quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Nota de esclarecimento e repúdio à homofobia na disputa eleitoral


Nós, cristãos católicos LGBT, reunidos na Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, expressamos nossa perplexidade e indignação diante da manifestação homofóbica de um dos candidatos à Presidência da República no debate transmitido pela Rede Record, na TV aberta e com transmissão nacional, no último domingo (28) à noite; do total silêncio dos demais candidatos em relação às suas palavras; e do riso audível da plateia presente no estúdio da emissora durante sua fala.

Como LGBTs, gostaríamos de esclarecer que a homofobia não se reduz à rejeição irracional ou ódio em relação aos homossexuais; compreende igualmente toda manifestação arbitrária que qualifica o outro como contrário, inferior ou anormal e, devido à sua (suposta) diferença em relação a determinado padrão preponderante, alija essa pessoa de sua humanidade, dignidade e personalidade. Portanto, desqualificar alguém a partir da desqualificação de uma categoria em que o indivíduo (supostamente) se insere é homofobia.

Do mesmo modo, reduzir todo o rico espectro afetivo e sexual de um grupo de seres humanos, como fez o referido candidato no debate de domingo; equiparar, sem nenhuma fundamentação em dados concretos, homossexualidade a pedofilia; classificar a homossexualidade como doença, numa visão patologizante ultrapassada e destituída de qualquer base científica; estimular o "enfrentamento" dessa população pela "maioria", contrariando o princípio democrático de proteção e asseguramento de direitos de todos, inclusive (e sobretudo) das minorias; sugerir que os homossexuais sejam "tratados" em "algum lugar distante", remetendo a práticas famigeradas de internação e isolamento que ainda é preciso combater - tudo isso é homofobia. Tudo isso constitui a tão danosa violência psicológica a que todos nós, LGBTs, estamos submetidos ao longo de nossas vidas. Tudo isso dá corpo à violência simbólica e social que se abate sobre nós diariamente e ganha expressão material nos números assustadores das agressões, tortura e assassinatos com requintes de crueldade que, em nosso país, atingem não só a população LGBT, mas também aqueles indivíduos percebidos como LGBTs - violência que, só neste ano de 2014, já matou pelo menos 216 pessoas pelo simples fato de serem LGBT.

Como cidadãos, gostaríamos de salientar que o direito à liberdade de expressão é sempre antecedido pelo direito de cada pessoa a ser respeitada em sua dignidade. Ninguém tem o direito de propalar racismo, misoginia nem homofobia em público, na medida em que isso fere a dignidade de outras pessoas e reproduz e incentiva, direta ou indiretamente, a violência física e psicológica.

Como cristãos, lamentamos que o cristianismo, em qualquer vertente, se veja sob a ameaça de se esvaziar da sua riqueza simbólica e espiritual, perdendo qualquer traço de humanismo e sendo reduzido a mera ideologia moral e instrumento de normatização social, tornando tantos crentes incapazes de qualquer solidariedade, empatia e identificação com a humanidade de seus próximos.

Como católicos, expressamos nosso sonho com uma Igreja efetivamente católica, isto é, universal; uma Igreja de portas abertas para todos, como diz o Papa Francisco, pronta a acolher a todos em suas diferenças, aberta ao diálogo e atenta à sua vocação de defensora da vida e da dignidade de toda e cada pessoa humana.

Em Jesus Cristo, Autor da Vida, somos todos chamados à caminhada-construção de um mundo de amor, justiça e paz. Convidamos todas as pessoas de boa vontade, em particular os cristãos, a refletirem sobre o preconceito e a violência para com as pessoas LGBT e a se empenharem na sua superação, guiados pelo auxílio do Senhor, que nos ensina a amar uns aos outros, e iluminados por Maria, mãe intercessora de todos nós.

Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT
Diversidade Católica do Rio de Janeiro (DCRJ); Grupo de Ação Pastoral da Diversidade - São Paulo;
Diversidade Católica de Belo Horizonte; Diversidade Cristã de Brasília; Diversidade Católica do Paraná (DCPR); Diversidade Católica Ribeirão Preto/SP e região (DCRP); Diversidade Católica de Passos (MG); Pastoral da Diversidade - PERNAMBUCO; núcleos em formação em Itajaí (SC), Anápolis (GO) e Fortaleza (CE)

2 de outubro de 2014

4 comentários:

Unknown disse...

O que me deixou mais triste foi a repercussão das palavras desse Senhor. Quantas pessoas defendendo a liberdade de expressão, muito triste. Mas um amigo meu também citou a felicidade de ver um amigo hétero indignado com as palavras desse candidato. Essa defesa mesmo que seja mínima e discreta trás esperança para um mundo onde veja o Amor de Deus entre nós, somos tão dignos de Amor como qualquer outra pessoa no mundo. Gostaria de informação sobre esse núcleo em formação em Fortaleza-Ceará, quase explodi de felicidade quando vi. É tão difícil encontrar apoio, só temos Deus, se puderem me informar como entrar em contato com esse grupo eu seria eternamente grata. Aguardo retorno.

Equipe Diversidade Católica disse...

Querida, estamos trabalhando para que o mundo e a Igreja sejam cada vez mais lugares de acolhimento e encontro fraterno, e haja menos espaço para o ódio e a repulsa a quem quer que seja só por esta pessoa ser quem é. :-)

Você poderia nos fornecer um e-mail de contato seu? Caso prefira, pode entrar em contato com a gente por inbox em nossa página do Facebook (https://www.facebook.com/diversidadecatolica) - por enquanto, o contato é direto pelo e-mail pessoal de um dos rapazes que estão iniciando o grupo em Fortaleza, e preferimos não divulgar seu e-mail publicamente.

Aguardamos seu retorno! Vc será muito bem vinda! :-)

Um abraço fraterno

Equipe Diversidade Católica

Anônimo disse...

Vocês vão fazer algum texto sobre a recente movimentação no Vaticano? Em torno da questão num "sínodo" ou coisa assim.

Equipe Diversidade Católica disse...

Oi, João! Desculpe a demora para responder; estas últimas semanas foram de muito trabalho aqui. Estivemos analisando a documentação produzida pelo Sínodo e acabamos de publicar um breve comentário a respeito, que você pode ler aqui.

Um grande abraço!

Equipe Diversidade Católica

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