Foto: Hélène Desplechin
Amig@s,
Ontem publicamos uma nota (leia aqui) chamando atenção para o fato de que a notícia de maior repercussão esta semana nos veículos LGBT, de que o papa chamou o casamento gay de "ameaça à humanidade", estava baseada numa distorção, na medida em que Bento XVI em nenhum momento, em seu discurso, faz referência direta aos gays.
Sim, sabemos qual é, historicamente, seu posicionamento. Sim, em outras ocasiões ele se manifestou de maneira desastrosa em relação a nós, e de forma perfeitamente direta. Sim, estamos carecas de saber qual é a postura do Magistério, que justifica tantas intervenções em assuntos civis e de Estado por instâncias diversas do clero em todo o mundo, com consequências funestas para nós, gays, e nossos direitos civis. Sim, sabemos o quanto a Igreja como instituição, historicamente, assumiu posturas nefastas em relação a questões humanas prementes, bem como da sua dificuldade tacanha em lidar com tudo o que diz respeito à sexualidade. Em momento nenhum negamos nada disso. Apenas chamamos a atenção para o fato de que, desta vez, houve uma grave distorção pela Reuters, que fez questão de, de um discurso que abordou pontos importantes de maneira positiva, destacar uma alusão aos gays que seria, no máximo, indireta. Por que essa escolha? Por que, neste como em outros casos, fazer questão de reforçar estigmas, acentuar o mal-estar e intensificar conflitos? Isso não quer dizer que a postura da Igreja católica em relação a nós, na teoria e na prática, seja outra, mas nos sentimos na obrigação de questionar uma certa atitude que parece pretender simplesmente jogar lenha na fogueira, porque com acirramento do conflito e abertura das feridas também não vamos construir nada de bom nunca.
Recebemos uma série de críticas por "defendermos o indefensável" - como disse um amigo querido no twitter, a quem agradeço profundamente por manter o bom humor - quando não publicamos essa nota para defender ninguém. O que nos moveu, e que nos move sempre, é o combate às estigmatizações, aos rótulos, aos preconceitos construídos sobre o desconhecimento e ideias preconcebidas, às generalizações que colocam todo um conjunto de pessoas em um mesmo saco de gatos, tira de cada uma delas o direito de ser vista como ser humano único e inigualável que é e a aprisiona num papel fixo e preestabelecido do qual ela não poderá sair jamais; e, sobretudo, às segregações, aos sectarismos, às intolerâncias, às incapacidades de dialogar com quem pensa ou vê diferente de você, ao totalitarismo de ideias que é contrário ao pluralismo e ao diálogo que almejamos. Porque acreditamos que, sem uma legítima superação do ressentimento, sem uma legítima abertura ao diálogo, não poderemos nunca construir uma sociedade mais justa e plural.
Isso significa uma postura acrítica em relação à instituição eclesiástica? De forma nenhuma, e muito pelo contrário. Como cristãos responsáveis que procuramos ser, buscamos sempre estar atentos às injustiças e violências, pequenas e grandes, denunciando-as e fazendo-lhes frente, e damos nosso testemunho da nossa dignidade humana como pessoas cuja dimensão afetivo-sexual é inalienável, ao contrário do que (ainda) diz a doutrina católica - e acreditamos que qualquer mudança, em toda instituição humana, começa por aí: pelas bases. Mas, assim como conhecemos (na pele, e muito bem) a Igreja pecadora, que exclui, ameaça e violenta, quando não falha gravemente por uma escandalosa omissão e se exime, assim, de sua missão de anunciar a Boa Nova de amor de Cristo, conhecemos também a Igreja santa que se insurge contra as injustiças, que defende o fraco, que aceita, acolhe e produz boas obras, neste como em outros momentos da história. Não seria injusto colocar tudo no mesmo balaio?
Ontem o Deputado Federal Jean Wyllys publicou um excepcional comentário na Carta Capital sobre a postura nada evangélica da Igreja a respeito da homossexualidade (não deixe de ler, aqui). Seu texto é eloquente e suas críticas, colocadas com muita clareza, absolutamente pertinentes. (Com uma única falha grave, a nosso ver - o ter adotado como ponto de partida a falácia de que o papa afirmou que os gays representam uma "ameaça ao futuro da humanidade" etc., porque desta vez não foi isso que ele disse, mas paciência.) Foi, claro, bombardeado por "cristãos zelosos" nos comentários do site, ameaçando-o e a todos os gays com a danação eterna - e tome citações bíblicas, e "Deus ama você, mas odeia seu pecado". Ao ataque seguiu-se a resposta, por sua vez, dos "gays zelosos", arrolando todos os erros da Igreja e basicamente demonstrando que, se tem alguém que merece queimar nas profundas do inferno, são os cristãos e, se perigar, religiosos em geral. Ambos os lados - sim, porque são dois partidos diametralmente opostos e em guerra acalorada - tratam-se como incompatíveis, irreconciliáveis e mutuamente excludentes. A sobrevivência de um implica na destruição ou banimento ou, no mínimo, no silenciamento do outro.
É esse o reino de amor anunciado pelos cristãos? Essa é a sociedade plural, a diversidade tolerante ansiada pelos LGBTs?
Quem, como um outro amigo extremamente querido, não gostou de nos ver "defendendo o indefensável" logo encontrou uma explicação para nossa atitude injustificável: claro, é porque nós do Diversidade Católica estamos do "outro" lado, do lado "deles", não passamos de conservadores, mentirosos, hipócritas, charlatães, bajuladores. Porque, evidentemente, num mundo em guerra, polarizado entre dois extremos inconciliáveis, ou você está do meu lado, ou está contra mim. Não existe espaço para as diferenças individuais, não existe espaço para a história, o tempo, o percurso, a bagagem de cada um. Todo mundo, de um lado e de outro, é igual. Quem parece não se enquadrar numa categoria clara cai no terreno pantanoso de uma perigosa e suspeita ambiguidade. O que não é possível - de que lado você está, afinal?
Pessoalmente, sinto essa necessidade de classificar as pessoas em categorias estanques preconcebidas como uma abstração que desumaniza, uma demonização que apaga quem o outro é e o transforma num monstro; esvazia-me de toda a complexidade de sentimentos e história e relações que tecem a pessoa que eu sou e me impinge um rosto coletivo que não é o meu. Sinto que o que está em ação aí é o mesmíssimo mecanismo de invisibilização que leva os doutrinadores e juízes religiosos a afirmar, sem me conhecer, que minha afetividade e sexualidade são desordenadas por princípio. Como alguém pode afirmar qualquer coisa a meu respeito, se não me conhece, se nunca me viu? Por favor, me olhe nos olhos e me enxergue antes de me colocar num lugar que não é o meu. E isso vale tanto para o papa, dos píncaros do seu poder, quanto para quem tiver sido ferido por esse poder, do fundo da sua dor.
Ricardo, espero que algum dia você entenda o que quisemos dizer e possa nos ver de outra forma. Nunca nos conhecemos pessoalmente, mas você conquistou meu respeito, minha admiração e minha afeição mais sinceros, e lamento imensamente pela forma como você está se sentindo.
Um beijo carinhoso a tod@s.
Cristiana Tweet
2 comentários:
Tornamo-nos presas da mídia quando um artigo é assinado por um jornalista e traz a mensagem que "não foi dita" pelo Papa?
Oi, Daniel, tudo bem? :-)
Não sei se acredito muito em ser "presas" ou "vítimas" de nada. Acho que, se nos interessa, todos dispomos dos meios para nos aprofundarmos para além da primeira informação que nos é dada, seja ela qual for.
Um fraterno abraço,
Cristiana
Equipe Diversidade Católica
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