terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A história dos meninos gays e de infâncias devastadas

Uma foto por dia, durante 13 anos: Jeff Harris

Uma das integrantes do Diversidade Católica compartilhou com o grupo a história de Pedro e João, relatada na semana passada por Eliane Brum em sua coluna semanal na Revista Época. Ela começa contando:
"Da infância, somos todos sobreviventes. Alguns mais do que outros. Esta é a história de um homem em busca de compreender a si mesmo. E de tentar, como adulto, ser diferente do menino pelo poder da narrativa. Esta história é contada aqui porque foi a nossa ignorância – a minha e também a sua – que destroçou a vida dessas duas crianças. E tem destroçado – às vezes em brutal literalidade, com tiros e pancadas – a vida de muitos – demais."
Não vamos reproduzir o texto inteiro aqui, mas (para quem ainda não viu) recomendamos sua leitura, aqui. O que gostaríamos de compartilhar com os leitores do blog é o depoimento pessoal que, a partir desse caso, outro membro do grupo e colaborador deste blog (nosso Mister MM) compartilhou conosco.

Porque histórias como as de Pedro, João e tantas outras às vezes precisam ser compartilhadas para que as pessoas possam superar as dores e as feridas e seguir adiante - e, quem sabe, estender a mão para quem vier atrás e passar por situações semelhantes.


Vi isso acontecer de perto, muito de perto. Por ter estudado em Colégio Militar e ter convivido sempre com rapazes, presenciei por diversas vezes verdadeiros massacres como esse. Numa fase da vida em que a autoafirmação torna-se a base de toda e qualquer sobrevivência no grupo social, ninguém quer ser o diferente, seja lá qual for o parâmetro ou a medida para tal.

No colégio, vi muitos colegas serem perseguidos por serem mais fracos, franzinos, delicados, tímidos. Eu mesmo, porque era gordo, tive que desenvolver um jogo de cintura fenomenal para escapar às gozações e brincadeiras dos colegas. Nos casos de homofobia que presenciei, minha atitude foi a do omisso: temia que ali também me identificassem com todos aqueles pejorativos inflingidos à vítima e me silenciava. Um orgulho tenho no currículo (e isso ainda vou contar em episódio de um livro que estou escrevendo): salvei dois colegas da exposição à execração pública e consequente expulsão do colégio. Mas isso eu conto numa reunião do DC, prometo.

O relato do Pedro é de uma solidão infinita e a forma como ele descreve o seu percurso de "volta", de reconhecimento de si próprio, de sua identidade e (apesar do clichê) de sua verdade é bastante comovente. Em determinado ponto da sua história (quando ele diz: "eu era um adolescente exemplar. Nunca tinha bebido, nunca tinha usado drogas), vi nitidamente a figura de um ex-namorado meu: filho exemplar, certíssimo, sem falhas, sem mácula, defensor da ordem, da moral, impecavel no seu traje social e no cabelo escovinha, tudo brilhante, solar e perfeitamente enquadrado como num comercial de margarina. Obviamente, mentia para todos e para si mesmo até a raiz dos cabelos. O peso de ter que se enquadrar em qualquer esquema (seja ele a figura do filho ideal ou a do porra louca universitário, como aconteceu com Pedro), ainda mais quando o artifício serve como manutenção de um disfarce, inevitavelmente cobra um preço salgado. O próprio desenrolar da história de Pedro nos mostra isso.

Pelo que deduzi da história de Pedro, sou uns 10 anos mais velho que ele. Vivi uma época em que tanto a escassez de informação quanto a falta de meios para veiculá-las me obrigou a descobrir tudo sobre (homo)sexualidade e tudo sobre mim mesmo numa quase completa solidão. Não havia internet, os estereótipos gays eram impiedosamente repisados nos programas de humor televisivo e, quando queríamos ofender gravemente alguém, bastava chamar o sujeito de Clodovil ou Ney Matogrosso que era confusão na certa. Tive muita sorte na minha história pessoal em não ter caído no poço escuro e sem fundo da raiva, da repulsa e da culpa, como aconteceu com Pedro. E mesmo assim isso não me impediu de experimentar dolorosamente esses sentimentos diversas vezes, através das palavras, dos olhares e da (in)sensibilidade de outras pessoas.

Todos os dias rezo para que meu afeto sobreviva nesse mundo caótico de símbolos e siglas e tantas e tantas interdições, rezo para não perder a minha humanidade em meio aos que, por ignorância ou maldade, subtraem o que há de genuíno e o substituem pelo que há de supérfluo. Rezo, enfim, para que os percursos de tantos e tantos Pedros e Joões por aí desaguem em mares de compreensão e acolhimento. De perdão. Para outros e para eles mesmos.

Obrigado por ter compartilhado essa matéria.

Beijo carinhoso.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...