas em favor de Jesus várias vezes. Em um ponto, ela lava os pés de Jesus pouco antes dos versos mais notáveis da música:
Eu quero amar você [I wanna love you]
Mas algo está me puxando para longe de você [But something’s pulling me away from you]
Jesus é a minha virtude [Jesus is my virtue]
Judas é o demônio ao qual me agarro [Judas is the demon I cling to]
O diretor de criação de Lady Gaga, Laurieann Gibson, descreveu o processo criativo pelo qual a equipe passou na finalização do vídeo Judas desta forma: "Foi incrível, porque ter essa conversa sobre salvação, paz e a busca da verdade, em uma sala com não crentes e pessoas que creem, para mim, foi dizer que Deus está ativo de forma muito grande".

Isso não é algo da música pop. É um fenômeno cultural. E que, talvez, seja onde cheguemos à raiz do problema que alguns têm com Gaga. Diferentemente de qualquer outra estrela pop atual de nível mundial, Gaga escreve, fala e luta abertamente com as questões espirituais em quase todas as canções que ela escreve. O mais chocante na nossa cultura atual é que ela menciona Jesus pelo nome. Em Judas, ela diz: "Jesus é a minha virtude". Em You and I, sobre um antigo namorado que ela chama de Nebraska, Gaga diz: "Há apenas três homens aos quais eu servi toda a minha vida / Meu pai, Nebraska e Jesus Cristo".

Então, enquanto alguns podem querer rejeitá-la como falsa, maliciosa, é exatamente a autenticidade de Gaga que é uma ameaça. Enquanto um artista que canta explicitamente sobre sexo é claramente definido no seu papel fora do debate espiritual, Gaga se atreve a pular bem no meio dele.

E, enquanto ela está lá, com um púlpito excelente falando para milhões de pessoas, ela se atreve a dizer coisas como: "Eu sou bonita da minha forma, porque Deus não comete erros". Isso é muito mais perigoso nas mentes de algumas pessoas do que música pop vazia. Gaga chama seus fãs de "monstrinhos", sua forma de dizer que somos todos decaídos, todos imperfeitos, e que são os desajustados da sociedade que podem ensinar aos confortáveis uma coisa ou duas sobre o amor e a compaixão de Deus. E é isso o que ela está fazendo.

Disponível para o amor


"Cada um dá o que tem no coração, e cada um recebe com o coração que tem."

- Oscar Wilde

Rubens, será que dá? ;-)




Em semana de comemoração da conquista de direitos, nunca é demais lembrar de ícones como Cassia Eller... cuja morte talvez, tragicamente, tenha nos ajudado muito no feito desta semana. Afinal, disputa entre o pai de Cássia e sua mulher, Eugênia, pela guarda de seu filho na justiça foi, tanto pela ampla repercussão que teve quanto por seu resultado, um marco do direito homoafetivo no Brasil. :-)

Um bom fim de semana a todos!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Não julgueis, e não sereis julgados

Origami: Sipho Mabona

Não adianta negar. Todos estamos no meio daquela multidão em torno da mulher adúltera (Jo 8, 1-11). Julgamos, vivemos com a pedra na mão. Talvez por termos sido - todos nós - julgados pelos outros, retribuímos com a mesma moeda. Invertemos a frase de Jesus: Não julgueis, e não sereis julgados. (Mt 7, 1). Julgamos, criticamos, condenamos e desprezamos, porque já fomos julgados, criticados, condenados e desprezados. Na verdade, o ato de julgar, está gravado em nossa natureza humana. Digo mais: a capacidade de julgar é um dom de Deus, indispensável para tornar a nossa existência plena, realizada. Quem não sabe, ou não consegue julgar é alguém sem juízo. Na prática, usamos vários sinônimos para essa atitude, só para não dizer que estejamos julgando. Avaliamos, apreciamos, opinamos, supomos, cremos, achamos, etc. Surpreendentemente, queremos ser julgados (sim, mas sem usar esta palavra!). Quando saio à rua, estufo peito e encolho barriguinha, cuido da minha aparência: roupa, penteado, perfume, etc. (quem nunca fez isso, atire a primeira pedra!) Eu quero ser julgado. Julgado digno de atenção (quem sabe, posso virar a caça!). Percebemos agora que o problema não está em julgar, mas na maneira de julgar. Vale lembrar aqui que, assim como todos os dons de Deus, também a capacidade de julgar, foi distorcida dentro de nós, em consequência do pecado original. O Pe. Cantalamessa, em sua terceira pregação quaresmal deste ano na Casa Pontifícia, disse: O discurso sobre julgamentos é delicado e complexo. Se ficar pela metade, parece pouco realista. Como é que se pode viver sem julgar nunca? O juízo é implícito em nós até num olhar. Não podemos observar, escutar, viver, sem fazer avaliações, ou seja, sem julgar. Um pai, um superior, um confessor, um juiz, qualquer um que tenha responsabilidade sobre outros, precisa julgar. (...) Realmente, não é tanto o julgar que deve ser extirpado do nosso coração, mas o veneno do nosso julgar! O rancor, a condenação. Na redação de Lucas, o mandado de Jesus “Não julgueis e não sereis julgados” é seguido imediatamente, como para explicitar o sentido destas palavras, pelo mandado “Não condeneis e não sereis condenados” (Lc 6,37). Em si, julgar é uma ação neutra. (Leia na íntegra aqui). A primeira leitura de 11 de abril (Dn 13, 41c-62), complementa o assunto, com uma advertência do jovem Daniel: Sois tão insensatos, filhos de Israel? Sem julgamento e sem conhecimento da causa verdadeira, condenais uma filha de Israel? Voltai a repetir o julgamento, pois é falso o testemunho que levantaram contra ela! (vv. 48-49). A conclusão é esta: por mais que tenhamos sido incompreendidos, criticados, ridicularizados, condenados - por qualquer motivo - não vale a pena fazer o mesmo com o nosso semelhante. No "mundo gay", infelizmente, a atitude de atirar pedras, ainda é muito frequente. Será uma competição doentia? Ou, talvez, a reação insana de um coração traumatizado?

- Teleny, no excelente blog Retorno G-A-Y

quinta-feira, 5 de maio de 2011

União Civil e Nossa Voz




Diante das manifestações acaloradas destes últimos dias sobre o assunto que tanto nos interessa, uma vez que estamos dentro do escopo que publicamente (CNBB) se manifesta contra a união estável em defesa da família, daremos voz a esta mesma Igreja que tem poucas chances de mostrar as múltiplas faces que a compõem.

Em primeiro lugar a voz da CNBB representa uma estrutura de poder como qualquer outra instituição social. Portando, não representa uma voz plural dentro da diversidade que também é a Igreja. Prova disto é a nossa postura geralmente má compreendida pela hierarquia da mesma.

O Diversidade Católica partilha da mesma visão de pequenas vozes dissonantes da Igreja que entendem que família é o núcleo de manifestação de amor e afeto, independente do homem e da mulher.

Minha noção pessoal de família passa longe do “homem” e da “mulher”, estrutura patriarcal, heteronormativa onde a mulher tem papel submisso ao homem. Se a noção de família não for baseado no afeto e no amor onde ficam os filhos de pais divorciados? Os filhos criados pelos avós? Pelas tias? E a mãe independe que resolve ter um filho? E inúmeras outras variáveis.

A defesa da naturalidade não é argumento válido, pois no Concilio Vaticano II houve a o entendimento de uma “independência científica”, ou seja, a Igreja a partir de 1962 passou, ou pelo menos deveria passar a não intervir nas prerrogativas científicas, como a noção de “natural”. Veja: Homofobia, natureza, religião, direito e ignorância.

Estamos do lado da Igreja que entende que a família é uma célula social que deve ser regida pelo amor e não pela determinação de papeis sociais.

Espiritualidade pós-moderna


O que caracteriza os tempos pós-modernos em que vivemos, segundo Lyotard, é a falta de resposta para a questão do sentido da existência. Por enquanto, estamos na zona nebulosa da terceira margem do rio.

A modernidade agoniza, solapada por esse buraco aberto no centro do coração pela cultura da abundância. Nunca a felicidade foi tão insistentemente ofertada. Está ao alcance da mão, ali na prateleira, na loja da esquina, publicitada em todo tipo de mercadoria.

No entanto, a alma se dilacera, seja pela frustração de não dispor de meios para alcançá-la; seja por angariar os produtos do fascinante mundo do consumismo e descobrir que, ainda assim, o espírito não se sacia...

A publicidade repete incessantemente que todos temos a obrigação de ser feliz, de vencer, de nos destacarmos do comum dos mortais. Sobre esses recai o sentimento de culpa por seu fracasso. Resta-lhes, porém, uma esperança, apregoam os que deslocam a mensagem evangélica da Terra para o Céu: o caráter miraculoso da fé. Jesus é a solução de todos os problemas. Inútil procurá-la nos sindicatos, nos partidos, na mobilização da sociedade.

Vivemos num universo fragmentado por múltiplas vozes, frente a um horizonte desprovido de absolutos, com a nossa própria imagem mil vezes distorcida no jogo de espelhos. Engolida pelo vácuo pós-moderno, a religião tende a reduzir-se à esfera do privado; olvida sua função social; ampara-se no mágico; desencanta-se na autoajuda imediata.

Nesse mundo secularizado, a religião perde espaço público, devido à racionalidade tecnocientífica, ao pluralismo de cosmovisões, à racionalidade econômica. Sobretudo, deixa de ser a única provedora de sentido. Seu lugar é ocupado pelo oráculo poderoso da mídia; os dogmas inquestionáveis do mercado; o amplo leque de propostas esotéricas.

A crise da modernidade favorece uma espiritualidade adaptada às necessidades psicossociais de evasão, da falta de sentido, de fuga da realidade conflitiva. Espiritualidade impregnada de orientalismo, de tradições religiosas egocêntricas, ou seja, centradas no eu, e não no outro, capazes de livrar o indivíduo da conflitividade e da responsabilidade sociais.

Agora, manipula-se o sagrado, submetendo-o aos caprichos humanos. O sobrenatural se curva às necessidades naturais. A solução dos problemas da Terra reside no Céu. De lá derivam a prosperidade, a cura, o alívio. As dificuldades pessoais e sociais devem ser enfrentadas, não pela política, mas pela autoajuda, a meditação, a prática de ritos, as técnicas psicoespirituais.

Reduzem-se, assim, a dimensão social do Evangelho e a opção pelos pobres. O sagrado passa ser ferramenta de poder, para controle de corações e mentes, e também do espaço político. O Bem identifica-se com a minha crença religiosa. Bin Laden exige que o Ocidente se converta à sua fé, não ao bem, à justiça, ao amor.

Essa religião, mais voltada à sua dilatação patrimonial que ao aprimoramento do processo civilizatório, evita criticar o poder político para, assim, obter dele benefícios: concessão de rádio e TV etc. Ajusta a sua mensagem a cada grupos social que se pretende alcançar.

Sua ideologia consiste em negar toda ideologia. Assim, ela sacraliza e fortalece o sistema cujo valor supremo, o capital, se sobrepõe aos direitos humanos. Como observava Comblin, as forças que hoje dominam são infinitamente superiores às das ditaduras militares.

Aos pobres, excluídos deste mundo, resta se entregarem às promessas de que serão incluídos, cobertos de bênçãos, no outro mundo que se descortina com a morte. Frente a essa “teologia” fica a impressão de que a encarnação de Deus em Jesus foi um equívoco. E que o próprio Deus mostra-se incapaz de evitar que sua Criação seja dominada pelas forças do mal.

Felizmente, nas Comunidades Eclesiais de Base, nas pastorais sociais, nos grupos de leitura popular da Bíblia, fortalece-se a espiritualidade de inserção evangélica. A que nos induz a ser fermento na massa e crê na palavra de Jesus, de que ele veio “para que todos tenham vida e vida em abundância” (João 10, 10).

Fomos criados para ser felizes neste mundo. Se há dor e injustiça, não são castigos divinos, resultam de obra do ser humano e por ele devem ser erradicadas. Como diz Guimarães Rosa, “o que Deus quer ver é a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar, no meio da tristeza. Todo caminho da gente é resvaloso. Mas cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sobe, a gente volta.

- Frei Betto

Reproduzido via Amai-vos. Grifos nossos.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Dois modelos de igreja dentro da mesma igreja


Por ocasião da realização da Jornada Teológica da América Central e Caribe, que terminou sexta-feira, dia 29 de abril, na Guatemala, Pablo Richard, teólogo chileno, radicado na América Central, concedeu uma entrevista sobre o Impacto do Concílio Vaticano II e a teologia latino-americana. A entrevista foi publicada no Adital, 29-04-2011, e é aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.

A Jornada Teológica realizada na Guatemala é a primeira de quatro jornadas a serem realizadas neste ano. Elas preparam a realização do Congresso Continental de Teologia, a ser realizado de 08 a 11 de outubro de 2012, em São Leopoldo, RS.

Eis a entrevista.

Já está acontecendo a Jornada Teológica da América Central e Caribe, você irá falar sobre o impacto do Concílio Vaticano II e da teologia na América Latina. Poderia fazer uma introdução sobre o tema?

O momento do Vaticano II e depois de Medellín (Colômbia) e Puebla (México), que foi quando lemos o Vaticano II a partir da América Latina, essa época da teologia da libertação das comunidades de base, da grande quantidade de gente que participava, eu digo que isso foi uma época de graça, foi um bom tempo a que nós chamamos de Kairós - um tempo de graça - mas a partir dos anos 90, nascem dois modelos de igreja.

Um, onde continua esse tempo bom, digamos assim, esse Kairós que chamamos a Igreja povo de Deus, mas surge também outro modelo de igreja, que rejeitou o Vaticano II. Surgem novos movimentos, como Opus Dei, Legionários de Cristo, Arautos do Evangelho, e a igreja volta outra vez aos setores mais dominantes, os setores mais opressores, incluindo a igreja, essa igreja de cristandade - como eu chamo - perdem os pobres; a igreja, essa massa oficial perde os pobres, hoje em dia as populações marginais.

Para uma igreja católica, existem 20 igrejas evangélicas. Os sacerdotes saíram das comunidades e foram para as paróquias de maior poder. Inclusive, agora as pessoas ricas dizem: "finalmente, a igreja está nos ajudando outra vez, porque havia nos abandonado etc.". Então, eu faço uma comparação um pouco entre a igreja do povo, que continua o Vaticano II, Medellín e Puebla, todas essas reformas, e essa outra igreja "cristandade" que está adormecida durante esse período de grande auge da teoria da libertação.

Sobre a existência de dois tipos de igreja, essa divisão é boa ou ruim?

É algo excelente. Não são duas igrejas, são dois tipos diferentes dentro de uma mesma Igreja. Porque se gera um movimento de renovação fora da Igreja, não gera nenhum impacto, tem que ser feito dentro da Igreja.

Mas é bom porque essa tradição do Vaticano II, de Medellín-Puebla e da teologia da libertação, essa se mantém na Igreja dos pobres. E essa igreja tem sua estrutura, está organizada, tem seus princípios; não são maliciosos dispersos por aí. Mas temos esta outra igreja de cristandade, essa igreja mais hierárquica, etc.

Agora o problema tem sido justamente o poder mais central da igreja, porque o Vaticano está destruindo o próprio Vaticano II, a teologia da libertação, as comunidades eclesiais de base têm sido pouco a pouco deslegitimadas, deixadas de lado... E nisto tem concentrado toda a sua força; na defesa de um aparato institucional de cristandade - essa palavra de cristandade surge quando a igreja no século IV uniu-se ao império romano; então nasce o Império Romano Cristão, e nessa época a igreja se fez imperial e o império se fez cristão, surgiu toda uma estrutura.

Nós dizemos que esta igreja de cristandade toma, retoma esse modelo de igreja imperial - e para mim essa igreja não foi um triunfo do cristianismo, foi um fracasso do cristianismo. Com Teodósio chega a ser a religião oficial e isso faz muito mal à igreja. Muitos o percebem como triunfo, que finalmente o império... Não, para mim o império cristão é o fracasso do movimento de Jesus.

Hoje em dia esta igreja do Vaticano II recupera essa tradição do movimento de Jesus, mas reaparece esse modelo de cristandade, este modelo imperial. Então, nós dizemos que o Papa se parece mais com o Imperador Romano do que com São Pedro. O Papa usa todas as insígnias que usavam os imperadores romanos, incluindo as cores - dos cardeais, por exemplo, eram cores dos senadores romanos dentro do Império. É uma Igreja que se apóia mais no poder e no dinheiro para sobreviver.

Mas a igreja dos pobres é uma igreja de que os pobres precisam para viver, tem muita gente que na igreja encontra a possibilidade de ser sujeito, de ser pessoa, no trabalho que fazemos nesse nível. Eu, pessoalmente, trabalho com as pessoas nas ruas, tenho isso na minha paróquia - a rua - com umas cem pessoas mais ou menos, trabalhamos com eles. Alguns são homossexuais, travestis, doentes da Aids, na violência, vamos formando pequenos grupos da igreja, nesta igreja - que vamos construindo na rua - as pessoas encontram a possibilidade de sobreviver. Essa igreja sobrevive dessa gente que a igreja hierárquica afasta.

Nós não pedimos dinheiro para nada, mas lhes damos a oportunidade de se reunir, de conversar.

União homoafetiva na pauta do Plenário do STF

Serão votados hoje (4), pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, dois processos envolvendo a união pessoas do mesmo sexo. Serão analisados processos sobre a União Homoafetiva, e a decisão se as cirurgias de mudança de sexo devem ou não ser pagas pelo SUS, ambas são de relatoria do ministro Carlos Ayres Brito.

Existe a possibilidade de que o Supremo resolva esta questão em definitivo nesta votação, essa é a informação que corre nos bastidores da Corte. Mas, há quem diga que os Ministros vão deixar a decisão para o Congresso - votação na Câmara e Senado, devido ao parágrafo terceiro do artigo 226 da Constituição que diz: "para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar". Em relação as cirurgias, é dada como certa a aprovação pelos Ministros por unanimidade. Mais informações: www.stf.jus.br

Fonte: STF, Agências, Mix Brasil

terça-feira, 3 de maio de 2011

Sobre estar certo e ser feliz

Ilustração: I love doodle

Às vezes perco de vista o que eu quero e o objetivo passa a ser a mera vitória. Ou a derrota do outro. E como lutar pela minha vitória, ou pela derrota do outro, pode me afastar daquilo que eu tanto desejava em primeiro lugar...

Camilla Costa, publicada no O Purgatorio semana passada:

Já não me lembro mais quem primeiro me fez (ou citou) a pergunta “você quer ser feliz ou quer estar certo?”, mas não é novidade que a memória sempre nos falha na hora dos créditos.

Escolher ser feliz é algo novo e desafiador para mim, que sempre dediquei meus esforços a estar certa. Pensando, remoendo, formulando hipóteses, tentando entender, saber, confirmar.

Ter razão é uma embriaguez. Um “bem que eu disse” eterno que, mesmo que você não diga ao alvo da sua certeza, ecoa durante bastante tempo na sua cabeça, tempo demais na minha.

Só depois de bastante tempo descobri o paradoxo de que ter a razão me recompensa, mas também me persegue. E também perde a graça.

A vontade da certeza é, aliás, um paradoxo em si mesma. Em muitos momentos, o gozo da confirmação da nossa razão é ofuscado pela dor de saber que o que você imaginava que seria verdade é mesmo.

Muitas vezes, estar certo significa saber antes de descobrir, para o bem ou para o mal. A busca por ter razão nos coloca diante do momento em que sabemos que algo acontecerá e que nos fará sofrer. E esse algo acontece. E sofremos. Ter razão não salva ninguém.

Só quando me disseram esta frase (“Você quer ser feliz ou quer estar certo?”) me dei conta da obviedade de que estar certo e ser feliz não são opostos, mas também não são sinônimos. E percebi que direcionei meus esforços para o caminho errado.

Tomar decisões também é algo muito difícil para mim – isso veremos em outro capítulo – mas dessa vez, me contardocalligarizei. Resolvi que minha escolha nesta terrível encruzilhada é ser feliz.

Escolher ser feliz é mais difícil do que eu imaginei, confesso. Envolve muito respirar fundo, muito eleger prioridades e muita paciência. É um esforço mudar a chave que me condiciona a querer estar certa.

Mas apesar das dificuldades, já posso dizer que a vida é melhor do lado de cá. Há, por exemplo, um mundo mágico das brigas conjugais que se resolvem mais facilmente, porque estamos menos preocupados em ter a razão do que em entender o outro e superar a briga.

Quando estou otimista, muito otimista mesmo, chego até a achar que grandes conflitos mundiais poderiam ser resolvidos partindo desta mesma escolha.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Diversidade Sexual nas Escolas


A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC, através do Grupo de Trabalho Direitos Sexuais e Reprodutivos, realiza nesta terça-feira (3), das 9h às 18h, no auditório do bloco B, da Procuradoria Geral da República, Audiência Pública "Avaliação dos Programas Federais de Respeito à Diversidade Sexual nas Escolas". Mais informações e a programação estão no site: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/



No currículo escolar


Comecei meu estágio, obrigatório para quem faz licenciatura, atrasado por motivos burocráticos. Hoje o professor corrigiu a prova bimestral e 2 trabalhos que complementaram a nota desta. E qual não foi minha surpresa ao ver que um destes trabalhos era sobre gênero e diversidade sexual.

A primeira questão pedia para citar 2 elementos que definem o sexo de uma pessoa, por exemplo, órgãos genitais e hormônios. A segunda era sobre gênero, definindo-o como a expectativa social a respeito dos sexos em determinada cultura. A última questão: Qual a orientação sexual de uma transexual?

O professor salientou que aceitou tanto quem considerou a orientação da trans antes da operação de mudança de sexo, que segundo ele seria então “homossexual”, quanto após a cirurgia, aí a resposta correta seria “heterossexual”.

Confesso que achei bem esquisita a questão. Mas ver meninos e meninas por volta de dezesseis anos em um colégio estadual discutindo sobre diversidade sexual como matéria de aula renovou minha esperança que, apesar de tanta caretice neste mundo, a gente está definitivamente conquistando espaços e preparando uma sociedade mais plural e colorida sem que se tenha que matar ou morrer tanto por causa disto. E viva o Gay Power!

domingo, 1 de maio de 2011

Novo começo

Foto: Ben Hall

Aterrorizados pela execução de Jesus, os discípulos se refugiam em uma casa de conhecidos. Estão reunidos novamente, mas Jesus não está mais com eles. Na comunidade há um vazio que ninguém pode preencher. Está faltando Jesus. Não é possível ouvir as suas palavras de fogo. Eles não podem vê-lo a abençoar com ternura os infelizes. Quem é que eles vão seguir agora?

A noite está caindo em Jerusalém e também nos seus corações. Ninguém pode consolá-los da sua tristeza. Aos poucos, o medo está tomando conta de todos, mas não têm Jesus para fortalecer o seu ânimo. A única coisa que lhes oferece alguma segurança é "fechar as portas”. Ninguém pensa em sair pelos caminhos anunciar o reino de Deus e curar a vida. Sem Jesus, como podem contagiar com sua Boa Nova?

O evangelista João descreve de forma insuperável a transformação que se produz nos discípulos quando Jesus, cheio de vida, se apresenta no meio deles. O Ressuscitado está de novo no centro da sua comunidade de seguidores. Assim será para sempre. Com ele tudo é possível: se libertar do medo, abrir as portas e colocar em marcha a evangelização.

Segundo o relato, a primeira coisa que Jesus infunde na sua comunidade é a sua paz. Nenhuma queixa por abandoná-lo, nem repreensão, nem reprovação. Só paz e alegria. Os discípulos sentem o seu espírito criativo. Tudo começa de novo. Impulsionados pelo seu Espírito, continuaram a colaborar ao longo dos séculos no mesmo projeto salvador que o Pai confiou a Jesus.

Hoje, o que a Igreja precisa não é apenas reformas religiosas e apelos à comunhão. Precisamos experimentar nas nossas comunidades um "novo começo" a partir da presença viva de Jesus no meio de nós. Só Ele tem de ocupar o centro da Igreja. Só Ele pode impulsionar a comunhão. Só Ele pode renovar os nossos corações.

Os nossos esforços e trabalhos não são suficientes. Só Jesus pode provocar a mudança de horizonte, a libertação do medo e os receios, o novo clima de paz e serenidade tão necessário para abrir as portas e tornar-nos capazes de compartilhar o Evangelho com os homens e as mulheres do nosso tempo.

Mas devemos aprender a acolher com fé a sua presença no meio de nós. Quando Jesus se apresenta de novo após oito dias, o narrador diz que ainda as portas continuam fechadas. Não é apenas Tomé quem deve aprender a acreditar com toda a confiança no Ressuscitado. Também os outros discípulos devem superar aos poucos as dúvidas e os medos que ainda os fazem viver com as portas fechadas à evangelização.

- Jose Antonio Pagola
Reproduzido via Amai-vos. Grifos nossos.
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