sexta-feira, 15 de julho de 2011

Muita gente ainda está no armário, com medo do preconceito

Tapeçaria: Frederique Morrel

A decisão unânime do STF, em maio, reconhecendo a união estável para casais do mesmo sexo, foi uma vitória histórica e enfática para os direitos dos gays no país.

E o juiz que, no final de junho, converteu a união estável no primeiro casamento civil gay no Brasil deu um passo à frente semelhante, menor. Mas, a despeito dos avanços, a homofobia ainda está amplamente presente aqui e é muito pior que em meu país de origem, os EUA.

O comentário é de Michael Kepp, americano, jornalista radicado há 28 anos no Brasil, e publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 03-07-2011. Reproduzido via IHU.

Em 2008 foram 190 homicídios por homofobia no Brasil - segundo o Grupo Gay da Bahia, primeira associação de defesa dos direitos dos homossexuais no país -, contra cinco homicídios semelhantes reportados pelo FBI nos EUA naquele ano.

O xingamento "veado!", comum aqui, é usado em estádios de futebol para vaiar qualquer jogador que não atenda as expectativas. E, nas escolas, os alunos recusam o 24 como número de chamada porque corresponde ao do veado no jogo do bicho. Quando dois amigos do mesmo sexo são inseparáveis, vem a insinuação que "algo pode estar rolando".

Muitos brasileiros gays permanecem no armário para evitar a discriminação, no local de trabalho e fora dele.

Muitos gays americanos, incluindo políticos destacados, começaram a sair do armário décadas atrás.

A TV reflete e molda esse avanço. O primeiro beijo lésbico da TV americana foi na serie "L.A Law" em 1991 e, entre homens, na série "Dawson's Creek", em 2000.

O primeiro beijo entre duas mulheres na TV brasileira só foi no SBT em maio, mas o canal proibiu a mesma cena entre dois homens.

Os EUA viraram o berço do movimento dos direitos gays devido à rebelião de Stonewall, em 1969, quando uma invasão policial de um bar gay em Nova York desencadeou protestos violentos.

O movimento avançou quando, no final de junho, a Assembleia Legislativa de Nova York fez do Estado o sexto dos EUA a legalizar o casamento gay. Outros oito Estados permitem a união estável ou algo semelhante para casais homossexuais.

Mas os EUA não são nenhuma meca da tolerância.

Trinta Estados proíbem o casamento gay. E foi apenas em 1967 que a Suprema Corte americana legalizou os casamentos inter-raciais, direito que nunca foi negado no Brasil, país muito menos racista.

Os avanços recentes conquistados para os casais gays nos EUA e no Brasil podem ser menos radicais do que parecem. Afinal, eles demonstram apenas uma decisão de tribunais e Legislativos de integrar um grupo marginalizado em uma tradição benévola e majoritária, a criação da família. Um gesto, no fundo, bastante conservador.

A necessidade de Deus


Deus é, sim, desejável, mas também é devastador. Porque o homem só pode se realizar aceitando ser devastado nas suas falaciosas seguranças.

A opinião é de Gaston Piétri, padre francês de Ajaccio, publicada no jornal La Croix, 03-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.

Eis o texto.


Em outubro de 2010, os "estados gerais do cristianismo", por iniciativa da revista La Vie, colocavam esta pergunta: "A nossa época tem necessidade de Deus?". Voltava-me à mente a afirmação de Dietrich Bonhoeffer: "O Deus que nos deixa viver no mundo sem a hipótese de trabalho 'Deus' é aquele diante do qual nós estamos continuamente. Diante de Deus e com Deus vivemos sem Deus".

Podemos entender dessas palavras que Bonhoeffer nos adverte a não ter que esperar "injeções" de poder sobrenatural nos campos onde somos chamados sobretudo a fazer o nosso trabalho de homens responsáveis. Essa necessidade só poderia nos enganar tanto sobre Deus, quanto sobre a nossa vocação de homens. Certamente, a palavra "necessidade" é ambígua. Não podemos esperar respostas peremptórias da parte de Deus só para nos dispensar de procurá-las. Mas é verdade que há situações em que, para chegar ao fundo, experimentamos como a humanidade tem o fòlego curto. Incontestavelmente, a nossa época sente isso mais do que outras, quando deplora o desaparecimento de pontos de referência, quando toca com o dedo a falta de certezas.

A política, no mesmo momento em que vê se restringir a sua capacidade de decisão com relação à economia, engloba, no seu próprio âmbito, a causa do poder que nos foi dado por extraordinários progressos tecnológicos, problemas que, até as últimas décadas, pouco tinham a ver com os responsáveis políticos. De fato, trata-se da vida humana. O seu início e o seu fim estão, mais do que nunca, em nossas mãos. Como padronizar os instrumentos excepcionais que nos são fornecidos? Quem poderia dar ao homem a sabedoria e a lucidez suficientes para decidir nesses campos, sem comprometer gravemente o futuro da nossa sociedade? O que fazer, para continuarmos dignos da condição humana, quando se pode decidir em detalhes sobre as modalidades da vinda ao mundo, sobre as condições do prolongamento ou da abreviação da vida deteriorada pela doença?

Desenvolver instrumentos tão aperfeiçoados é uma coisa, que, além disso, compete legitimamente ao poder do homem mediante a pesquisa científica. Utilizá-los segundo o verdadeiro bem do homem é outra coisa. Independentemente da confiança que possamos ter na razão humana, como não como admitir que, sobre tais assuntos, a razão está colocada a uma dura prova? Diante de desafios tão cruciais, o recurso de Deus volta a nos aparecer como uma íntima necessidade. Quem ousaria tratar com leviandade essa necessidade do homem posto diante dos seus próprios limites? Mesmo que devamos, segundo a recomendação de Dietrich Bonhoeffer, guardar-nos, a todos os custos, de fazer de Deus o "tapa-buracos" das nossas insuficiências.

Encarregamo-nos de nós mesmos e ir até o extremos dos nossos recursos é, ao mesmo tempo, a nossa honra de homens e a expectativa de Deus com relação a nós. Se ele se cala, ele que nos disse tudo em seu Filho, é para não tomar a palavra no nosso lugar. Mas o convite a "viver sem Deus", como entendia o crente Dietrich Bonhoeffer, é acompanhado por uma surda inquietação quando os problemas de hoje se tornam tremendos. Os fiéis são então obrigados a ouvir a voz de alguns daqueles que apagaram Deus decisivamente do seu horizonte ou jamais sequer imaginaram encontrá-lo. Não fogem da inquietação ou não buscam acalmá-la por meio de Deus.

A advertência de Nietzsche merece ser ouvida: "Se não fazemos da morte de Deus uma renúncia grandiosa e uma contínua vitória sobre nós mesmos, deveremos pagar caro por essa perda". É porque Nietzsche via que a sombra de Deus permanecia nas mentes que deveriam se dar conta da sua morte. Mais perto de nós, Marcel Gauchet, no final do seu livro "O desencantamento do mundo" (1985) escrevia, como em confidência: "O declínio da religião se paga com a dificuldade de ser nós mesmos". Ele definia as nossas sociedades como "psiquicamente estressantes". A seus olhos, o compromisso grave é ter que elaborar as respostas por nossa conta, enquanto a fé podia fornecê-las no interior de um sistema tranquilizador.

Somos crentes, mas não dispomos de um manual com as soluções. O desconforto também faça parte do nosso destino. Então, qual é a nossa consolação? Essa palavra é mais ambígua que existe, mesmo que pertence à nossa tradição espiritual. Na nossa felicidade de acreditar, há a experiência de uma mensagem que, segundo a expressão do Concílio Vaticano II, está "em harmonia com as aspirações mais secretas do coração humano" (Gaudium et Spes, n. 21). Como eco à aspiração que sobe da melhor parte do nosso espírito, há a certeza de uma nobreza inalienável do nosso destino. Deus é, sim, desejável, mas também é devastador. Porque o homem só pode se realizar aceitando ser devastado nas suas falaciosas seguranças.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Não é preciso ser diferente para ser gay, mas podemos ser

Tiny world: Akinobu

Em um texto para Folha de São Paulo, com o título: Não é preciso ser diferente para ser gay [que reproduzimos aqui], Alexandre Vidal Porto faz algumas considerações sobre as paradas gays, em particular a de São Paulo. Destaco alguns trechos abaixo que, acredito, podem conduzir a um raciocínio equivocado:
“[1] Os homossexuais podem se tornar invisíveis. É só saberem dissimular ou mentir. (…)
[2] O estilo exagerado que alguns participantes preferem adotar é legítimo e respeitável. Mas presta um desserviço para o avanço dos direitos à igualdade. (…)
[3] Os milhões de pessoas que comparecerão ao evento na avenida Paulista deveriam ter presente a responsabilidade cívica de conquistar corações e mentes para a sua causa. (…)
[4] A aceitação da homossexualidade pela opinião pública está vinculada à convivência com pessoas abertamente gays. Mostrar-se é importante. Nessa batalha, é mais estratégico exibir a semelhança. É mais difícil para o mundo identificar-se com o ultrajante.”
Não precisa ser diferente para ser gay, mas podemos ser.

Contanto que as fantasias não sejam obrigatórias (nem proibidas), me parece que discutir e vigiar a indumentária alheia é o oposto do que se propõe qualquer parada que celebra a liberdade de expressão sexual.

Talvez sem essa pretensão, o texto passa a mensagem de que para “conquistar corações e mentes para a sua causa” é preciso se comportar de uma determinada forma aceitável, normal, semelhante [3]. O que mais deveria seguir a norma, além da roupa? Ter voz grossa? Pulso firme? Que os casais não se toquem em público? Qual custo dessa aceitação? Qual a diferença dessa proposta e do velho: “seja gay mas não pareça gay”? O problema é que o texto não sinaliza o que é entendido como ultrajante [4], que fica a critério de quem concorda ou discorda do que é dito. Me pergunto se, de fato, há tantos comportamentos ultrajantes? São eles sancionados e promovidos pelos organizadores ou são incidentes inevitáveis num evento dessa proporção?

Existe uma gigantesca massa de gays “pessoas-comuns” em todas paradas, talvez tão comuns que não são vistos enquanto gays, muitas vezes apenas como espectadores. São invisíveis mesmo em um evento cuja proposta é a visibilidade. Em parte pela preferência midiática de fotografar o que é espetacular, em parte pelo filtro da percepção do público que não deseja ver entre seus iguais o que lhes torna de algum modo diferentes.

Aliás essa arraigada descrença na semelhança dos gays com as pessoas comuns parece influenciar a escolha de algumas palavras do texto, como é uma possível interpretação da primeira frase, que atribui a invisibilidade à dissimulação e a mentira [1]. Muitos gays são invisíveis simplesmente porque são iguais a qualquer outra pessoa, não porque estão disfarçando. O texto, no entanto, parece esquecer de mencionar essa possibilidade. Esquecimento que acredito, seja acidental, uma vez que Alexandre analisa a carência politica nas paradas de maneira bem mais acertada em outro texto seu: Menos Parada e Mais Passeata, sem culpabilizar os que tem um estilo exagerado.

Concordo que é preciso dar voz as demandas políticas, principalmente mostrar as contribuições dos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros como parte integrante da sociedade e que dialoga com ela. Mas existem outras formas de dar visibilidade a médicos, advogados, policiais, bombeiros gays e outros membros relevantes da sociedade que são LGBTs sem ter que pedir aos exuberantes que brilhem menos. Especialmente porque, nos outros dias do ano, esse brilho significa para eles um grande risco de vida. Não acredito que eles prestem um desserviço ao avanço dos direitos [2], afinal os direitos também são para eles. Acredito sim, como também Alexandre, que falta às paradas aproveitarem melhor a oportunidade de dialogar, tanto com a comunidade que representa, conscientizando-a e politizando-a como também com o resto da sociedade, mas apresentando para ela toda sua diversidade.

- Paulo Duarte, coordenador do Núcleo UNISex.
Publicado originalmente no site do Núcleo UNISex. Dica do amigo Ricardo Rocha Aguieiras. Obrigado! :-)

O desafio de acessar a dimensão de profundidade do cristianismo


Em dezembro de 2006, a Revista IHU On-line teve como tema a pergunta "Por que ainda ser cristão?", respondida em forma de depoimentos e testemunhos, que reproduziremos aqui espaçadamente. Esperamos com isso convidar também você, leitor, a refletir sobre a importância da fé e do cristianismo, qualquer que seja o lugar por eles ocupado em sua vida. Um forte abraço! :-)

As razões de ainda seguir o cristianismo em uma sociedade secularizada

Vivemos um momento muito particular na vida do cristianismo. Não há como escamotear a crise desta tradição religiosa em determinados contextos, como a Europa, quando o cristianismo chegou ao final do século XX com apenas 29,98% de adeptos. Comentando o caso francês, o pensador André Comte-Sponville, em livro recém-publicado sobre "O espírito do ateísmo" (Albin Michel, 2006) afirma que um em cada dois franceses hoje é ateu, agnóstico ou sem-religião, e um em cada quatorze é muçulmano. No Brasil, vivemos uma situação bem menos secularizada. O último Censo do IBGE (2000) mostrou a força da presença cristã no País, traduzida na soma dos católico-romanos (73,77%) com os evangélicos (15,44%). São quase 90% de cristãos no Brasil. Mas há que reconhecer um dado que vem chamando a atenção dos analistas, que é o crescimento dos “sem-religião” no Brasil, registrados em 7,28% no ultimo Censo.

Por que ainda ser cristão hoje? O que me motiva, substancialmente, a manter viva a minha fidelidade cristã é o magnífico exemplo de compromisso e santidade que percebo na trajetória de Jesus e no horizonte de vida em plenitude que ele anuncia para nós. Entretanto, tenho plena consciência de que nem sempre historicamente a comunidade cristã conseguiu dar continuidade aos valores que ele apontou como fundamentais para nós. Jesus é portador, para nós cristãos, de uma Presença Espiritual singular. Quando a buscamos captar no tempo e no espaço, contudo, sofremos os efeitos de sua refração. As religiões só conseguem viver a Presença Espiritual de forma fragmentária, pois são marcadas por ambigüidades e limitações. Isto também ocorre no cristianismo. O que mantém acesa a chama cristã em meu coração é o permanente desafio de buscar acessar a dimensão de profundidade do cristianismo, que está para além de suas formas superficiais.

A “teimosia” em continuar acreditando no cristianismo

Gandhi dizia que a verdade de uma religião está na fragrância de espiritualidade, amor e paz que emana de seus seguidores. É esta fragrância que percebo de forma tão linda em tantos buscadores cristãos, em tantos seguidores simples e humildes e, sobretudo, nos místicos de nossa tradição, que confirmam a minha duradoura teimosia em continuar acreditando no cristianismo. Simone Weil dizia que o vínculo de amizade com os “amigos de Deus” é o que possibilita manter sempre viva e acesa a secreta mirada em Deus. Mas minha fidelidade ao cristianismo não se dá de forma excludente. Minha experiência cristã é vivida como um desafio de ampliação de sua tenda. Vejo o cristianismo com malhas largas, estando sempre provocado a ampliar a atenção e o olhar, de forma a perceber a força e singeleza da presença universal do Espírito. E os místicos me ajudam muito a vivenciar uma sensibilidade nova, capaz de despertar para a “infinita Realidade que existe dentro de tudo o que é real” (Thomas Merton). E acredito que nós, cristãos, temos uma responsabilidade especial de destacar no nosso tempo valores essenciais que foram esquecidos ou abafados na lógica de mercado que vigora em nosso tempo: como os valores da hospitalidade, da acolhida, da solidariedade, da cortesia e do respeito à alteridade.

As razões para acreditar em Jesus

Para nós, cristãos, Jesus ocupa um lugar fundamental. É o nosso grande referencial axiológico, que abre para nós a porta de acesso ao Mistério sempre maior. Mas nos encanta, sobretudo, o seu exercício de vida e seu testemunho, como podemos vislumbrar nos evangelhos. É isto que provoca a admiração de todos, e não só dos cristãos. É o seu exemplo de compaixão e solidariedade que faz brilhar os olhos de pessoas como Gandhi, Dalai Lama e Tich Nhat Hanh. Hoje, na teologia cristã, estamos recuperando a profunda dimensão humana de Jesus: sua experiência e mistério. A nossa aproximação da experiência de Jesus nos possibilita focalizar nele muito mais um mistério que dá vida. Daí nossa atenção para o significado de Jesus para nós.

O Jesus que está próximo e presente

Os teólogos asiáticos têm sublinhado a dimensão narrativa das escrituras cristãs, que revelam a existência autenticamente humana de Jesus. Novas imagens são destacadas, como a do Jesus curador, mestre, libertador, guia espiritual, amigo e compassivo. E também de um Jesus que nos lança ao outro de forma inusitada. Para além da “teia das nuvens metafísicas” que embaraçam sua pessoa, há que redescobrir o Jesus que nos está próximo e sempre presente, do Jesus que nos possibilita captar a diafania de Deus em toda parte, que nos faculta perceber a presença de Deus como “eterno crescimento”. O desafio é trazer para nós o Jesus menino que brota do sonho de Alberto Caeiro: do Jesus que mora na nossa “aldeia”, da “Eterna Criança” animada pelo riso, pela esperança e gratuidade. Do “deus que faltava”, do “humano que é natural”, do “divino que sorri e que brinca”. Da “Criança Nova” que nos oferece a mão, mas que abraça também tudo o que existe. A beleza do cristianismo está justamente nisto: em ter no seu centro a presença de alguém que nos envia ao mistério de Deus, e que nos convida a perceber sua fragrância também alhures. A razão de ser de Jesus não está nele mesmo, mas no mistério que ele convoca e envia. E trata-se de um mistério que é plural e multiforme.

Os valores do cristianismo para o exercício da convivialidade

Se tomamos por base o núcleo das bem-aventuranças, que é um referencial essencial para a compreensão dos valores do cristianismo, podemos verificar sua grande atualidade para um novo exercício de convivialidade. Fala-se ali na importância da “infância espiritual”, entendida como total disponibilidade para captar a presença do Mistério em toda parte. É o sentido profundo que habita a idéia de ser pobres com espírito. Fala-se também do desafio de ter um coração puro, capaz de acolhida e compaixão; bem como “entranhas de misericórdia”. São valores fundamentais que devem reger a dinâmica vital de todo cristão. Mas o evangelho nos apresenta outros valores essenciais, como a hospitalidade, a delicadeza, a cortesia e o cuidado. O cristão que busca seguir em fidelidade os ensinamentos e, sobretudo, o testemunho de Jesus, é alguém que assume o desafio e a ousadia de uma comunhão universal. Não há nada no mundo que esteja excluído do abraço amoroso de Deus, e o cristão é aquele que dá testemunho deste amor.

- Faustino Teixeira
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Faustino Luiz Couto Teixeira é teólogo, pesquisador do ISER-Assessoria do Rio de Janeiro e consultor da Capes. É pós-doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), Itália, doutor em Teologia pela mesma universidade, com tese intitulada A fé na vida: um estudo teológico-pastoral sobre a experiência das CEBs no Brasil, mestre em Teologia, pela PUC-Rio, com a dissertação "A gênese das comunidades eclesiais de base no Brasil" e graduado em Filosofia e em Ciências da Religião pela UFJF. Entre suas obras publicadas, destacamos:" A fé na vida: um estudo teológico-pastoral sobre a experiência das CEBs no Brasil". São Paulo: Loyola, 1987; "A gênese das CEBs no Brasil". São Paulo: Paulinas, 1988; "Teologia da Libertação: Novos desafios". São Paulo: Paulinas, 1991. Ele é organizador do livro "No limiar do mistério. Mística e Religião". São Paulo: Paulinas. 2004, e acaba de lançar mais uma obra por ele organizada, intitulada "Nas teias da delicadeza. Itinerários místicos" (sobre a qual pode ser lido um texto no blog do IHU: www.unisinos.br/ihu, em 6-12-2006. Dele publicamos um artigo na 131ª edição, de 7 de março de 2005, sobre o temor do reconhecimento da alteridade, uma entrevista na 133ª edição, de 21 de março de 2005, sobre o tema Mística comparada e uma entrevista na 162ª edição, de 31 de outubro de 2005, sobre o livro de John Hick, Teologia cristã e pluralismo religioso: o arco-íris das religiões. São Paulo: Attar, 2005. Para saber mais sobre Faustino Teixeira, conferir a entrevista publicada no sítio www.unisinos.br/ihu, dia 16-12-2005.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Regressar


Não há maior desamparo do que não ter para onde voltar, ou para quem voltar. Esposa, mãe, pai, família, terra natal, amigos. Regressar, reencontrar.

Em geral, esses regressos são internos, pois os lugares se vão, as pessoas também, mas o fato é que não nos deixam, não saem de nós. Os afetos, ou as mágoas. Regressar, reencontrar, redimir e reconciliar. A busca de uma vida muitas vezes é um esforço de regresso para si mesmo.


- O Leitor

Católicos gays que amam a Igreja, em São Paulo

Foto: Sarah

É com imensa alegria que compartilhamos aqui esta novidade: nossos amigos paulistas estão se organizando e estruturando cada vez mais e acabam de lançar seu site, www.pastoraldadiversidade.com.br. É motivo de felicidade para nós reproduzir aqui, com grifos nossos, o texto que apresenta a proposta do grupo:

Somos um grupo de gays católicos de São Paulo, que sentiu a necessidade da criação de uma pastoral católica em nossa cidade, voltada à população gay (LGBT), seus familiares, e amigos.

Ao invés de nos queixarmos do fato de nossos pastores nos terem abandonado, resolvemos seguir o Evangelho e ser, uns para os outros, os pastores que nós queríamos que houvesse.

Temos uma dupla meta: criar um grupo, ou grupos, de estudo, partilha, oração, e reflexão, que nos amparem e fortaleçam como testemunhas católicas que nós, gays, também somos. Simultaneamente, queremos propor e executar alguns projetos pastorais naquele campo fértil que são as necessidades desatendidas dos nossos irmãos e irmãs.

Para dar alguns exemplos oferecidos pelos nossos membros:
- atenção às pessoas gays que estão vivendo a terceira idade;
- promoção humana e formação profissional dos garotos de programa, que são uma parte tão onipresente do nosso meio;
- prevenção às DST/AIDS, e acolhimento das pessoas vivendo e convivendo com HIV/AIDS em espaços religiosos;
- capacitação do clero, e agentes de pastorais sociais, em DST/AIDS, gênero e sexualidade;
- oferecer espaço e ânimo para pessoas dentro do clero e das lideranças leigas que buscam integrar a Fe Cristã, e a própria transparência como gays, mas que ainda temem viver à luz do dia;
- desenvolver, com a ajuda dos nossos irmãos que já tem experiência amadurecida, recursos para a preparação, celebração, e fortalecimento da vida conjugal dos casais do mesmo sexo.

Partimos do pressuposto de que ser gay é uma variante minoritária na condição humana, que não é patológica, e que ocorre regularmente. Esta constatação é demonstrada e confirmada pela imensa maioria dos estudos científicos das últimas décadas, e é aceita cada vez mais tranquilamente pela população em geral. Com isto, deixamos de lado a premissa, que prevalecia até pouco tempo atrás, de que o ser gay seria uma desordem objetiva, já que o ser humano seria intrinsecamente heterossexual. Reconhecemos, porém, que ainda é esta a premissa que marca as posições oficiais da nossa Igreja, e que isto torna difícil ao nosso clero falar publicamente e de maneira construtiva neste campo.

É evidente que as conseqüências morais, espirituais, e psicológicas, que fluem de cada uma destas premissas são bem diferentes. Para quem se deixa guiar pela segunda premissa, ser gay é doença, defeito ou vício, a ser suportado ou superado, e a resposta pastoral tenta oferecer os meios para facilitar esta vivência. Para quem se reconhece na primeira premissa, como é o nosso caso, o ser gay forma parte daquilo que é dado para levar a pessoa ao florescimento humano mais completo, e a resposta pastoral busca entender e facilitar este florescimento.

Acreditamos que não devemos temer a verdade sobre o ser humano, que está no processo de se revelar, produzindo neste campo mudanças rápidas na compreensão daquilo que somos. Por isto, não estamos buscando aprovação ou apoio de nossas autoridades eclesiásticas para nossa pastoral, por enquanto. Esperamos que, eventualmente, elas nos reconheçam como sendo da família, mas percebemos dois grandes desafios antes que isto aconteça:

- que nosso grupo produza frutos que sejam reconhecidamente do Evangelho;
- que pelo menos alguns elementos eclesiásticos se sintam com liberdade para poder conversar honestamente, e em público, sobre as realidades em questão.

Confiamos ao Espírito Santo, força motora da verdade que libera, o empenho construtivo nestes campos.

Não temos nenhum desejo de “aparecer”, nem de formar um grupo que protesta, ou reivindica direitos, ainda que muitos dos nossos membros, a título pessoal, ou por motivos profissionais, atuem em diversos campos políticos e culturais. A nossa meta enquanto membros da Pastoral da Diversidade é deixar que Jesus, de cujo amor sem ambivalências para conosco não duvidamos, enriqueça e transforme a nossa vida enquanto pessoas gays, por meio do Evangelho e dos sacramentos. E mais: que Ele nos anime, começando a partir do jeito que somos, a estender a mão para construir mais alguns sinais do Reino dentro de nossa cidade.

São Paulo, junho de 2011

* * *

Que as bênçãos de Deus os iluminem em seu caminho. Aleluia! 


Quem tiver interesse, pode entrar em contato com o grupo pelo e-mail diversidadecatolicasp@yahoo.com.br

terça-feira, 12 de julho de 2011

Os indignados da Igreja

Foto: Christopher Drummond

“Eu não sei em virtude de quê argumento o bispo de Roma se vê no direito de convocar concentrações “mundiais”. Será que ele é o bispo do mundo inteiro?”, pergunta indignado o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado no seu blog Teología Sin Censura, 05-07-2011. A tradução é do Cepat, aqui reproduzida via IHU com grifos nossos.

Eis o artigo.


Em agosto próximo, o Papa virá novamente a Madri, para presidir a solene e cara Jornada Mundial da Juventude (JMJ). De saída, digo que compreendo aqueles que estão na organização deste evento. E entendo aqueles que veem nele um meio eficaz para revitalizar a fé de muitas pessoas que, neste tipo de ato, se consolidam nas suas crenças ou as propagam a outros que delas duvidam. O que não posso admitir é que a JMJ possa ser utilizada para fazer turismo ou – o que não me atrevo a pensar – que haja quem utilize o Vigário de Cristo para subir, ter mais fama, ganhar dinheiro ou coisas do gênero. Haverá quem possa chegar a semelhantes sem-vergonhices? Por respeito a Deus, que ninguém faça isso, nem dê ocasião para que se possa pensar coisas tão desonestas!

Estas desonestidades – algumas vezes suspeitas e, em outras, claramente comprovadas – explicam o descontentamento e os protestos dos indignados. Aqueles das praças públicas, que clamam contra um sistema (econômico e político) canalha. E aqueles das portas das catedrais, que logo vão começar a concentrar pessoas que buscam Jesus Cristo nos templos e nos templos não o encontram. Será que vão encontrá-lo na JMJ?

Prescindindo do que cada um sente ou possa sentir, a minha pergunta procura ir mais ao fundo das coisas. Os “homens da Igreja” sempre gostaram mais dos grandes espaços, das grandes concentrações, dos grandes edifícios, dos palácios, das vestimentas solenes, das manifestações mais pomposamente midiáticas... Evidentemente, em tudo isso, alguns clérigos viram a vitória de Cristo. E, emocionados com a vitória “divina”, não prestaram a devida atenção ao sucesso “humano”, que é o que muitos, de fato, conseguiram.

Mas, o fundo da questão, que é o que nos teria que preocupar, está em outra coisa. Vou dizê-lo diretamente e sem melindres. Eu não sei em virtude de quê argumento o bispo de Roma se vê no direito de convocar concentrações “mundiais”. Será que ele é o bispo do mundo inteiro? Eu sei que esta pergunta surpreende, escandaliza, irrita. Mas é preciso fazê-la. Porque quando todo este assunto é analisado de perto, a gente se dá conta de que aqui há coisas que não se enquadram, por mais que sejam vistas como as mais naturais do mundo.

No cânon 331 do Código de Direito Canônico se diz que a potestade do Papa é “suprema, plena, imediata e universal”, como Pastor que é da “Igreja universal na terra”. Além disso, é uma potestade contra a qual “não cabe apelação nem recurso” algum (c. 333, 3). Ou seja, o Papa não tem que dar contas a ninguém do que diz ou do que faz. Mas o Papa realmente tem esse poder? Faço esta pergunta porque está mais do que demonstrado que nos Evangelhos não existe nenhum argumento que prove que o bispo de Roma tenha tido ou tenha essa potestade. Além disso, está igualmente demonstrado que o poder supremo universal do papado não tem origem apostólica, mas imperial, de forma que a bibliografia muito documentada que existe sobre este ponto concreto é enorme. Segundo os minuciosos e detalhados estudos que foram feitos sobre esta questão, a “potestade universal” foi uma invenção dos imperadores de Roma. No século IV, de Roma passou para Constantinopla, ao Império Bizantino. E dali, não sem forte resistência dos papas, finalmente, em 1049, Leão IX a apropriou para a sede romana. Mas antes, o Papa Gregório Magno (séculos VI-VII) chegou a dizer que utilizar o título de patriarca “universal” era uma “blasfêmia” (Mon. Germ. Hist., Epist. V, 37).

Acontece que o mesmo título que, para um papa foi blasfêmia, para outro é motivo justificador a partir do qual se organiza uma jornada “mundial” (universal?). Não trago aqui estas coisas para cuspir erudição. Digo tudo isto – e o digo assim – para que pensemos, todos, no que estamos fazendo. E no que deixamos de fazer, calados, resignados, diante de coisas muito graves que estamos vendo e vivendo. Como é possível que em um país, no qual milhares de pessoas se lançam às ruas pedindo uma democracia mais participativa, se receba oficialmente, se ovacione e se aplauda o Chefe de Estado da última monarquia absoluta que resta na Europa? Que explicação existe quando clamamos pela defesa dos nossos direitos fundamentais, nos colocamos a organizar o ato mais solene de exaltação ao detentor do poder supremo de uma instituição religiosa, a Igreja, que não reconhece a igualdade de direitos de todos os seus membros e se permite exaltar alguns, ao mesmo tempo que humilha outros? Por que toleramos estas e tantas outras pessoas de boa vontade e que empurram outros a negar a Deus e a se esquecer da religião? Por que permitimos que uma determinada Igreja se beneficie tanto que, em vez de nos unir, nos divide, nos confronta e nos prejudica em nossa convivência cívica?

Por estes dias, muita gente está falando do dinheiro que a visita do Papa a Madri vai custar. Não entro nesse assunto porque me parece que não é a questão mais grave que vai acontecer por ocasião desta visita. A questão é muito mais séria. O que a JMJ vai por em evidência é o cúmulo de contradições em que a Igreja vive. E as contradições que vivem todos aqueles que vemos nela a instituição que nos transmitiu a lembrança viva do Evangelho e, ao mesmo tempo, a dificuldade mais séria para que essa lembrança se torne vida em nós. Por isso, não queremos continuar a ser cúmplices deste estado de coisas.

Já entramos em cheio na dispersão do verão e, portanto, não sei se este é o momento de se colocar a organizar um projeto e um programa que, a partir da fé em Jesus e seu Evangelho, nos leva a planejar seriamente como podemos e devemos expressar as exigências dessa fé no Senhor Jesus. Sem dúvida alguma, uma das coisas mais sérias que podemos fazer nestas semanas de descanso é programar um novo curso no qual podemos seguir sendo os mesmos e no qual não nos é permitido continuar vivendo em uma simplicidade que é autêntica cumplicidade com o que já é simplesmente intolerável. Porque está nos prejudicando gravemente a todos.

- José Maria Castillo, teólogo espanhol

* * *

Claro que o artigo acima, no blog de Castillo, provocou reações inflamadas, às quais ele respondeu no dia sequinte, aqui.

Olhares de Cláudia Wonder


O livro "Olhares de Cláudia Wonder" lança diversas questões interessantes, todas a partir da desnaturalização da pergunta: "É menino ou menina?". Uma das questões do livro foi a que eu trabalhei na minha dissertação de mestrado: "Existe uma cultura gay?". Que eu procurei responder com a psicanálise e para a psicanálise, a resposta é não. A resposta da Cláudia é diferente, para ela existe sim uma cultura gay e o travesti é a personificação dessa cultura, ela justifica isso dando o exemplo no Brasil, em que nos anos 70, os travestis representavam a visibilidade dos gays dentro da sociedade, travestis famosos como Rogéria, Valéria, que eram capa das revistas (como a Manchete), destaques no Carnaval, no programa do Sílvio Santos, em shows no estilo revista, antes mesmo do estabelecimento de boates gays, quando os shows dos travestis eram presença obrigatória. Nessa mesma época os Dzi Croquetes fizeram sucesso (e são citados pela própria Claudia, que não cita, mas eu incluo Os Secos e Molhados). Nos anos 80 a beleza e o sucesso de Roberta Close e Thelma Lip as transformaram nos rostos da comunidade gay brasileira. Não está no histórico da Cláudia, mas nos anos 80, o fenômeno do sucesso do Boy George (na época na banda Culture Club) também chegou ao Brasil. E os clubes que começaram a misturar gays e heterossexuais pelo Brasil, o Madame Satã em São Paulo, o Crepúsculo de Cubatão no Rio de Janeiro, o Periferia em Fortaleza, tudo isso faz parte desse cenário que a Cláudia pinta. E eu concordo com ela que o Festival Mix Brasil ajudou a mudar esse panorama e embora os travestis nunca tenham deixado de existir o gay passou a ter uma representação ou representações fora do universo do travesti, seja ele qualquer uma das figuras sob o termo transgênero, embora a pergunta sobre o gênero continue pairando sobre a homossexualidade que não deixa de confundir a resposta: "É menino ou menina?".

- Hugo Nogueira

* * *

Mais informações e uma entrevista com Claudia Wonder, incluindo o trailer do documentário "Meu amigo Claudia", aqui

Abandonar-se


Uma das coisas de mais difícil entendimento para os ocidentais é a de que a meditação nada tem a ver com procurar fazer com que alguma coisa aconteça. Todavia, todos nós estamos tão acostumados com a mentalidade da técnica e da produção que, inevitavelmente, pensamos primeiro que estamos tentando arquitetar um evento, um acontecimento. De acordo com nossa imaginação, ou predisposição, poderemos ter diferentes idéias do que viria a acontecer. Para alguns, trata-se de visões, vozes, ou lampejos de luz. Para outros, profundas reflexões e compreensão. Para outros ainda, um melhor controle sobre suas vidas e problemas do dia a dia. A primeira coisa que precisamos entender, no entanto, é que a meditação nada tem a ver com fazermos com que alguma coisa aconteça. O objetivo básico da meditação, muito ao contrário, é o de simplesmente aprendermos a passar a ser completamente conscientes do que é. O grande desafio da meditação é o de aprendermos diretamente da realidade que nos sustenta.

O primeiro passo nessa direção, e que somos convidados a dar, é o de entrarmos em contato com nosso próprio espírito. Talvez a maior tragédia de todas seja a de termos que completar nossa vida sem nunca termos entrado em pleno contato com nosso próprio espírito. Esse contato significa descobrir a harmonia de nosso ser, nosso potencial para o crescimento, nossa integralidade, tudo aquilo que o Novo Testamento, e o próprio Jesus, chamaram de “a plenitude da vida”.

É tão freqüente que vivamos nossa vida em cinco por cento de nosso pleno potencial. Mas, é claro, não há medida para nosso potencial; a tradição cristã nos diz que ele é infinito. Se apenas nos voltássemos do eu para o outro, nossa expansão de espírito se tornaria ilimitada. Isso muda tudo, isso é aquilo que o Novo Testamento chama de conversão. Somos convidados a abrir as algemas da limitação, para que sejamos libertos de dentro da prisão do ego que nos limita. A conversão é apenas a libertação e a expansão que surgem quando nos voltamos de nossos eus para o Deus infinito. Trata-se também de aprendermos a amar a Deus, assim como, ao nos voltarmos para Deus, aprendermos a amar uns aos outros. Ao amar, somos enriquecidos para além de qualquer medida. Aprendemos a viver a partir da infinita riqueza de Deus.

- John Main, OSB
In ESSENTIAL WRITINGS, Modern Spiritual Masters Series (Maryknoll, NY: Orbis, 2002), pg. 127.
Tradução de Roldano Giuntoli. Reproduzido via Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil. Grifos nossos.

É fácil desistir de nossos sonhos


Dedicamos mais energia à tentativa de silenciar os nossos sonhos do que à tentativa de realizá-los

Gil Pender, o protagonista do último filme de Woody Allen, "Meia-Noite em Paris", quer deixar de escrever roteiros de sucesso (que ele mesmo acha medíocres) para se dedicar a coisas "mais sérias" e menos lucrativas: um romance, por exemplo. Ele acumulou dinheiro suficiente para tentar essa aventura por um tempo, em Paris, como um escritor americano dos anos 1920.

Infelizmente, Pender está prestes a se casar com uma noiva que aprecia muito seu sucesso atual, mas não tem gosto algum pela incerteza (financeira) de seu sonho. Tudo indica que ele se dobrará às expectativas da noiva, dos futuros sogros e do mundo, renunciando a seu desejo. Talvez seja por causa dessa renúncia, aliás, que noiva e sogros o desprezam (todo o mundo acaba desprezando o desejo de quem despreza seu próprio desejo).

Mas eis que, na noite parisiense, alguns fantasmas do passado levam Pender para a época na qual poderia viver uma vida diferente e mais intensa -a época na qual seria capaz de fazer apostas arriscadas.

A idade de ouro de Pender é a Paris de Hemingway, Fitzgerald, Cole Porter, Picasso etc. Como disse Gertrude Stein (outra protagonista do sonho do herói), eles são a geração perdida, entre uma guerra terrível e outra pior por vir (isso ela não sabia, mas talvez pressentisse). Por que eles fariam a admiração de Pender e a nossa? Hemingway responde quando explica a Pender que, para amar e escrever, é preciso não ter medo da morte. Claro, não ter medo da morte talvez seja pedir muito, mas Pender poderia mesmo se beneficiar com um pouco mais de coragem; se conseguisse decidir sua vida sem medo da noiva e dos sogros, seria um progresso.

Concordo com o que escreveu Marcelo Coelho, em artigo neste mesmo espaço na edição de 22 de junho: uma moral do filme é que "temos só uma vida para viver - a nossa", ou seja, tudo bem sonhar com a idade de ouro, à condição de acordar um dia.

Agora, o que emperra a vida de Pender não é seu sonho nostálgico, é o presente. A nostalgia, aliás, é seu recurso para não se esquecer completamente de seus próprios sonhos. É como se, para preservar seu desejo, ele o situasse numa outra época. Mas preservá-lo de quem?

Antes de mais nada, um conselho. Acontece, às vezes, que nosso sucesso não tenha nada a ver com nossos sonhos - por exemplo, você queria ser promotor de Justiça, mas fez algum dinheiro com a imobiliária de família e aí ficou, renunciando a seu sonho.

Nesses casos, uma precaução: case-se com alguém que ame seu sonho frustrado e não só seu sucesso; sem isso, inelutavelmente, chegará o dia em que você acusará seu casal de ter sido a causa de sua renúncia. Em outras palavras, é possível e, às vezes, necessário renunciar a nossos sonhos, mas é preciso escolher como parceiro alguém que goste desses sonhos e dos jeitos um pouco malucos que usamos para acalentá-los (no caso de Pender, passeios por Paris à meia-noite e na chuva).

Voltemos agora à pergunta: contra quem Pender precisou preservar seu desejo, mandando-o para outra época? Contra a noiva que desconsiderava seus sonhos? Aqui vem outra moral do filme.
Pender não é nenhum caso raro: todos nós, em média, dedicamos mais energia à tentativa de silenciar nossos sonhos do que à tentativa de realizá-los. Muitos dizem que desistiram de sonhos dos quais os pais não gostavam por medo de perder o amor deles. Mas por que Pender recearia perder o amor da noiva, que ele não ama, e dos sogros, que ele ama ainda menos?

O fato é que somos complacentes com as expectativas dos outros (que amamos ou não) à condição que elas nos convidem a desistir de nosso desejo. É isso mesmo, a frase que precede não saiu errada: adoramos nos conformar (ou nos resignar) às expectativas que mais nos afastam de nossos sonhos. Aparentemente, preferimos ser o romancista potencial que foi impedido de mostrar seu talento a ser o romancista que tentou e revelou ao mundo que não tinha talento. Desistindo de nossos sonhos, evitamos fracassar nos projetos que mais nos importam.

Em suma, da próxima vez que você se queixar de que seu casal afasta você de seus sonhos, lembre-se: foi você quem o escolheu.

E mais um conselho: se você encontrar alguém disposto a caminhar na chuva do seu lado, não fuja; molhe-se.

- Contardo Calligaris
Publicado na Folha de S. Paulo em 07/07/11. Reproduzido via Conteúdo Livre, com grifos nossos.

Reação de uma criança ao encontrar pela primeira vez um casal gay

Dedução um tanto óbvia para uma criança de sei lá, 5 anos!

:)

#FicaAdica!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Loucura


A loucura é algo relativo. E inconstante. Quem é o louco, e por quê? Dos pensamentos unânimes, quando alguns se revoltam, mudam de direção, destroem e reconstroem um prisma, são chamados de loucos. A burrice aponta a loucura, como posso interpretar Nelson Rodrigues, "Toda unanimidade é burra" e eu, particularmente, prefiro ser louco a ser burro.

Minha loucura queima em meu ser jovem. E como seria bom que todos os jovens fossem loucos. Nunca burros. Loucos por acreditarem em algo impossível. Loucos por lutarem em batalhas ditas perdidas. Como nos diz a sabedoria popular, existem “velhos jovens e jovens velhos”. O medo do novo nos traz a velhice. Cada sonho de jovem perdido, são cabelos brancos, tristes e frágeis em nossa cabeça pueril. Sou louco com prazer.

Tudo isso porque tenho medo. Medo da inutilidade. Medo de arcar só comigo mesmo e mais alguns poucos. Medo de não servir pra nada. Medo de me enclausurar na imensidão de meu mundo, e viver por lá, como grande parte das pessoas. Precisamos, sim, de tal reclusão, precisamos nos conhecer, precisamos entrar em contato com nossa intimidade, e sair, buscar o mundo, voltando esporadicamente. Não devemos permanecer ensurdecidos por nossos fones, invisíveis por nossos óculos escuros e intocáveis por nossos casacos. Sejamos percebidos como jovens, no sentido genuíno de juventude.

Acreditemos, em nós mesmos e no mundo. Eu creio em nossos sonhos. Creio que temos força para fazermos o que quisermos. Creio nos sonhos realizados do "menino dos sonhos impossíveis” *. É isso que deve nos guiar. Guiar a nossa fé, a nossa crença. A minha é diferente da sua, mas elas têm o mesmo objetivo. Não deixemos morrer a importância de nossa ‘missão’ de ser jovem. Arrumemos nosso quarto, unamo-nos e mudaremos o mundo. Falo em "arrumar os quartos" pois, se desejamos algo, precisamos merecê-lo. Não podemos agir na hipocrisia, a loucura já nos basta. Avaliemo-nos e vejamos se estamos aptos aos nossos sonhos. A humanidade está doente, e se "de médico e louco, todo mundo tem um pouco" eu, encharcado de minha loucura, desejo curar os meus semelhantes.

- André Martha Tavares Filho, Belém, 18 anos, estudante de publicidade e propaganda.
Reproduzido via Amai-vos.

_______________
* “Menino dos sonhos impossíveis" foi o apelido dado a São Marcelino Champagnat, quando o mesmo idealizou a congregação Marista. Congregação essa que hoje se faz presente no mundo todo.

Sair e semear

Ilustração: Aad Goudappel

Antes de contar a parábola do semeador que «saiu a semear», o evangelista apresenta-nos Jesus que «sai de casa» para encontrar-se com as pessoas, para «sentar-se» sem pressas e dedicar-se durante «muito tempo» a semear o Evangelho entre todo o tipo de pessoas. Segundo Mateus, Jesus é o verdadeiro semeador. Dele temos de aprender também hoje a semear o Evangelho.

Primeiro é sair de nossa casa. É o que pede sempre Jesus aos Seus discípulos: «Ide por todo o mundo...», «Ide e fazei discípulos...». Para semear o Evangelho temos de sair da nossa segurança e dos nossos interesses. Evangelizar é "deslocar-se", procurar o encontro com as pessoas, comunicarmos com o homem e a mulher de hoje, não viver encerrados no nosso pequeno mundo eclesial.

Esta "saída" para os outros não é proselitismo. Não tem nada de imposição ou reconquista. É oferecer às pessoas a oportunidade de encontrar-se com Jesus e conhecer uma Boa Nova que, se a acolhem, lhes pode ajudar a viver melhor e de forma mais acertada e sã. É o essencial.

A semear não se pode sair sem levar conosco a semente. Antes de pensar em anunciar o Evangelho a outros, temos de o acolher dentro da Igreja, nas nossas comunidades e nas nossas vidas. É um erro sentirmo-nos depositários da tradição cristã com a única tarefa de transmiti-la a outros. Uma Igreja que não vive o Evangelho, não pode contagia-lo. Uma comunidade onde não se respira o desejo de viver seguindo os passos de Jesus, não pode convidar ninguém a segui-la.

As energias espirituais que há nas nossas comunidades estão a ficar por vezes sem explorar, bloqueadas por um clima generalizado de desalento e desencanto. Dedicamo-nos apenas a "sobreviver" mais que a semear vida nova. Temos de despertar a nossa fé.

A crise que estamos a viver está a conduzir-nos à morte de um certo cristianismo, mas também ao início de uma fé renovada, mais fiel a Jesus e mais evangélica. O Evangelho tem força para gerar em cada época a fé em Cristo de forma nova. Também nos nossos dias.

Mas temos de aprender a semeá-lo com fé, com realismo e com verdade. Evangelizar não é transmitir uma herança, mas tornar possível o nascimento de uma fé que brote, não como "clonagem" do passado, mas como resposta nova ao Evangelho escutado a partir das perguntas, dos sofrimentos, das alegrias e das esperanças do nosso tempo. Não é o momento de distrair-se as pessoas com qualquer coisa. É a hora de semear nos corações o essencial do Evangelho.

- José Antonio Pagola

Somos juntos em nossas diferenças

No dia 12 de abril de 2011, este pessoal aqui convocou uma unidade em nome dos direitos humanos. A todos que, independente de orientação sexual, raça, credo e sotaque, aos que acreditam na tolerância, compaixão e respeito pelo próximo, eles pediram fotos com uma só mensagem: #eusougay. Essa é a resposta.


O projeto continua além do vídeo! Você pode colocar sua foto na galeria do projeto: http://projetoeusougay.tumblr.com/

domingo, 10 de julho de 2011

Saiu o semeador a semear...

Arte: m1kikey

Uma das mais conhecidas parábolas que Jesus contou é a do semeador. Através dela podemos fazer várias analogias, mas, hoje, vamos nos deter em uma específica: somos – cada homem e cada mulher – chamados a ser semeadores!

O semeador da parábola de Jesus nem sempre encontrou sucesso em seu trabalho. Semeou em jardim espinhoso, em terra árida, à beira do caminho. Terrenos árduos e difíceis, como aqueles que encontramos dentro do coração humano, nosso maior desafio. Quantos corações duros e fechados à Palavra de Deus! Quantas vezes nós mesmos tornamos assim nossos próprios corações!

Porém, o semeador não desistiu de sua tarefa: continuou a semear, a percorrer caminhos, a encontrar espaços de terreno fértil para lá depositar sua semente. Assim também nós somos chamados a acreditar que mesmo diante da dureza ou daquilo que nos parece infértil existe a possibilidade da vida brotar.

Jesus, que encontrou um povo de coração insensível às Suas palavras, não desistiu: se os poderosos não o ouviam, os pobres o escutavam; se os ricos se recusavam a recebê-lo, fez da sua preferência os excluídos... E assim realizou o Seu próprio trabalho de semeador da revelação do Pai junto à humanidade. Não desanimou, não fugiu da luta, não teve medo da aridez. Antes, insistiu em pregar, desafiou o que parecia ser imponderável, realizou o impossível aos olhos humanos.

O Semeador nos convida a semear com Ele. Qual a nossa resposta? O que estamos plantando em nossas vidas? Como estamos plantando? Quais são os nossos terrenos? Por fim, empenhemo-nos nesse trabalho contínuo da semeadura. E exultemos quando, ao final, pudermos reconhecer que por nossas mãos o reino de Deus chegou aos homens.

Texto para reflexão:
Mt 13, 1-23

- Gilda Carvalho
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.
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