A jornalista Helena Celestino, que assina a coluna "Volta ao Mundo" do jornal O Globo, publicou esta semana um balanço das mudanças ocorridas pelo mundo para os gays, neste ano de 2013. Ela faz referência à carta que enviamos aos bispos em resposta à consulta pública do Vaticano em preparação para o Sínodo sobre a Família, em 2014 (clique aqui para ler) - e transformamos também em abaixo-assinado online (aqui) - e à nossa participação no documentário "Rio de Fé", o filme oficial da JMJ 2013.
O ano foi dos gays. Ao redor do mundo o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado, a bandeira do arco-íris tremula nos quiosques do Rio ou em bairros de Taiwan e até o Papa faz pesquisa para saber como tratar filhos criados por dois homens ou duas mulheres [saiba mais aqui]. Casais do mesmo sexo na publicidade viraram banalidade, a lei passou a punir a homofobia, não a homossexualidade. A batalha cultural está ganha, mesmo se a pena de morte ainda ameaça o amor entre iguais em países islâmicos. A vitória não foi só para os gays: em 2013, a igualdade nas relações amorosas virou o novo pensamento único no mundo ocidental, consolidando uma revolução sexual iniciada nos anos 60.
Os ingleses, com sua visão imperial e irônica do mundo, dizem que o sexo foi inventado em 1963, ano em que os Beatles lançaram o primeiro LP cantando “love, love me do", foi derrubada a lei de Chatterley — aquela que permitiu levar Oscar Wilde à cadeia por gostar de sexo com homens — e o escândalo Profumo acabou com a inocência na vida pública. O ano não sei, mas foi nos 60 que o poder jovem passou a movimentar o mundo, a pílula mudou para sempre os casamentos e as relações amorosas, as mulheres foram à luta e a maioria não mais depende de marido para sustentar a casa, o mundo à la “Mad Men” desmoronou.
O resto é uma história de altos e baixos na vida das nações e de cada um de nós. Vamos combinar, poucos têm uma relação amorosa/sexual de igualdade, mas agora este é um mantra na intimidade de homens e mulheres ocidentais. “É por isso que o casamento gay passou a ser socialmente aceito, é a última fronteira legal a ser transposta em busca do ideal de relações de igualdade”, diz a historiadora da homossexualidade da Universidade de Amsterdam, Gert Hekma, ao “Financial Times”.
De perto, a gente sabe, nenhuma relação é normal, mas só os sem-noção se vangloriam de usar o poder da grana para dominar o parceiro e até aquela tradicional história do velho rico que se casa com a bela(o) jovenzita(o) já anda deixando constrangidos os amigos próximos. Sintomático da defesa de relações de igualdade foi a indignação com o estupro de mulheres que levou multidões às ruas da Índia, provocou uma batalha legal no Senado dos EUA para tirar dos militares o poder de julgamento do crime e obrigou autoridades brasileiras a, pelo menos, prometer medidas contra a violência sexual.
“Estamos terminando um ano momentoso em relação ao sexo no ocidente”, diz o colunista Simon Kuper, citando também a cruzada contra a pedofilia e as leis contra a prostituição como sinais de algo revolucionário ocorrendo na civilização ocidental.
Este ano, do Papa aos escoteiros, dos juízes da Suprema Corte dos EUA aos comissários do partido na China e aos legisladores de Inglaterra, França e México, todos tiveram de repensar suas convicções sobre as uniões gays.
Um exemplo contundente está no filme de Cacá Diegues sobre a Jornada da Juventude [saiba mais aqui]. A mesma Cúria Metropolitana do Rio que colocou alguns padres e leigos num silêncio forçado por pregarem a aceitação dos homossexuais na Igreja, aprovou sem restrições casais do mesmo sexo expondo detalhes do seu cotidiano como gays católicos [na verdade, não são casais que aparecem, são quatro integrantes do Diversidade Católica do RJ: Marcelo, Pyter, Ed e Cris, que já deram seus depoimentos aqui e aqui]. Os grupos da Diversidade Católica no Brasil, formados por LGBTs religiosos, estão vivendo em clima de “primavera no Vaticano”, especialmente depois de o Papa incluir quatro questões sobre “a vida gay” na consulta pública às paróquias, uma preparação para o Sínodo de 2014. Num abaixo-assinado postado no Avaaz, a turma LGBT pede aos bispos deixarem de tratá-los como “ovelha negra ou rosa” — a piada é deles — e desrespeitar os direitos à estabilidade psíquica e espiritual da comunidade em nome da defesa da família [para ler, assinar se concordar e divulgar se achar importante, clique aqui].
Claro que no mundo real, a foto é menos colorida e bonita, especialmente ao ultrapassar as fronteiras ocidentais. A Suprema Corte da Índia ressuscitou a lei que pune relações entre iguais, Uganda criou lei para obrigar pessoas a denunciar vizinhos homossexuais e prever prisão perpétua para gays, retrocedendo dois séculos na história. Dos 169 países da ONU, só 18 permitem o casamento gay, outros autorizam em parte do território, mas ao menos 68 votaram pela descriminalização dessa relação. Permaneceram contra 59 outras nações que lançaram um documento separado reafirmando a proibição.
O megafone ocidental a favor das igualdade nas relações criou semana passada a palavra “sexextorsão” para denunciar o sexo em troca de favores, em que as armas de coerção são o abuso de poder e o medo. Um exemplo é o da jovem imigrante que pediu asilo no Canadá e foi convidada pelo “homem da caneta” para um café, onde ficou clara a troca: a aprovação do status de asilada estava condicionada ao sim para o sexo com ele. Ou os cibercrimes, em que cenas de sexo explícito são postadas para chantagear ex-parceiros. A associação internacional de juízes já apresentou um dossiê de 48 páginas para enquadrar estes crimes. A brigada da defesa pela igualdade nas relações amorosas e sexuais só não pode cair na armadilha conservadora de criminalizar e regulamentar o desejo porque aí tudo perde a graça.
Fonte: O Globo (aqui) Tweet
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