sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Natal sem solidão


Por todos os cantos, escuto gente falando que "odeia o Natal". Por trás de tão desaforada frase para Papai Noel e suas renas, imagino que haja sempre embutido um gole azedo de alguma tristeza ou um pote de amargura pelo abandono, pela dificuldade ou incapacidade de comemorar a vindoura noite feliz.
De fato, para quem tem de encarar os piscas-piscas da cidade na solidão ou se banhando nas lembranças de quem ou de um tempo que se foi é o ó do borogodó.

Também é um porre queimar todo o 13º salário em presentes para sobrinhos endiabrados. Mais chato ainda é ter de suportar aquele cunhado folgado dizendo que a "coxa do peru tem dono".

Mas penso que seja preciso evitar maldizer esse tempo que ainda sobrou para parte da humanidade: doar-se à solidariedade e ceder o banco reservado aos velhos no ônibus, mudar de atitude e deixar de estacionar em vagas reservadas às pessoas com deficiência, lembrar os entes e amigos engavetados na estante do atropelo -ou do egoísmo- do cotidiano, suavizar pequenas injustiças alheias com as próprias mãos.

As razões para não gostar do Natal podem ser, com algum esforço, revertidas em atitudes que proporcionem energia e fé para dias melhores a quem não tem nem a oportunidade de escolha e irá mesmo passar esses dias no calundu.

Obviamente ninguém tem a obrigação de estar feliz nesta época do ano. Porém é uma chance coletiva e legítima de tentar amenizar o Natal de solidão forçada para alguns que moram em asilos, de rechear positivamente a fantasia dos que se "hospedam" em orfanatos, de incentivar dias melhores para os que dormem nas enfermarias, nas UTIs.

Eu mesmo já passei muitos Natais atravessados, levando comigo toda a "famiage". Em um deles, eu estava de molho, em reabilitação da paralisia infantil, no hospital Sarah, em Brasília, cercado por macas, pinos cirúrgicos, dores de todos os tipos e sabores.

Lembro que houve um show do Eduardo Dusek, que tocou "Barrados no Baile" e divertiu o povo com seus trejeitos no piano. Enfermeiros, médicos e voluntários se juntaram a pais, mães e irmãos para celebrar a data e desejar que os estropiados, no futuro, pudessem passar o dia 25 em outra situação, talvez, quem sabe, disputando a coxa do peru com o cunhado.

De lá para cá, não resolvi ir às missas do galo nem faço questão de fazer ceia à meia-noite, mas lá em casa tem enfeites, tem uma voz interior que empurra a ser mais solidário e há iniciativas diversas para não odiar o Natal, para não dar brecha à solidão e dar fôlego para os bons pensamentos. Há sempre alguém se agarrando na esperança de um mundo melhor, sobretudo quando o próprio mundo criou essa possibilidade.
E esta "Pollyanna sobre rodas" defende um Natal sem solidão. Adote um cachorro sarnento e faça dele um lulu de madame -vale também comprar um labrador babão e botar nele o nome de Banzé. Engula o orgulho com uma taça de espumante e ligue para o ingrato de seu filho mais velho que só quer saber de passear em Gramado.

Se nada funcionar, coloque o disco do "rei" na vitrola e deixe que ele repita, até ficar rouco, aquela frase gostosa: "Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo...".

- Jairo Marques
Reproduzido via Conteúdo Livre

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