quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Igreja que prega "cura dos gays" na TV deve ser punida


Um fato raro está em curso na Câmara dos Deputados. Um dos 513 integrantes da Casa apresenta-se como "homossexual assumido", diz não ter "homofobia internalizada" e defende de forma direta os direitos do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).

Trata-se do baiano Jean Wyllys de Matos Santos, 37, ex-estrela do programa "Big Brother Brasil", eleito deputado federal em 2010 pelo PSOL do Rio de Janeiro.

Não há estatística histórica disponível, mas o ex-secretário-geral da Câmara Mozart Vianna, um dos mais experientes funcionários públicos do Legislativo, não se recorda de um congressista homossexual que trabalhasse de maneira aberta como Willys, filiado ao PSOL desde 2009.

Em entrevista à Folha e ao UOL (empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha), Wyllys falou sobre sua decepção com a suavização do projeto que trata da criminalização da homofobia.

"Sabe o que é inaceitável? São as igrejas, por exemplo, financiarem programas de recuperação e de cura de homossexualidade. E o pastor promover esse tipo de serviço nos seus cultos. Homossexualidade não é doença."

Para ele, a lei deveria estabelecer uma sanção contra padres e pastores que pregam a "cura" dos gays na TV.

Folha - O projeto de lei que criminaliza a homofobia agrada ao sr.?
Jean Wyllys - O texto apresentado pela senadora Marta Suplicy [PT-SP] não agrada à Frente Parlamentar LGBT nem a setores do movimento LGBT. Cria um novo tipo penal e reduz a homofobia a uma mera questão de agressão e assassinatos.

Como deve ser essa lei?
Há muito preconceito em relação a esse projeto, muita distorção. Por exemplo, a ideia de que, com a lei aprovada, ninguém vai poder chamar o outro de veado numa partida de futebol.

Não será o caso?
Não. Ao espalhar esse tipo de equívoco, joga-se a sociedade civil contra. O projeto quer a proteção da comunidade LGBT contra a injúria e contra o impedimento do acesso ao direito. Por exemplo: é um direito meu expressar publicamente meu afeto no teatro, no shopping e não ser banido desses lugares.

O que deve ser feito?
O substitutivo da senadora Marta foi redigido pelo senador Demóstenes Torres [DEM-GO], que não é homossexual. Muito pelo contrário, não tem muita simpatia pela comunidade homossexual. O texto é defasado. Não nos interessam penas de prisão de muito tempo de reclusão como forma de justificar ou de se dizer que se está enfrentando a homofobia. Penas alternativas, multas e prestações de serviço têm que ser pensadas no caso de injúrias praticadas contra homossexuais em programas de televisão.

Qual deve ser a pena a um shopping que impede o namoro de homossexuais?
Uma multa com dinheiro revertido para programas públicos ou de ONGs que promovam a cidadania gay.

E nos cultos religiosos?
As religiões têm liberdade. Está na Constituição. Os pastores são livres para dizer no púlpito de suas igrejas que a homossexualidade é pecado, já que assim o entendem. Entretanto, eu não acho que os pastores que estão explorando uma concessão pública de rádio e TV tenham que aproveitar esses espaços para demonizar e desumanizar uma comunidade inteira, como a comunidade homossexual.

Como tratar isso?
Isso é uma injúria motivada pela homofobia. Ou seja, a promoção da desqualificação pública da dignidade dos homossexuais. Tem que ser enfrentada.

O projeto de lei que criminaliza a homofobia não trata desse tema?
Não, muito pelo contrário. A senadora Marta Suplicy, que eu admiro, tentou uma negociação com a bancada conservadora.
Ela colocou um parágrafo que salvaguarda a liberdade de crença e de opinião de religiosos. Deixou as comunidades negra e judaica assoberbadas. Foi uma conquista do povo judaico e da comunidade negra proteger esses coletivos da injúria praticada por religiões.

Mas os pastores, os padres não podem tratar de homossexualidade em seus cultos de forma livre?
Se incitarem a violência por meio de um entendimento de que a homossexualidade é uma degeneração, uma abominação, uma doença, um pecado grave e mortal, aí tem que ser enfrentado. E tem que ter uma lei que preveja esse tipo de crime.

O ato criminalizado?
Criminalizado. E quando eu falo criminalizado é entender isso como injúria a um coletivo. Uma atitude difamatória de um coletivo, que merece o respeito.

O que seria inaceitável?
Sabe o que é inaceitável? As igrejas, por exemplo, financiarem programas de recuperação e de cura de homossexualidade. E o pastor promover esse tipo de serviço nos seus cultos e dizer: "Vocês, homossexuais, venham para os nossos programas de terapia e cura de homossexualidade". Homossexualidade não é uma doença. E afirmação de que homossexualidade é doença gera sofrimento psíquico para o homossexual e para a família dessa pessoa.

Deveria haver sanção?
Eu acho que tem que haver uma sanção. Eu quero que a gente compare com outros grupos vulneráveis. Alguém que incite violência contra mulheres, negros ou crianças vai ser bem aceito?
A população LGBT brasileira é de 19 milhões de pessoas. [Há] números assustadores de homicídio de homossexuais no Brasil. Até novembro deste ano foram mortos 233 homossexuais. E em 2010 foram mortos 266.

Dentro de igrejas e templos a liberdade seria total?
Nos púlpitos das igrejas, os padres têm o direito de falar o que eles quiserem para sua comunidade de fé.

A proibição ficaria para cultos eletrônicos?
É. Eu só acho que, nas concessões públicas de rádio e TV, isso não poderia ser feito. A concessão pública é nossa como sociedade. O princípio da Constituição de 1988 é o da dignidade da pessoa humana. Dar o direito de exploração [de uma TV] a um grupo, igreja ou pessoa que fere os princípios constitucionais não é a coisa mais certa.

Que avaliação o sr. faz de FHC, Lula e Dilma?
Fernando Henrique Cardoso fez a minha cabeça como sociólogo. Lula é o que mais me inspira. Dilma? Não tenho uma avaliação ainda.

Vê algo ruim em Dilma?
A suspensão do projeto Escola sem Homofobia. Ela disse que o governo não serviria à propaganda de opção sexual nenhuma. Revelou profundo desconhecimento da ideia de que nós não optamos pela nossa orientação sexual. Não é uma questão de opção.

O sr. se refere ao que foi chamado "kit gay"?
O "kit gay" foi uma expressão cunhada pelo deputado Jair Bolsonaro [PP-RJ], opositor da dignidade homossexual. Setores da mídia hegemônica assimilaram. Não se trata de um "kit gay". Trata-se de uma política pública contra o "bullying" homofóbico nas escolas.

A presidente Dilma errou?
Houve um contexto. Ela suspendeu o projeto Escola sem Homofobia exatamente quando o então ministro da Casa Civil [Antonio] Palocci era acusado de enriquecimento ilícito. Houve uma ameaça por parte dos parlamentares dessa bancada [contrários ao projeto] de convocar o ministro para se explicar se ela [Dilma] não suspendesse o projeto Escola sem Homofobia.

Por Fernando Rodrigues, de Brasília.
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, 26-12-2011
Reproduzido via Conteúdo Livre e Folha de S. Paulo

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Leia a transcrição da entrevista de Jean Wyllys à Folha e ao UOL aqui

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