sábado, 27 de julho de 2013

O que o Papa Francisco trouxe até agora de novo



Para encerrar esta JMJ, escolhemos as palavras otimistas de Leonardo Boff sobre o papa Francisco e seus reflexos na Igreja. Que sejam proféticas...

É arriscado fazer um balanço do pontificado de Francisco pois o tempo decorrido não é suficiente para termos uma visão de conjunto. Numa espécie de leitura de cego que capta apenas os pontos relevantes, poderíamos elencar alguns pontos.

1.Do inverno eclesial à primavera: saímos de dois pontificados que se caracterizaram pela volta à grande disciplina e pelo controle das doutrinas. Tal estratégia criou uma espécie de inverno que congelou muitas iniciativas. Com o Papa Francisco, vindo de fora da velha cristandade europeia, do Terceiro Mundo, trouxe esperança, alívio, alegria de viver e pensar a fé crista. A Igreja voltou a ser um lar espiritual.

2.De uma fortaleza à uma casa aberta: Os dois Papas anteriores passaram a impressão de que a Igreja era uma fortaleza, cercada de inimigos contra os quais devíamos nos defender, especialmente o relativismo, a modernidade e a pós-modernidade. O Papa Francisco disse claramente: “quem se aproxima da Igreja deve encontrar as portas abertas e não fiscais da afândega da fé; “é melhor uma Igreja acidentada porque foi à rua do que uma Igreja doente e asfixiada porque ficou dentro do templo”. Portanto mais confiança que medo.

3.De Papa a bispo de Roma: Todos os Pontífices anteriores se entendiam como Papas da Igreja universal, portadores do supremo poder sobre todos as demais igrejas e fiéis. Francisco prefrere se chamar bispo de Roma, resgatando a memória mais antiga da Igreja. Quer presidir na caridade e não pelo direito canônico, sendo apenas o primeiro entre iguais. Recusa o título de Sua Santidade, pois diz que “somos todos irmãos e irmãs”. Despojou-se de todos os títulos de poder e honra. O novo Anuário Pontifício que acaba de sair cuja página inicial deveria trazer o nome do Papa com todos os títulos, agora aparece apenas assim: Francesco, bispo de Roma.

4.Do palácio à hospedaria: O nome Francisco é mais que nome; sinaliza um outro projeto de Igreja na linha de São Francisco de Assis: “uma Igreja pobre para os pobres” como disse, humilde, simples, com “cheiro de ovelhas” e não de flores de altar. Por isso deixou o palácio papal e foi morar numa hospedaria, num quarto simples e comendo junto com os demais hóspedes.

5.Da doutrina à prática: Não se apresenta como doutor mas como pastor. Fala a partir da prática, do sofrimento humano, da fome do mundo, dos imigrados da África, chegados à ilha de Lampedusa. Denuncia o fetichismo do dinheiro e o sistema financeiro mundial que martiriza inteiros países. Desta postura resgata as principais intuições da teologia da libertação, sem precisar citar o nome. Diz:”atualmente, se um cristão não é revolucionário, não é cristão; deve ser revolucionário da graça”. E continua:”é uma obrigação para o cristão envolver-se na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade”. E disse à Presidenta Cristina Kirchner:”é a primeira vez que temos um Papa peronista” pois nunca escondeu sua predileção pelo peronismo. Os Papas anteriores colocavam a política sob suspeita, alegando a eventual ideologização da fé.

6.Da exclusividade à inclusão: Os Papas anteriores enfatizaram, especialmento Bento XVI a exclusividade da Igreja Católica, a única herdeira de Cristo fora da qual corre-se risco de perdição. O Francisco, bispo de Roma, prefere o diálogo entre as Igrejas numa perspectiva de inclusão, também com as demais religiões no sentido de reforçar a paz mundial.

7. Da Igreja ao mundo: Os Papas anteriores davam centralidade à Igreja reforçando suas instituições e doutrinas. O Papa Francisco coloca o mundo, os pobres, a proteção da Terra e o cuidado pela vida como as questões axiais. A questão é: como as Igrejas ajudam a salvaguardar a vitalidade da Terra e o futuro da vida?

Como se depreende, são novos ares, nova música, novas palavras para velhos problemas que nos permitem pensar numa nova primavera da Igreja.

Leonardo Boff é teólogo e autor de Francisco de Assis e Francisco de Roma, Editora Mar de Ideias, Rio 2013.
Fonte: Blog do autor

2 comentários:

teleny disse...

Eu acredito que o ponto de referência mais adequado para avaliação da atuação dos últimos Papas seja o Concílio Vaticano II, com toda razão considerado uma "primavera da Igreja" e um "novo Pentecostes". Com todo respeito que devo aos mais velhos, leio as ideias de Leonardo Boff no contexto de seus traumas pessoais que coincidiram com o pontificado de João Paulo II (tendo como articulador da disciplina da Igreja, em relação aos equívocos da "teologia da libertação", o Cardeal Ratzinger). Os mais jovens, talvez, não tenham ideia de todo o impacto da primeira (grande) parte do pontificado de João Paulo II, visto como maior carismático e renovador da época moderna. Enfim, ao meu ver, a Igreja continua sendo conduzida pelo Espirito Santo (outro assunto é: como os seus pastores deixam se guiar por Ele) e sempre deve ser vista de uma perspectiva mais ampla, digamos, histórica. Se mudanças interiores dentro de uma pessoa são lentas, imaginemos a dinâmica do progresso de um Povo...

Cris Serra disse...

Querido Teleny, suas palavras são sempre oportunas. Pessoalmente, tenho ficado um pouco (mal) impressionada com o grau de "deslumbramento" do Boff com o novo bispo de Roma. Além dessa perspectiva histórica que você mencionou, que é fundamental, acho interessante a gente considerar a possibilidade de uma perspectiva diferente: não se trata de esperar que nos autorizem a existir. Nós já existimos. Não se trata de alguma "autoridade" dizer se é certo ou errado sermos como somos. Como disse alguém no nosso evento de 25/7, não se trata de reivindicarmos o direito de sermos como queremos ser, mas o direito de sermos respeitados como somos. Trata-se de uma outra questão: não de definir o que é certo ou errado, mas de buscar construir uma Igreja, e um mundo, em que todos, em nossas diferenças e nossa diversidade, possamos ser respeitados e acolhidos e encontrar nossos respectivos lugares tal como somos. :-)

Um beijo carinhoso.

Cris

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