Escultura: Kyle Kirkpatrick
O livro "Parejas y sexualidad en la comunidad de Corinto", do pastor metodista argentino Pablo Manuel Ferrer, foi recentemente censurado pela Congregação para a Doutrina da Fé. Nesta entrevista, concedida ainda em 2010, é possível compreender um pouco mais de seu pensamento.
A reportagem é de Adrian Hernandez, publicada no sítio da editora argentina San Pablo, 04-09-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O pastor da Igreja Argentina Metodista, Pablo Manuel Ferrer, 38 anos, apresentou seu livro Parejas y sexualidad en la comunidad de Corinto no espaço de reflexão criado por ocasião do Mês da Bíblia [setembro de 2010], na sede da editora San Pablo, em Buenos Aires. Na apresentação, o pastor metodista desenvolveu o tema da diversidade no amor, como introdução à sua obra, acompanhado pelo padre Aldo Ranieri, que dará continuidade aos encontros de formação bíblica.
Pablo Ferrer é professor de Novo Testamento no Instituto Universitário ISEDET, onde doutorou-se em teologia. Além disso, leciona em institutos católicos, na Escola Bíblica Nuestra Señora de Sión e na Congregação do Divino Mestre de San Isidro.
Ferrer concordou em responder por telefone a esta entrevista do seu escritório da Paróquia Evangélica Emanuel, no bairro La Paternal. Ao ser consultado sobre a importância do fato de seu livro ser publicado em uma editora católica, ele explicou que "o conhecimento e a busca bíblica podem transcender fronteiras denominacionais, tanto de um lado, quanto de outro. Eu me nutro com irmãos e irmãs católicos também. Não é conhecimento católico ou conhecimento metodista. Faz parte do ecumenismo que ajuda a crescer no conhecimento bíblico".
Eis a entrevista, aqui reproduzida via IHU.
Esse conhecimento da Bíblia apaga a fronteira implícita que propõe a divisão entre "um lado" e "o outro"?
Não acredito que haja a ideia de apagar, mas sim de respeitar. É bom saber que há pessoas que têm outra tradição, outra forma de compreender, de celebrar e de entender a divindade. É bom compartilhar e que o outro continue vivendo a sua crença e que isso lhe permita viver a sua própria religião.
Na comunidade de Corinto, qual é o fim do matrimônio?
Na realidade, não há um fim. O matrimônio não tem um fim. Eu proponho que Deus nos chama para a vida em paz e para uma vida em sociedade. Para algumas posições, essa é uma decisão que será tomada através do matrimônio. Para outras, não será assim. Essa é a grandeza de Paulo. Enquanto algumas posições descartam todo contato de casal, e outras insistem que é determinante o fato de se estar casado, Paulo relativiza o matrimônio, a viuvez, o fato de estar solteiro, o fato de estar separado ou junto com outra pessoa de comum acordo.
Em seu livro, você defende que "se o projeto de casal unido por mútuo acordo não tiver resultado, então não se deve perder de vista o chamado à paz". O que isso significa?
Em Corinto, há pessoas que não estão unidas pelo casamento formal, mas sim por uniões de fato, por mútuo acordo, que Paulo considerada válidas também. Ele lhes outorga um valor salvífico para a pessoa não crente (e integrante do casal). Evidentemente, Paulo vê situações de separação. O mandamento é "não se separem", e imediatamente depois diz: "Mas, se se separarem"... Isto é, ele começa a relativizar os mandamentos que são muito duros e leva em conta as situações que se vivem por lá. Esse é o valor para o nosso tempo: pôr mandatos estritos acaba, às vezes, destruindo as pessoas. Paulo anuncia que Deus não nos chamou para cumprir mandamentos, mas sim para a paz.
Qual é a diferença entre um mandato e um conselho de Paulo?
Para algumas coisas, Paulo impõe um mandamento que ele compreende como um mandamento de Jesus. Em outros casos, anima-se a dar um conselho: "Isto sou eu que digo, não o Senhor". O que acontece? Com o tempo, com a tradição – para nós –, o conselho de Paulo, assim como o mandamento de Jesus, ficou como um novo mandamento. Eu estou em uma corrente de interpretação bíblica em que entendemos os conselhos de Paulo como conselhos para esse momento e que ele entende que é o melhor para essa situação. O problema é quando nós o transformamos em um mandamento. É um assunto para se refletir nestes tempos.
Como você chega à ideia de corrupção sexual?
Eu proponho repensar a ideia de porneia [devassidão, libertinagem]. A minha ideia é traduzir, como corrupção, algo que corrompe a natureza humana em seu aspecto individual e social, e tirar da porneia a ideia de imoralidade que envolve um cumprimento de normas. Em contrapartida, a corrupção tem a ver com a relação entre os seres humanos. A corrupção sexual é o desejo desenfreado que governa os demais desejos. Em nosso tempo, isso é evidente nos meios de comunicação de massa, que propõem que o desejo sexual soluciona toda uma outra série de desejos. É como o desejo por excelência a ser alcançado.
E a resposta de Paulo?
Ele se opõe ao grupo que defende que "não se deve tocar em mulher", desejo zero. Paulo contesta que isso é impossível, a menos que se trate de um carisma de Deus. Ele sugere que cada homem tenha sua mulher, e que cada mulher, seu homem; que o desejo sexual não deve ser reprimido suprimir nem tentar controlá-lo, mas sim canalizá-lo. Paulo não coloca os filhos como o produto que deve ser obtido do desejo. Ele mantém o desejo como um fim em si mesmo. Na nossa tradição, pietista ou ocidental e cristã, proibimo-nos o desfrute do desejo em si mesmo. Consequentemente, deve haver uma utilidade: os filhos.
Por que você defende que Paulo dá uma resposta inclusiva sobre a mulher considerada "impura"?
Na comunidade de Corinto, um grupo encontra na mulher o perigo de cair em pecado. Em 1 Coríntios, Paulo envolve tanto o homem quanto a mulher na decisão. Ele reconhece que há desejo em ambos os sexos, em oposição ao mandamento que Paulo recebe de "não tocar em mulher", que significa que a mulher não tem decisão: desejo para tocar o homem.
Paulo recolhe o debate de Corinto entre o poder e o desejo. Qual é a resposta?
Paulo democratiza o poder, um poder compartilhado. Deve se produzido de mútuo acordo: "Que não se neguem entre si". A negação não leva a lugar algum. Em um matrimônio, isso acontece muito. Uma das partes tira o seu corpo ou obriga o outro quando não sente vontade ou não quer. Na realidade, há uma posse compartilhada, e ambos devem estar de mútuo acordo.
Outro assunto do seu livro é o desejo e o carisma de Deus. Como você o interpreta?
O desejo existe, afirma Paulo. Lutar com isso não faz sentido. É preciso desfrutá-lo. Paulo admite que, em si mesmo, há um carisma (nos perguntaríamos: ele apagou o desejo ou colocou o desejo sexual em outra coisa?). Não é uma decisão de Paulo não tocar em uma mulher para melhorar certa coisa. O carisma é algo concedido por Deus a uma pessoa, não para benefício próprio, mas sim para o benefício da comunidade. Se o carisma de abstinência sexual é o mais importante, aqueles que gozam dele podem governar a comunidade; os demais, não. O capítulo 13 expressa que o único carisma e o mais importante é o amor. Ali, havia uma guerra de carismas. Paulo está fendendo a ideia de hierarquia de carismas e, portanto, a hierarquia daqueles que possuem esses carismas. Atualmente, acredito que podemos perceber isso também.
O carisma é importante em uma comunidade?
Paulo trabalha isso em 1 Coríntios, capítulo 14. Ele escreve que prefere o carisma profético. Uma pessoa fala, e isso para a edificação da comunidade. Esse é um critério que Paulo usa para determinar quando há um carisma e quando há uma característica de uma pessoa. Deus não deu um carisma a Moisés para que ele se convertesse em um super-herói, mas sim para libertar o seu povo. Eu me permito perguntar a uma pessoa: "Se isto é um carisma seu, como você beneficia o seu próximo?".
No livro, você atribui ao autor bíblico um conhecimento sobre o matrimônio ideal e o possível. Como é o casamento possível?
Paulo dirá que o ideal é que todos sejam como eu; se não for assim, há outros que estão vivendo outras realidades possíveis, não a ideal, mas sim a que foi possível viver. Entendo que Paulo enfatiza que a minha realidade – que eu entendo como ideal –, assim como a outra – que eu entendo como possível – são iguais frente aos olhos de Deus. O carisma de abstinência sexual, o casado, o separado, o juntado são diferentes possibilidades que têm o mesmo valor perante os olhos de Deus. Isso não dá nem tira uma maior aproximação a Deus.
Quais são os desafios a partir do olhar de Paulo e que, hoje, estão ocultos na comunidade?
Quanto ao âmbito sexual, certas situações ficam solapadas. Uma delas é a homossexualidade. Por exemplo, pessoas que eu conheço, que integram a comunidade e que têm tendência homossexual que não é declarada, não são eleitas como presidente ou membro de um conselho paroquial. Todos sabemos disso, no entanto, não o trazemos à tona. Na nossa Igreja [metodista], uma pessoa separada não é algo que deve ser oculto; concebemo-lo como algo que pode acontecer.
Na sua Igreja, como vocês trabalham pastoralmente a situação de pessoas separados e que voltaram a se casar?
É válido voltar a formar uma família, um casal, ou decidir ficar sozinho. Quando se rompe um projeto matrimonial, realiza-se uma revisão. Pastoralmente, eu acompanho cada um desses projetos, tentando que sejam o mais possível saudáveis, verdadeiros, tentando que não se repitam algumas experiências. Tweet
Nenhum comentário:
Postar um comentário