sábado, 27 de julho de 2013

A carne não é território do pecado


Texto de Juan Arias em que ele aponta que o papa Francisco não tem medo do contato físico com os fieis e que isso pode representar um retorno às raízes do cristianismo antes de afastar-se do judaísmo e instaurar uma igreja menos asséptica e mais humana.

"Para se reinventar, a Igreja precisa voltar às suas origens e abandonar o dualismo entre corpo e espírito, que segrega as mulheres e dita uma ética sexual incompatível com o presente.
Nunca se disse tanto que o catolicismo, para se salvar da sangria que o assola, precisa voltar a suas raízes, a suas origens, que começam na Palestina com os ensinamentos do profeta judeu Jesus de Nazaré.

Com o Papa Francisco voltou-se a falar ainda mais sobre a urgente necessidade de a Igreja recuperar suas essências. Ela nasceu, na visão de Jesus, como uma abertura do judaísmo a outros grupos não judeus em nome de um Deus que era pai de toda a Humanidade.

Quando se diz que o cristianismo deve se desprender da influência que recebeu no século IV do Império Romano e da contaminação platônica da filosofia grega com Santo Agostinho, pouco se fala de um ponto fundamental: recuperar a teologia do corpo, a ideia de que, como sempre defendeu o judaísmo que influenciou as primeiras comunidades cristãs, não existe diferença entre corpo e alma.

Até Paulo de Tarso, a dignidade do corpo é inseparável da atribuída à alma ou ao espírito. Só com a influência helênica o cristianismo se contamina e começa a ver o corpo como a “prisão” do espírito e, portanto, “território do pecado”, influenciando fortemente toda a ética sexual.

Para Santo Agostinho, já influenciado pela filosofia grega, o homem é “uma alma racional que tem um corpo mortal”. O corpo passa a ser secundário e perigoso para a santidade.

Por sua vez, a cultura judaica, na qual bebeu o primeiro cristianismo, foi diametralmente oposta à da Igreja de hoje. No judaísmo não existe a vergonha pelo corpo e, em consequência, pela sexualidade. Para o judaísmo, o pecado original não é o sexo.

Esse divórcio entre corpo e alma contaminou todo o universo da sexualidade na Igreja e acabou caindo sobre a mulher, considerada objeto de tentação sexual e, por isso, afastada do sacerdócio que lhe havia sido inato nas primeiras comunidades cristãs, quando nem o corpo nem o sexo eram vistos como território do mal.

E assim a mulher continua sem poder ser dona de seu corpo, com todas as consequências que isso traz.

O dualismo entre corpo e alma, introduzido no cristianismo a partir do século II, quando se distancia de suas raízes judaicas, acabou condicionando toda a ética sexual da Igreja até hoje.

Só no Concílio Vaticano II defendeu-se, por exemplo, que a sexualidade, além de um instrumento de procriação, pode ser um novo modo de comunicação humana.

O Papa Inocêncio III chegou a sustentar que o Espírito Santo se ausentava do quarto quando um casal mantinha relações sexuais, já que, segundo ele, o ato sexual, ainda que lícito, “envergonha Deus”.

Diz-se que Francisco é o Papa “do corpo”, que não teme o contato físico. Em seus quatro meses de pontificado, beijou mais pessoas, crianças e adultos, do que outros Papas em toda sua vida.

Talvez seja essa falta de medo do tato, da corporeidade, que faz Francisco ser amigo de muitos judeus, para os quais o corpo não é inimigo da alma, e sim o grande companheiro das relações verdadeiramente humanas e não só espirituais ou sublimadas.

Se analisamos os sacramentos da Igreja, em sua origem, são todos sacramentos “do corpo”. São realidades que se transmitem por meio do corpo, desde a eucaristia até o batismo ou a extrema-unção. A graça sempre atravessa o corpo, que é “obra de Deus”, e não “instrumento do demônio”, como defenderam tantos teólogos conservadores. Falando a uma devota que se gabava de dar sempre esmolas a um mendigo, Francisco perguntou: “Quando entrega a moeda ao irmão mendigo, você a joga ou a coloca nas mãos dele, tocando nelas?”

O Papa que se despojou de todos os símbolos de poder de uma Igreja que se envergonha do corpo e coloca a virgindade acima do matrimônio busca o contato corporal com as pessoas. Ele pediu aos sacerdotes que tirem a poeira da antiga prática cristã de pousar as mãos sobre a cabeça dos fiéis para abençoá-los. Francisco entendeu que, para ter credibilidade e responder aos novos desafios apresentados pela ciência e a ética modernas, a Igreja não pode continuar a se refugiar no medo da corporeidade, nem continuar a defender que o corpo é a fonte do pecado. Ela deve abrir novos caminhos do que ele chama de “teologia do encontro”.

Quando se refere ao ecumenismo, às diferenças que separam até os que se professam filhos de um mesmo Deus, Francisco dá o exemplo de que nas veias de crentes e não crentes “corre o mesmo sangue” e, por isso, devemos nos sentir parte de uma mesma “família”. Todo o resto, para ele, é ideologia.

Sua fonte de inspiração, na verdade, é Jesus de Nazaré, que escandalizou os próprios apóstolos pelo pouco medo que tinha do tato, da corporalidade. Ele se deixava lavar os pés por uma prostituta e curava os doentes “tocando-os” fisicamente. E até usava sua saliva para curar os cegos.

O medo do corpo, da sexualidade, do abraço com o irmão, levou a Igreja a se converter em uma religião “asséptica”, com vocação mais para anjos do que para humanos. Pois bem, a essência do cristianismo não é a “encarnação” e a “ressurreição”, esta última não só das almas mas também dos corpos? E os corpos estão atravessados pela sexualidade e o prazer do encontro. Juntos, corpo e alma se salvam ou se condenam.

Juan Arias é jornalista e escritor, correspondente do “El País” no Brasil, autor de “Jesus, esse grande desconhecido” e “A Bíblia e seus segredos”, entre outros livros."






ONU lança campanha mundial para promover a igualdade LGBT


Campanha das Nações Unidas de combate a homofobia. Inclui vídeo com Edith Modesto que criou um grupo de ajuda mútua para familiares de gays, lésbicas e transgêneros no Brasil e também um vídeo com declarações do alto comissariado da ONU.

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) lançou esta sexta-feira (26) acampanha Livres e Iguais de educação pública global para promover a igualdade de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT).
Numa conferência de imprensa realizada na Cidade do Cabo, África do Sul, a Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, acompanhada pelo arcebispo emérito Desmond Tutu e pelo Juiz Edwin Cameron do Tribunal Constitucional Sul-Africano anunciou o projeto que terá um ano de duração. A versão brasileira da campanha será lançada em outubro próximo.
“A Declaração Universal dos Direitos Humanos promete um mundo no qual todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos – sem exceções, sem que ninguém seja deixado para trás”, disse a Alta Comissária Pillay. “No entanto, ainda é uma promessa vazia para muitos milhões de pessoas LGBT forçadas a enfrentar o ódio, a intolerância, a violência e a discriminação em uma base diária.”
“A mudança de atitudes nunca é fácil. Mas já aconteceu em relação a outras questões e está acontecendo já em muitas partes do mundo em relação a esta mesma questão. Ela começa com conversas muitas vezes difíceis”, disse Pillay. “E é isso que nós queremos fazer com esta campanha. “Livres e Iguais” vai inspirar milhões de conversas entre as pessoas em todo o mundo e em todo o espectro ideológico.”
A campanha tem como objetivo aumentar a conscientização sobre a violência e discriminação homofóbica e transfóbica, e incentivar um maior respeito pelos direitos das pessoas LGBT. Ao longo do próximo ano, será lançada uma série de conteúdos criativos na mesma linha conceitual de O Enigma, um vídeo divulgado pelo ACNUDH para o Dia Internacional Contra a Homofobia e Transfobia, e A história de uma mãe do Brasil, que é o primeiro de uma série de filmes com entrevistas aos familiares das pessoas LGBT em todo o mundo.
A história de uma mãe brasileira
O Enigma
A campanha surge na sequência de um relatório ACNUDH publicado em dezembro de 2011, que foi o primeiro relatóriooficial da ONU sobre a violência e discriminação contra pessoas LGBT. O relatório documentou abusos generalizados dos direitos humanos. Hoje, mais de 76 países ainda criminalizam relações homossexuais consensuais, enquanto em muitos outros a discriminação contra pessoas LGBT é generalizada – inclusive no local de trabalho, bem como nos setores da educação e saúde. A violência e a manifestação de ódio contra pessoas LGBT, incluindo agressão física, violência sexual e assassinato seletivo, foram registadas em todas as regiões do mundo.
A campanha vai se focar na necessidade de reformas legais e educação pública para combater a homofobia e transfobia.
Várias celebridades empenhadas em promover a igualdade deram o seu apoio a “Livres e Iguais”, tornando-se campeões da igualdade da ONU e ajudando a espalhar mensagens e materiais de campanha através das redes sociais. Entre esses incluem-se o artista pop Ricky Martin, a cantora Sul Africana Yvonne Chaka Chaka, a atriz de Bollywood Celina Jaitly e a cantora brasileira Daniela Mercury. Outros campeões da igualdade serão anunciados à medida que a campanha se desenrola.
Siga a campanha Livres e Iguais nas redes sociais:
Facebook: https://www.facebook.com/free.equal
Twitter: http://www.twitter.com/free_equal
Saiba mais sobre a campanha Livre e Igual em www.unfe.org

Via Sacra


  • Eis o que disse o Papa, hoje, na Via Sacra.
    Jesus se une às famílias que passam por dificuldades, que choram a perda de seus filhos ou que sofrem vendo-os presas de paraísos artificiais como a droga"
    "Jesus se une a todas as pessoas que passam fome, num mundo que todos os dias joga fora toneladas de comida"
    "Jesus se une a quem é perseguido pela religião, pelas ideias ou pela cor da pele"
    "Na Cruz de Cristo, está o sofrimento, o pecado do homem, o nosso também, e Ele acolhe tudo com seus braços abertos, carrega nas suas costas as nossas cruzes e nos diz: Coragem! Você não está sozinho a levá-la! Eu a levo com você. Eu venci a morte e vim para lhe dar esperança, dar-lhe vida", disse Francisco.
  • Com a cruz, Jesus se une ao silêncio das vítimas da violência, que já não podem clamar, sobretudo os inocentes e indefesos; nela Jesus se une às famílias que passam por dificuldades, que choram a perda de seus filhos, ou que sofrem vendo-os presas de paraísos artificiais como a droga; nela Jesus se une a todas as pessoas que passam fome, num mundo que todos os dias joga fora toneladas de comida; nela Jesus se une a quem é perseguido pela religião, pelas ideias, ou simplesmente pela cor da pele; nela Jesus se une a tantos jovens que perderam a confiança nas instituições políticas, por verem egoísmo e corrupção, ou que perderam a fé na Igreja, e até mesmo em Deus, pela incoerência de cristãos e de ministros do Evangelho."

O que o Papa Francisco trouxe até agora de novo



Para encerrar esta JMJ, escolhemos as palavras otimistas de Leonardo Boff sobre o papa Francisco e seus reflexos na Igreja. Que sejam proféticas...

É arriscado fazer um balanço do pontificado de Francisco pois o tempo decorrido não é suficiente para termos uma visão de conjunto. Numa espécie de leitura de cego que capta apenas os pontos relevantes, poderíamos elencar alguns pontos.

1.Do inverno eclesial à primavera: saímos de dois pontificados que se caracterizaram pela volta à grande disciplina e pelo controle das doutrinas. Tal estratégia criou uma espécie de inverno que congelou muitas iniciativas. Com o Papa Francisco, vindo de fora da velha cristandade europeia, do Terceiro Mundo, trouxe esperança, alívio, alegria de viver e pensar a fé crista. A Igreja voltou a ser um lar espiritual.

2.De uma fortaleza à uma casa aberta: Os dois Papas anteriores passaram a impressão de que a Igreja era uma fortaleza, cercada de inimigos contra os quais devíamos nos defender, especialmente o relativismo, a modernidade e a pós-modernidade. O Papa Francisco disse claramente: “quem se aproxima da Igreja deve encontrar as portas abertas e não fiscais da afândega da fé; “é melhor uma Igreja acidentada porque foi à rua do que uma Igreja doente e asfixiada porque ficou dentro do templo”. Portanto mais confiança que medo.

3.De Papa a bispo de Roma: Todos os Pontífices anteriores se entendiam como Papas da Igreja universal, portadores do supremo poder sobre todos as demais igrejas e fiéis. Francisco prefrere se chamar bispo de Roma, resgatando a memória mais antiga da Igreja. Quer presidir na caridade e não pelo direito canônico, sendo apenas o primeiro entre iguais. Recusa o título de Sua Santidade, pois diz que “somos todos irmãos e irmãs”. Despojou-se de todos os títulos de poder e honra. O novo Anuário Pontifício que acaba de sair cuja página inicial deveria trazer o nome do Papa com todos os títulos, agora aparece apenas assim: Francesco, bispo de Roma.

4.Do palácio à hospedaria: O nome Francisco é mais que nome; sinaliza um outro projeto de Igreja na linha de São Francisco de Assis: “uma Igreja pobre para os pobres” como disse, humilde, simples, com “cheiro de ovelhas” e não de flores de altar. Por isso deixou o palácio papal e foi morar numa hospedaria, num quarto simples e comendo junto com os demais hóspedes.

5.Da doutrina à prática: Não se apresenta como doutor mas como pastor. Fala a partir da prática, do sofrimento humano, da fome do mundo, dos imigrados da África, chegados à ilha de Lampedusa. Denuncia o fetichismo do dinheiro e o sistema financeiro mundial que martiriza inteiros países. Desta postura resgata as principais intuições da teologia da libertação, sem precisar citar o nome. Diz:”atualmente, se um cristão não é revolucionário, não é cristão; deve ser revolucionário da graça”. E continua:”é uma obrigação para o cristão envolver-se na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade”. E disse à Presidenta Cristina Kirchner:”é a primeira vez que temos um Papa peronista” pois nunca escondeu sua predileção pelo peronismo. Os Papas anteriores colocavam a política sob suspeita, alegando a eventual ideologização da fé.

6.Da exclusividade à inclusão: Os Papas anteriores enfatizaram, especialmento Bento XVI a exclusividade da Igreja Católica, a única herdeira de Cristo fora da qual corre-se risco de perdição. O Francisco, bispo de Roma, prefere o diálogo entre as Igrejas numa perspectiva de inclusão, também com as demais religiões no sentido de reforçar a paz mundial.

7. Da Igreja ao mundo: Os Papas anteriores davam centralidade à Igreja reforçando suas instituições e doutrinas. O Papa Francisco coloca o mundo, os pobres, a proteção da Terra e o cuidado pela vida como as questões axiais. A questão é: como as Igrejas ajudam a salvaguardar a vitalidade da Terra e o futuro da vida?

Como se depreende, são novos ares, nova música, novas palavras para velhos problemas que nos permitem pensar numa nova primavera da Igreja.

Leonardo Boff é teólogo e autor de Francisco de Assis e Francisco de Roma, Editora Mar de Ideias, Rio 2013.
Fonte: Blog do autor

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Entrevista com o Padre James Alison


Padre James Alison, que participou do primeiro evento do Diversidade Católica, defende em entrevista que, se por um lado, os católicos estão aprendendo, através do contato com seus familiares e amigos gays, a aceitar cada vez mais a homossexualidade, por outro lado, a resistência do clero ainda é muito grande. Também aponta que embora não possamos atribuir poderes mágicos ao papa Francisco, até agora ele tem mostrado capacidade para liderar uma renovação dentro da igreja.

“A homossexualidade é uma variante minoritária, e não patológica, da condição humana”, afirma o teólogo James Alison

James Alison (foto) é um teólogo especial. É inglês, mas está há muitos anos na América Latina, onde vive atualmente. É definido como “o sacerdote católico que procura, a partir da teologia, saídas para todo tipo de amor, incluindo o amor gay”. Alison apresenta argumentos científicos para sustentar que “a homossexualidade é uma variante minoritária, e não patológica, da condição humana”.
Fonte: http://goo.gl/2MY23k
Ele explica o empenho da Igreja em definir ahomossexualidade como uma desordem, porque “no momento em que se reconhece que uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo pode ser boa, é reconhecida a possibilidade de que existam atos sexuais em si, não abertos à procriação, e com isso toda a moral sexual tradicional desmorona”. Contudo, a porcentagem de católicos que concordam com esta doutrina sexual é muito baixa, “porque requer que os gays sejam considerados heterossexuais defeituosos”.
Alison afirma que “aqueles que mais perseguem os gays naIgreja, são gays reprimidos”, e conclui confessando, a partir de sua experiência pessoal, que aquilo que mais lhe doeu “não foi a violência das pessoas más, mas o silêncio dos bons”.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada no sítioReligión Digital, 10-07-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Bem-vindo, James.
É um prazer estar aqui. Há tempo acompanho vocês, desde o México, Brasil, Chile ou de onde estive, e é um prazer estar aqui, “no miolo”. Muitos dos articulistas de Religión Digital são meus amigos ou conhecidos, como X. Pikaza, que fez um epílogo lindíssimo para o meu primeiro livro e, desde então, nós nos correspondemos.
Você é um teólogo com obra?
Sim. Tenho pelo menos sete livros publicados em inglês, e agora acaba de sair o oitavo, que é inteiramente um curso de introdução à fé cristã, acompanhado de um DVD, pensado para que pequenos grupos possam se aprofundar na fé cristã. Três de minhas obras foram traduzidas para o espanhol: “Conocer a Jesús”, que foi a obra para a qual Pikaza fez a gentileza de escrever o epílogo, “El retorno de Abel”, editada por Herder e que é de escatologia; e a outra se chama “Una fe más allá del sentimento”, que é meu primeiro livro, em espanhol, que trata da questão gay.
Sempre digo, com bastante insistência, que eu não faço “teologia gay”. Faço teologia católica a partir de uma perspectiva gay. É muito importante fazer esta distinção, porque, caso contrário, transforma-se numa questão de gueto.
Você foi dominicano?
Sim, há muito anos. Agora sou um presbítero desocupado, em certo sentido. Quando organizaram a papelada para a dissolução dos meus votos, os dominicanos me fizeram o grande favor de não mexerem em nada no tocante ao meu sacerdócio. Então, de acordo com o Direito Canônico, descobri que posso ser sacerdote, em boas condições, sem estar incardinado, e também apto para ser incardinado, caso houvesse um bispo suficientemente louco para me querer em sua diocese. É curioso, porque um alto eclesiástico, certa vez, tentou resolver esta questão e não pude, porque quando alguém é sacerdote ordinário e não tem nenhum responsável é muito difícil fazer alguma coisa.
Apesar disso, você continua trabalhando como teólogo, missionário e catequista.
Sim, às vezes, mas sempre em lugares onde não cause escândalo. Quando estou em retiro, por exemplo, ou para a comunidade LGBT. Porque quando todo mundo é “irregular”, já não existe escândalo.
Como objetivo de sua vida, você assumiu buscar uma saída, dentro da Igreja e da teologia católica, para a realidade da homossexualidade?
Espero não causar surpresa, mas eu me identifico muito com uma coisa que Ratzinger fez e que me pareceu muito interessante: recuperar o sentido de que a fé cristã é boa nova. E isto significa escavar no espaço dos escombros do moralismo dos últimos dois ou três séculos, para tentar recuperar algo do frescor do Evangelho, e não do pensamento moralista de sacrifício, que até recentemente pareceu normal na fé cristã, tanto do lado protestante como do lado católico. E, é claro, sair deste “mundo de escombros moralistas” afeta tanto as pessoas gays como as pessoas heterossexuais. Faz parte do mesmo processo.
Ou seja, você está pedindo uma mudança na doutrina moral e sexual da Igreja.
Não, o que estou buscando é um novo paradigma para entender a fé, a salvação, a caridade e a natureza... retornando a um paradigma muito mais antigo, de uma completa ortodoxia. Por isso, não significa mudar a doutrina, porque me parece inconveniente. Se o que Jesus disse está correto, como se explica esta miséria de tramas moralistas que entramos? Porque é tão evidente que não foi assim no início! De fato, eu me considero radicalmente conservador, e não ao contrário.
A Igreja protestante alemã acaba de assinar um documento em que reconhece a existência de formas diferentes de família. Você acredita que isto é um exemplo de que certas mudanças começam a existir, nesse sentido?
Sim. De maneira explícita, a Igreja protestante reconheceu a homossexualidade, e na Igreja católica também já ocorreram mudanças. Não acredito que a questão gay seja algo sumamente difícil de ser aceita pelos fiéis católicos, mas pelo estamento clerical católico. Pelo que foi visto em pesquisas realizadas mundialmente, em países de maioria católica, a porcentagem de população católica que vê com bons olhos a normalidade de seus amigos ou parentes gays é até maior do que a média da sociedade.
Quer dizer que quem se escandaliza é o clero, não o povo?
Vocês viram isto, aqui, em seu país, que aprovou a lei do casamento igualitário. Se me recordo bem, 60% ou 70% da população estavam perfeitamente tranquilas com isto. Ao contrário, os bispos não. E aí está o problema. Diferente de outras questões de tipo moral, como o aborto, por exemplo, em relação à questão gay o povo não está alienado como os bispos. As duas questões não têm nada a ver uma com a outra. A diferença está no fato de que a convivência demonstra que isso de pensar que os gays são pessoas “objetivamente desordenadas”, nesta altura do campeonato, não tem pé e nem cabeça.
Nesta questão, a definição oficial reinante foi cunhada em 1986 (ou seja, muito recentemente), num documento do Vaticano que dizia: “Embora, em si, a inclinação homossexual não seja um pecado, supõe uma tendência mais ou menos forte para atos intrinsecamente maus, e por isso deve ser considerada objetivamente desordenada”. Está é a lógica eclesiástica que continua insistindo que não existem bons atos homossexuais, e que, portanto, define as pessoas gays como objetivamente desordenadas. Uma analogia seria a anorexia, que é uma patologia do desejo. Entretanto, caso alguém considerasse a anorexia como pertencente a uma natureza que não requer cuidados, a tendência seria a autodestruição. A anorexia é uma desordem alimentar, e a posição oficial sobre a homossexualidade a considera como algo parecido, como uma desordem. Isto é muito diferente de comparar a homossexualidade com a situação das pessoas canhotas. Ou seja, os canhotos são uma variante minoritária dos seres humanos, não uma patologia. A anorexia é uma patologia. Porém, para sustentar que todos os atos homossexuais são maus, a Igreja precisa manter a versão de que a homossexualidade é uma patologia.
Muitos bispos dizem aos homossexuais que eles não têm nada contra a homossexualidade, que nós somos todos irmãos, etc... mas, ao mesmo tempo, colocam a condição de que se abstenham de todos os atos que consideram intrinsecamente maus, como se fosse possível fazer uma distinção.
  
Nesse sentido, o Vaticano é mais honesto, porque sabe muito bem que caso queira dizer que os atos homossexuais são maus, precisa concluir que a homossexualidade é uma desordem objetiva. E nesta altura, em pleno século XXI, vale a pena se questionar sobre a verdade disto.
O que os cientistas dizem a este respeito?
Os cientistas (e não estamos falando apenas de “ciências brandas” como a psicologia, mas da química, endocrinologia e neurologia, etc.) que estudaram os hormônios intrauterinos, a configuração neuronal, etc., dizem que a homossexualidade é uma variante minoritária, e não patológica, da condição humana. Ou seja, muito mais parecida com o fato de ser canhoto do que ser anoréxico.
É frequente a pergunta sobre se o homossexual nasce ou se torna...
É uma mistura das duas coisas, mas está mais ligado ao nascimento. O mais provável é que seja uma questão intrauterina, embora as pesquisas sobre este tema ainda estejam começando (porque faz apenas 30 ou 40 anos que foi possível começar a pesquisar esta questão, sem o viés moralista). Os avanços na neurociência indicam que ninguém que já não seja gay ao nascer, torna-se gay depois.
Isso invalida a tese, sustentada por algumas pessoas, de que se trata de uma questão de vício.
Exatamente. Toda a tendência anterior consistia em tratar o assunto como se fosse uma patologia ou um vício, e isto era uma questão cultural, não apenas eclesiástica. Somente nos últimos 50 anos é que se começou a olhar para os gays de forma mais científica, perguntando-se sobre o que é e o que faz com que estas pessoas sejam diferentes, ao invés de pensar que estão fazendo maldades e de que é preciso castigá-las.
Essa dinâmica de revisão, percebida na sociedade civil, custa mais para a Igreja?
Muito mais.
Existem pessoas que continuam dizendo que a homossexualidade é reversível?
Sim. Infelizmente, precisam continuar dizendo, caso queiram manter a atual posição da Igreja. É uma ciência “concordista”, assim como os geólogos do século XIX, que queriam manter a teoria de que a composição da terra estava de acordo com o relato da Criação, em seu sentido pré-científico, e que buscavam infelizes formas de demonstrar como supostamente a ciência e a realidade se ajustavam aos ensinamentos eclesiásticos.
A moral dupla é uma das coisas que as pessoas mais reprovam na hierarquia, ou seja, dentro da instituição há muitos homossexuais (embora nem todos reconheçam).
Claro, mas não podem reconhecer isto.
Entretanto, o próprio Papa acaba de denunciar que no Vaticano há um lobby gay.
Bom, acredito que a palavra denunciar não descreve bem a intenção das declarações do Papa. O que ele fez foi reconhecer isto com bom humor. Pelo menos da forma como a informação nos chegou, parece que foram frases soltas, ditas com essa leveza que nós já sabemos que faz parte do estilo do Papa. Graças a Deus, porque isso significa que este Papa tem um estilo muito mais de encontro e diálogo.
Agora, quando o assunto do lobby gay sai da boca de altos eclesiásticos, costuma significar duas coisas. A primeira coisa é que consideram lobby toda pretensão científica de apontar que a realidade não é da forma como o Vaticano diz (por exemplo, qualquer pessoa que viesse a sugerir que, talvez, estejamos diante de uma variante minoritária não patológica), e que supostamente isto exerceria pressão (como parte do “poderoso e influente lobby gay”) contra aqueles outros cientistas que mantém a “linha dura” de pretensa cientificidade a respeito da questão homossexual. Mesmo que atualmente seja apenas uma minoria de psiquiatras, já é o suficiente para que a hierarquia eclesiástica se agarre em sua própria lógica. Nesta altura do jogo, isto soa um pouco paranoico, pois os gays seriam muito maus, mas, quem acredita que são tão poderosos? Portanto, neste caso, a palavra “lobby gay” é utilizada para se referir às pessoas que não estão dentro da cúpula do Vaticano, mas fora.
O outro uso veio à luz a partir da investigação feita por três cardeais com mais de 80 anos, que deixaram um tijolo de dossiês para Ratzinger ou para seu sucessor. Entre os vários assuntos investigados, estava a questão de um suposto lobby gay. Agora, para quem já visitou o Vaticano, não existe a menor dúvida de que, aí, há uma forte presença do setor gay. É evidente, e através de amigos dos amigos todo mundo mais ou menos se conhece. O que também se percebe é que o mundo romano é um mundo onde a regra moral está em evitar o escândalo. Portanto, para que não se evidencie ninguém, estas questões preocupam muito. E isto não supõe apenas uma dupla moral, como também uma antiquada maneira de viver. Grande parte do problema, no meu modo de ver, é que o mundo moderno e esse mundo antiquado não convivem juntos. Enquanto no mundo moderno a transparência e a honestidade são cada vez mais normais, o mundo antiquado é monossexual, masculino, e continua sendo regido pela regra básica de: “contanto que você não conte, você também pode fazer”.
Essa regra na sociedade civil já não pode se sustentar?
Não. Desde o início do século XX, influenciado por Freud e por outros autores, o mundo todo compreendeu a importância de poder ser sincero nesta matéria, de poder falar mais ou menos honestamente daquilo que se é e o que se faz em matéria sexual. E, atualmente, parece ser um fenômeno global, mais “popularizado” no Ocidente, e que exerce uma fortíssima pressão sobre as sociedades que quiseram manter seu “escudo sagrado” sobre um código ao qual se obedecia, mas não se cumpria.
O “escudo sagrado” da Igreja poderia vir abaixo, caso fosse reconhecida a liberdade sexual?
Isto será uma prova muito forte para o papa Francisco. Uma prova para a qual eu desejo tudo o de melhor para ele, porque não duvido que será doloroso, difícil e, sobretudo, muito custoso, porque há muitíssima pressão das próprias pessoas que vivem no Vaticano e do clero em geral. Confessar a homossexualidade significaria apenas ser honesto.
Precisar ficar ocultando a própria sexualidade não supõe uma esquizofrenia vital?
Sim. É uma esquizofrenia que tem consequências psicológicas muito duras, mas na qual se acostuma. E isto abre um mundo todo de chantagem, porque ninguém pode ser honesto, mas todo mundo sabe o que os outros fazem. Imagine os jogos de chantagem que podem ser feitos. Isto é evidente, e não estamos falando apenas de uma coisa eclesiástica. Se os governos norte-americano e britânico, nos anos 1950 e 1960, resolveram esta questão a respeito de suas próprias sociedades, suas próprias burocracias, seus próprios serviços de inteligência, etc., foi precisamente porque o assunto da chantagem resultava ser pior do que a questão da homossexualidade.
Ou seja, a Igreja deveria fazer o mesmo, ainda que fosse por pragmatismo?
Seria mais pragmático, sim, mas o caso é que quando se reconhece a homossexualidade e se vive honestamente (tenha ou não parceiro), torna-se necessário reconhecer também que uma relação gay pode ter boas consequências. Isto não obriga ninguém a segui-las, mas, no momento em que se reconhece que uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo pode ser boa, fica reconhecida a possibilidade de que existam atos sexuais, não abertos à procriação, que também são bons, e com isso toda a moral heterossexual tradicional desmorona. Porque a moral tradicional depende do fato de todos serem intrinsecamente heterossexuais, e de que exista apenas uma forma sexual que pode ser boa.
Quer dizer que se a Igreja aceitasse a homossexualidade, seria preciso uma revisão de toda sua moral sexual tradicional, a partir dos alicerces?
Sim, mas é uma revisão que já foi feita. O que acontece é que para estes senhores custa reconhecer.
Em nível de práxis,  já se vive, mas falta a aceitação na doutrina?
Na prática, qual a porcentagem de fiéis que está de acordo com a Humanae Vitae? Pouquíssimos. E é fácil imaginar que a porcentagem de fiéis gays, de acordo com essa doutrina, é menor ainda, porque requer que sejam considerados heterossexuais defeituosos, para que sejam mantidos.
Em razão desta situação, a Igreja provoca dor?
Muitíssima, porque a Igreja tenta dizer que a voz de Deus não está dizendo o que a voz de Deus está dizendo para você. Todo jovem gay, que mantém a fé (porque, é claro, ao escutar as malvadezas que saem da boca de alguns de nossos altos hierarcas, muitos ficam simplesmente escandalizados e abandonam), precisa passar pelo processo de superação do escândalo em distinguir a voz de Jesus (que disse que o ama, que quer acompanhá-lo e que quer viver com ele) da voz daIgreja, que faz vista grossa enquanto você não disser o que é. Para qualquer pessoa, isto é um doloroso processo de crescimento espiritual.
Para um seminarista, um noviço ou um sacerdote com vocação religiosa, ocultar sua homossexualidade suporia negar a si mesmo ou parte de si mesmo?
É um caso especialmente duro, no qual se percebe muito bem a dupla mensagem que a instituição eclesiástica oferece, pois, ao mesmo tempo em que mantém um discurso homófono, também (ao menos em muitos países do mundo) oferece acesso totalmente livre para seminaristas ou noviços de índole claramente gay, induzindo-os a viver uma vida dupla, baseada no “faça isso, não faça isso”. Com duas ordens contraditórias ao mesmo tempo, você fica paralisado. Um padre gay, por exemplo, pensa que precisa dizer a verdade porque mentir é contra o Evangelho; porém, ao mesmo tempo, sabe que caso diga a verdade, ele está fora. Pedem para que exijam transparência em tudo, mas eles próprios não podem ser transparentes.
Em sua vida pessoal, como você próprio conseguiu encaixar esta situação de duplicidade?
Bom, mais ou menos catastroficamente, aos trancos e barrancos. No passado, muitos e muitos anos atrás, graças a Deus, tive algumas experiências muito fortes, que me permitiram ver a absoluta diferença entre aquilo que é de Deus, nesta matéria, e o que, ao contrário, são os mecanismos humanos de criação de inimigos desnecessários.
Você passou por diferentes etapas (de pena, de indignação, de dor...) a respeito da Igreja?
Sim. Nesta altura do jogo, eu considero um enorme privilégio poder viver e falar tranquilamente desta realidade, mesmo sendo um fiel e um sacerdote católico, sem que isto seja um assunto de raiva. Porque a raiva destrói a própria pessoa, não os demais. No passado, o que mais me indignou não foi a violência das pessoas más, mas o silêncio dos bons. Isto é o que dói: as pessoas boas, as pessoas moderadas e as pessoas inteligentes (que existem) sabem que a situação é insustentável, mas guardam silêncio, preferem não dizer nada.
Você vê saída para esta situação?
Sim. Não sei como vai se dar, mas vejo saída pela necessidade da honestidade, que é uma regra cada vez mais imperativa. O papa Francisco poderia recorrer às armas sagradas, ou seja, retornar às soluções do tipo: “Se existe lobby gay, vamos fazer uma caça às bruxas”. O problema disto é que, embora pudesse dar prazer, durante determinado tempo, para alguns da linha dura, não funcionaria. E não funcionará porque os que fariam a caça às bruxas seriam tipicamente gays reprimidos. Aqueles que mais perseguem os gays na Igreja, são gays reprimidos. Aos heterossexuais não importa tanto, não parece ser tão interessante para eles, não se preocupam do mesma forma que os próprios gays camuflados.
Ou seja, os que mais perseguem e metem o pau são, no fundo, homossexuais reprimidos?
Ou reprimidos, ou que sabem muito bem o que precisam assumir para fazer carreira em certas coisas. Não há engano: diante da necessidade persistente de atacar os gays, costuma haver homossexualidade reprimida.
Você não acredita que Francisco assumirá a primeira saída?
Tomara que não, porque não resolve nada. Apenas prorroga uma situação.
A segunda saída é muito mais delicada, mas é a saída da maioridade. Consiste em reconhecer que existe um problema grave, que possui consequências em todos os âmbitos da vida (porque uma vez que você solta um dos parafusos do escudo sagrado, possui consequências em todos os níveis). Quantos sacerdotes existem, cujos votos ou promessas de celibato não são nulos? Porque foram feitos sob falsa consciência. Tiveram que dizer que acreditavam numa caracterização deles próprios para poder emitir um voto que não era correto. Imagine as consequências canônicas disto. Então, de que maneira se agirá para obter o início de certa transparência na discussão? Provavelmente, o máximo que pode fazer é motivar as congregações romanas para que, ao menos, concedam a possibilidade de que seja falado abertamente disto. Porque este assunto não irá desaparecer.
Porque o Povo de Deus não é o problema. A este respeito, o Povo de Deus está muito avançado. A dificuldade está em poder falar disto no mundo clerical. E isto significa que há um lobby gay fortíssimo dentro da Igreja, e que dominou o espaço nos últimos anos: o lobby dos gays auto-reprimidos. Porque eles são os que mais necessidades psicológicas possuem em manter as coisas como estão, o que permite que mantenham certa noção antiquada de bondade, além de manter claramente o sistema.
A chegada de Francisco causou esperança em você? Acredita que ele pode trazer ar fresco à Igreja?
Sem dúvida. E é um alívio perceber que o assunto da homossexualidade não é muito importante para ele. Quanto mais heterossexuais tivermos em lugares importantes da Igreja, mais facilmente será resolvida a questão homossexual, porque tradicionalmente os problemas são provocados por pessoas com muitas complicações internas. Parece que não é um grande problema para o papa Francisco, e que é capaz de tratá-lo com certo humor e com certa distância, e isso é um bom sinal.
Você acredita que ele irá conseguir fazer reformas?
Caso se deixe guiar por aquilo que até agora insistiu (retornar a Jesus e ao Evangelho), claro que conseguirá as reformas, porque isso significa que outras questões que são também um pouco barrocas, por si mesmas, irão perder importância.
Eles vão deixá-lo?
Bom, é preciso rezar para isso. Depende das agressões que sofrerá. O Papa é um alto funcionário de uma grande burocracia, e como todas as instituições, os grandes aparatos burocráticos têm suas formas de se defender e se proteger, além de cooptarem seus membros para que se comportem de determinadas formas.
Não podemos pensar em Francisco como uma espécie de salvador vindo de fora para remediar uma situação insuportável.Francisco é um homem eclesiástico que viveu seus últimos 76 anos dentro da própria instituição, e tomara que com seu frescor e sua capacidade pessoal de tomar decisões com tempo e de escolher pessoas com bons critérios para rodeá-lo, resulte melhor que os papas passados. João Paulo II tinha muitas qualidades, mas não exatamente com as pessoas que o rodeava. E, em definitivo, acredito que a questão gay é de muito maior fôlego (tanto para se abrir como para se fechar) para que uma só pessoa resolva.
Até agora estou encantado com Francisco, mas não acredito que preciso atribuir-lhe poderes divinos.
De alguma forma, ele poderia nos decepcionar?
Claro, porque as expectativas são altas. Há muita expectativa, e eu estou muito agradecido pelo trabalho que você realizou, junto com seus companheiros de Religión Digital, descobrindo uma grande ansiedade por uma Igreja mais fresca. É um alívio poder retornar ao Vaticano II sem tendências barrocas e clericais.
O medo está sendo rompido na Igreja?
Não apenas o medo. Estamos percebendo que o sentido de tudo isto é ser cristão, não o de entrar em infinitas discussões sobre a hermenêutica da continuidade ou se o Papa deve usar a mitra de Pio IX. Estas coisas, no final das contas, são bizarras.
Acredito que Francisco tem o dom de pessoas excelentes, e a capacidade de não se levar tão a sério, o que é uma característica importantíssima.
Algumas ideias-chave da entrevista:
- Para recuperar o sentido de que a fé cristã é boa nova é preciso escavar no espaço dos escombros do moralismo dos últimos dois ou três séculos, para tentar recuperar algo do frescor do Evangelho.
- O que busco é um novo paradigma de uma ortodoxia completa, porque se baseia em retornar a um paradigma muito mais antigo do que a doutrina moral sexual da Igreja.
- Se o que Jesus disse está correto, como se explica esta miséria de tramas moralistas que entramos? Porque é tão evidente que não foi assim no início!
- Não acredito que a questão gay seja algo sumamente difícil de ser aceita pelos fiéis católicos, mas pelo estamento clerical católico.
- Diferente de outras questões de tipo moral, como o aborto, por exemplo, em relação à questão gay o povo não está alienado como os bispos.
- A homossexualidade é uma variante minoritária, e não patológica, da condição humana.
- Ver-se obrigado a ocultar a homossexualidade é uma esquizofrenia que tem graves consequências psicológicas.
- No momento em que se reconhece que uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo pode ser boa, é reconhecida a possibilidade de que existam atos sexuais em si, não abertos à procriação, e com isso toda a moral sexual tradicional desmorona.
- A porcentagem de católicos que concordam com esta doutrina sexual é muito baixa, “porque requer que os gays sejam considerados heterossexuais defeituosos.
- O que mais me indignou não foi a violência das pessoas más, mas o silêncio dos bons.
- Aqueles que mais perseguem os gays na Igreja, são gays reprimidos.
- Há um lobby gay fortíssimo dentro da Igreja, e que dominou o espaço nos últimos anos: o lobby dos gays auto-reprimidos.
- Até agora estou encantado com Francisco, mas não acredito que preciso atribuir-lhe poderes divinos.


"Andorinha é indispensável"

 Arte: Teleny (aqui)

Além do Sergio Viula, nosso querido amigo e colega de "blogagem" Teleny também postou uma nota em seu blog sobre o nosso evento ontem. Toda a nossa gratidão pelo carinho das suas palavras! E seguimos caminhando e construindo juntos o sonho de um mundo mais fraterno e de uma Igreja mais inclusiva!

"Acabo de chegar do 1° Encontro de Relatos e Experiências: 'O JOVEM HOMOSSEXUAL NA IGREJA', promovido pelo Grupo Diversidade Católica, no contexto da Jornada Mundial da Juventude Rio 2013. É impossível descrever tudo em poucas palavras. A primeira coisa que me vem à mente é uma cena do filme 'Karate Kid', em que o mestre Sr. Han leva o garoto Dre a um monastério Shaolin, subindo as longas escadas. Ao entrarem numa das salas do templo o Sr. Han lhe apresenta uma mesa de pedra, com a fonte de água jorrando por dentro dela e diz: 'Essa é a água mágica do Kung Fu, se você beber dela, nada pode te derrotar'. Mais detalhadamente, é o jeito de beber aquela água, mergulhando a cara inteira, que me vem à mente, ao tentar resumir as minhas sensações, depois do encontro de hoje. A realidade é tão profunda e rica que seriam necessárias horas e mais horas, para poder conversar mais e compartilhar relatos e experiências com maior atenção. Sou - muito provavelmente - um sonhador obstinado, mas logo imaginei as próximas JMJ, com esse Encontro, incluído em sua programação oficial. Impossível? Algum tempo atrás, a visão de uma mulher de calça, também considerava-se impossível. Sim, passou pela fase de ser um escândalo (de origem diabólica), até chegar a ser algo considerado, simplesmente, normal. Tudo bem, o processo da aceitação de um 'mundo GLBTS' na Igreja (e vice-versa) é muito mais complexo e demorado, mas a dinâmica é a mesma. Sobre essa dinâmica conversei com um dos participantes do encontro, já no caminho para o lanche. Fiquei com o desejo de muitos outros encontros desse tipo. Foi ótimo reencontrar 'velhos' amigos e amigas e, finalmente, ver alguns outros que, conhecidos em uma dimensão virtual, tornaram-se reais.

Dizem que uma andorinha não faz verão. Talvez não o faça, mas é indispensável!

Parabéns, Diversidade Católica e todos que estiveram presentes! Obrigado!"

O Diversidade Católica na JMJ: o relato de quem esteve lá :-)



Queridos, nosso evento ontem foi um sucesso e nos trouxe muita alegria, principalmente pela beleza dos depoimentos que ouvimos e pelas novas amizades que fizemos. Infelizmente, em função do trânsito da cidade por causa da JMJ, muita gente não conseguiu chegar, mas, ao longo dos próximos dias, vamos compartilhar um pouco do que aconteceu na nossa página no Facebook e aqui no nosso blog. Fiquem ligados!

Por enquanto, nosso querido amigo Sergio Viula, militante LGBT e ateu, postou em seu blog Fora do Armário (veja o post completo aqui) o vídeo abaixo, contando o que ele viu. Muito obrigado, Sergio, pelo carinho e pela generosidade das suas palavras. É uma honra para a gente compartilhar aqui com vocês o seu relato.


Uma observação: a moça loira falando é a Juliana Luvizaro, colaboradora do nosso blog que inclusive já deu um depoimento aqui; e o Arnaldo, que o Sergio diz não saber se é padre (não é, rs), é um dos fundadores do Diversidade Católica e conta um pouco da sua história aqui. :-)

Para já dar uma palhinha dos depoimentos de ontem, lembramos a série de depoimentos de membros do DC que já postamos aqui.

O próximo encontro da Pastoral da Diversidade, em São Paulo, é amanhã!



Caros amigos,

em Semana de Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, o próximo encontro da Pastoral da Diversidade em São Paulo será em 27/07, amanhã, às 17h00min. Mais informações no e-mail pastoraldiversidadesp@yahoogrupos.com.br.

O local é a Casa de Clara, na Rua Japurá nº 234, bem perto das estações de Metrô Sé e Anhangabaú!

E como diz Jesus no Evangelho: "Pedi e recebereis; procurai e encontrareis; batei e vos será aberto. Pois quem pede, recebe; quem procura, encontra; e, para quem bate, se abrirá."

Peçamos nós pela nossa difícil jornada pelo fim do preconceito e pela vitória do amor!

“Ele vem oculto até nós, e a salvação consiste no fato de o reconhecermos”



O novo tipo de vida que a Ressurreição possibilita não depende da evidência forense da tumba vazia, ou da evidência circunstancial das aparições.

Encontramos a evidência na vida cotidiana. A fé na ressurreição não é algo insano, mas reside em um tipo particular de senso e de racionalidade. As ideias quanto ao que constitui a razão são historicamente variáveis. Assim como o amor, a fé na Ressurreição tem sua própria razão e qualidade de ser, um elevado grau de inteireza, que alcançamos mais do que aprendemos. As experiências, até mesmo as aparições ligadas à Ressurreição, surgem e desaparecem.

Tornam-se memórias. Nós, contudo, reconhecemos a Ressurreição naquilo que os primeiros discípulos chamaram de o “Dia de Cristo”. Trata-se do momento presente iluminado pela capacidade que a fé tem de ver o invisível, de reconhecer o que é óbvio. Como escreveu Simone Weil: “Ele vem oculto até nós, e a salvação consiste no fato de o reconhecermos”.

A pergunta que Jesus nos faz ["E vós, quem dizeis que eu sou?"] é a dádiva oferecida a nós pelo rabbuni: sua própria formulação concede a “graça do guru”.

Em todas as épocas, sua pergunta é a dádiva que espera ser recebida. Seu poder, simples e sutil, de despertar o autoconhecimento em nossa própria experiência da Ressurreição é perene. São Tomás se utiliza do tempo presente para falar da Ressurreição. Ele pode ser entendido como se afirmasse que a Ressurreição (...) transcende todas as categorias de espaço e de tempo. De maneira semelhante, os ícones da Ressurreição da tradição ortodoxa sugerem a mesma transcendência e mostram que o poder que ressuscitou Jesus continua presente e ativo.

O trabalho essencial de um mestre espiritual é apenas este: não nos dizer o que fazer, mas ajudar-nos a ver quem somos. O Eu que passamos a conhecer através de sua graça não é um ego pequeno, isolado e separado que se apega às suas memórias, desejos e medos. É um campo da consciência que se assemelha, e dela é indivisível, à consciência de que Deus é, ao mesmo tempo, a revelação cósmica e bíblica: o grande e único “EU SOU”.

- Laurence Freeman, OSB
Extraído do livro Jesus, O Mestre Interior – Martins Fontes, São Paulo, 2004, pgs. 63 e 64.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

É hoje! "O Jovem Homossexual na Igreja": nosso Encontro de Relatos e Experiências



Bom dia, pessoal... muita chuva aqui no Rio de Janeiro, mas estamos todos pegando nossas capas de chuva e galochas pra encarar a massa de ar polar e começar os preparativos do nosso evento logo mais... É hoje!

Saiba mais e veja como chegar aqui.

Tentem chegar um pouquinho antes, porque vamos começar na hora. Até lá, com as bençãos de Deus e a proteção de Maria! :-)


 Clique na imagem para ampliar

quarta-feira, 24 de julho de 2013

"Onde estás? Onde está o sangue do teu irmão?"


No início de julho, o Papa Francisco visitou a cidade de Lampedusa, no sul da Itália, "uma das principais rotas de entrada de refugiados do Norte da África em direção à Europa. A costa do Mediterrâneo naquela região é digna de uma versão contemporânea do inferno de Dante. Nos poucos mais de 100 quilômetros de mar que dividem a Europa do Norte da África já morreram milhares de pessoas. A maioria delas em função dos naufrágios das precárias embarcações, mas parte faleciam por falta de água e comida, enquanto ficavam à deriva no mar" (saiba mais aqui).

"Em Lampedusa começa o pontificado de Francisco. Não em ordem cronológica, mas de importância e significação de seu ato (
kairós). Lampedusa é a primeira “encíclica” de Francisco. Não é uma encíclica escrita, mas uma encíclica em ato, em gestos. Nesta encíclica, “o ministério petrino se despe das suas vestes monárquicas para se tornar encontro com a pessoa humana”, como diz Christian Albini.

Esta encíclica é diferente da outra, a
Lumen Fidei, escrita por Ratzinger, mas, na caridade, assumida por Francisco, para, de acordo com Marco Politi ser “enviada para ser impressa e enterrá-la”. A de Lampedusa, ao contrário, tem a sua cara. Nela palpita seu coração. Nela transparece e reluz o seu programa" (leia uma análise aprofundada da viagem de Francisco a Lampedusa e suas implicações para o atual momento da Igreja aqui).

A missa, presidida pelo papa, foi celebrada depois de Francisco, acompanhado por barcos de pescadores de Lampedusa, ter jogado no mar uma coroa de crisântemos seguido de uma profunda e emociante oração silenciosa, em memória dos emigrantes que morreram no Mediterrâneo, na entrada da Europa.

Na missa, o altar, o cálice e o báculo do Papa foram feitos com restos de madeira que sobraram dos barcos naufragados. Sim, o Papa, no meio dos emigrantes, usou um báculo de madeira. Algo raro na história.

Eis a homilia, que reproduzimos aqui via IHU.


Emigrantes mortos no mar; barcos que em vez de ser uma rota de esperança, foram uma rota de morte. Assim recitava o título dos jornais. Desde há algumas semanas, quando tive conhecimento desta notícia (que infelizmente se vai repetindo tantas vezes), o caso volta-me continuamente ao pensamento como um espinho no coração que faz doer. E então senti o dever de vir aqui hoje para rezar, para cumprir um gesto de solidariedade, mas também para despertar as nossas consciências a fim de que não se repita o que aconteceu. Que não se repita, por favor.

Antes, porém, quero dizer uma palavra de sincera gratidão e encorajamento a vós, habitantes de Lampedusa e Linosa, às associações, aos voluntários e às forças de segurança, que tendes demonstrado – e continuais a demonstrar – atenção por pessoas em viagem rumo a qualquer coisa de melhor. Sois uma realidade pequena, mas ofereceis um exemplo de solidariedade! Obrigado! Obrigado também ao Arcebispo Dom Francesco Montenegro pela sua ajuda, o seu trabalho e a sua solidariedade pastoral. Saúdo cordialmente a Presidente da Câmara Senhora Giusi Nicolini, muito obrigado por aquilo que fez e faz. Desejo saudar os queridos emigrantes muçulmanos que hoje, à noite, começam o jejum do Ramadã, desejando-lhes abundantes frutos espirituais. A Igreja está ao vosso lado na busca de uma vida mais digna para vós e vossas famílias. A vós digo: oshià!

Nesta manhã quero, à luz da Palavra de Deus que escutamos, propor algumas palavras que sejam sobretudo uma provocação à consciência de todos, que a todos incitem a reflectir e mudar concretamente certas atitudes.

"Adão, onde estás?": é a primeira pergunta que Deus faz ao homem depois do pecado. "Onde estás, Adão?". E Adão é um homem desorientado, que perdeu o seu lugar na criação, porque presume que vai tornar-se poderoso, poder dominar tudo, ser Deus. E quebra-se a harmonia, o homem erra; e o mesmo se passa na relação com o outro, que já não é o irmão a amar, mas simplesmente o outro que perturba a minha vida, o meu bem-estar. E Deus coloca a segunda pergunta: "Caim, onde está o teu irmão?" O sonho de ser poderoso, ser grande como Deus ou, melhor, ser Deus, leva a uma cadeia de erros que é cadeia de morte: leva a derramar o sangue do irmão!

Estas duas perguntas de Deus ressoam, também hoje, com toda a sua força! Muitos de nós – e neste número me incluo também eu – estamos desorientados, já não estamos atentos ao mundo em que vivemos, não cuidamos nem guardamos aquilo que Deus criou para todos, e já não somos capazes sequer de nos guardar uns com os outros. E, quando esta desorientação atinge as dimensões do mundo, chega-se a tragédias como aquela a que assistimos.

"Onde está o teu irmão? A voz do seu sangue clama até Mim", diz o Senhor Deus. Esta não é uma pergunta posta a outrem; é uma pergunta posta a mim, a ti, a cada um de nós. Estes nossos irmãos e irmãs procuravam sair de situações difíceis, para encontrarem um pouco de serenidade e de paz; procuravam um lugar melhor para si e suas famílias, mas encontraram a morte. Quantas vezes outros que procuram o mesmo não encontram compreensão, não encontram acolhimento, não encontram solidariedade! E as suas vozes sobem até Deus! Uma vez mais vos agradeço, habitantes de Lampedusa, pela solidariedade. Recentemente falei com um destes irmãos. Antes de chegar aqui, passaram pelas mãos dos traficantes, daqueles que exploram a pobreza dos outros, daquelas pessoas para quem a pobreza dos outros é uma fonte de lucro. Quanto sofreram! E alguns não conseguiram chegar.

"Onde está o teu irmão?" Quem é o responsável por este sangue? Na literatura espanhola, há uma comédia de Félix Lope de Vega, que conta como os habitantes da cidade de Fuente Ovejuna matam o Governador, porque é um tirano, mas fazem-no de modo que não se saiba quem realizou a execução. E, quando o juiz do rei pergunta "quem matou o Governador", todos respondem: "Fuente Ovejuna, senhor". Todos e ninguém! Também hoje assoma intensamente esta pergunta: Quem é o responsável pelo sangue destes irmãos e irmãs? Ninguém! Todos nós respondemos assim: não sou eu, não tenho nada a ver com isso; serão outros, eu não certamente. Mas Deus pergunta a cada um de nós: "Onde está o sangue do teu irmão que clama até Mim?"

Hoje ninguém no mundo se sente responsável por isso; perdemos o sentido da responsabilidade fraterna; caímos na atitude hipócrita do sacerdote e do levita de que falava Jesus na parábola do Bom Samaritano: ao vermos o irmão quase morto na beira da estrada, talvez pensemos "coitado" e prosseguimos o nosso caminho, não é dever nosso; e isto basta para nos tranquilizarmos, para sentirmos a consciência em ordem.

A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver como se fôssemos bolhas de sabão: estas são bonitas mas não são nada, são pura ilusão do fútil, do provisório. Esta cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!

Reaparece a figura do "Inominado" de Alexandre Manzoni. A globalização da indiferença torna-nos a todos "inominados", responsáveis sem nome nem rosto.

"Adão, onde estás?" e "onde está o teu irmão?" são as duas perguntas que Deus coloca no início da história da humanidade e dirige também a todos os homens do nosso tempo, incluindo nós próprios. Mas eu queria que nos puséssemos uma terceira pergunta: "Quem de nós chorou por este facto e por factos como este?"

Quem chorou pela morte destes irmãos e irmãs? Quem chorou por estas pessoas que vinham no barco? Pelas mães jovens que traziam os seus filhos? Por estes homens cujo desejo era conseguir qualquer coisa para sustentar as próprias famílias? Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de "padecer com": a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar!

No Evangelho, ouvimos o brado, o choro, o grande lamento: "Raquel chora os seus filhos (...), porque já não existem". Herodes semeou morte para defender o seu bem-estar, a sua própria bolha de sabão. E isto continua a repetir-se... Peçamos ao Senhor que apague também o que resta de Herodes no nosso coração; peçamos ao Senhor a graça de chorar pela nossa indiferença, de chorar pela crueldade que há no mundo, em nós, incluindo aqueles que, no anonimato, tomam decisões socioeconómicas que abrem a estrada aos dramas como este. "Quem chorou?" Quem chorou hoje no mundo?

Senhor, nesta Liturgia, que é uma liturgia de penitência, pedimos perdão pela indiferença por tantos irmãos e irmãs; pedimo-Vos perdão, Pai, por quem se acomodou e se fechou no seu próprio bem-estar que leva à anestesia do coração; pedimo-Vos perdão por aqueles que, com as suas decisões a nível mundial, criaram situações que conduzem a estes dramas. Perdão, Senhor!

Senhor, fazei que hoje ouçamos também as tuas perguntas: "Adão, onde estás? Onde está o sangue do teu irmão?"

Que o papa que nos convida a não ter medo de renovar as estruturas da Igreja nos inspire, a cada um de nós e a todos os nossos irmãos, a assumir a responsabilidade cristã perante a dor do outro. E que nossa Igreja se inspire, assim, a assumir sua responsabilidade cristã de ir ao encontro de cada irmão LGBT que sofre, que se vê excluído e marginalizado, e abra os braços para acolhê-lo, como o Pai amoroso, no calor do seu coração.

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