A
Igreja Católica vive um momento de novos ares e de renovação com o papa
Francisco. Ele tem um estilo despojado e faz um apelo para que a Igreja vá às “periferias
existenciais”, ao encontro dos pobres e dos que sofrem com as injustiças e os diversos
tipos de conflitos. Francisco critica uma Igreja ensimesmada, entrincheirada em
estruturas caducas incapazes de acolhimento, e fechada aos novos caminhos que
Deus apresenta. A novidade que Deus traz à nossa vida,
diz o papa, é verdadeiramente o que nos realiza e nos dá a verdadeira alegria e
serenidade, porque Deus nos ama e quer apenas o nosso bem. Francisco
defende as mães solteiras que querem batizar seus filhos, e enfrentam a “alfândega
pastoral” criada por religiosos moralistas. Será que estes novos ares vão beneficiar
as relações da Igreja com o mundo gay?
É
preciso considerar a história recente de Bergoglio nesta questão. Como
arcebispo de Buenos Aires e presidente da conferência dos bispos argentinos,
ele fez um pronunciamento bastante veemente contra ao projeto de lei do
casamento gay. No entanto, manifestou-se a favor da união civil entre pessoas
do mesmo sexo, na qual se reconhecem direitos, mas não há equiparação à união
heterossexual. Bergoglio também declarou que um ministro religioso não tem o
direito de forçar nada na vida privada de ninguém. E condenou o “assédio
espiritual”, que ocorre quando um ministro impõe normas, condutas e exigências
privando a liberdade do fiel.
Como
papa, ele segue os seus antecessores afirmando o valor fundamental da família formada
pela união entre um homem e uma mulher. Em um encontro com parlamentares franceses,
Francisco mencionou a visão da Igreja a respeito da pessoa humana na
perspectiva do bem comum. E declarou que na tarefa de se propor leis,
emendá-las ou revogá-las, deve-se procurar infundir nestas leis uma alma que
eleve e enobreça a pessoa. Sem dúvida, há uma referência indireta ao ensinamento
da Igreja contrário ao casamento gay, que recentemente foi aprovado na França em
meio a ondas de protestos.
Neste
país, entretanto, quarenta por cento dos católicos são favoráveis ao casamento
gay. Entre eles está o respeitado jornal Témoignage
Chrétien e o deputado socialista Erwann Binet, autor do projeto que
legalizou esta forma de união. Binet é católico praticante, e não vê
contradição entre a tradição cristã e os ideais humanitários do seu partido.
Como ele, muitos estão convencidos de que o casamento gay em nada ameaça o
casamento heterossexual ou a família tradicional. E nem prejudica o bem comum.
Pelo contrário, eleva e enobrece a pessoa humana por contemplar uma diversidade
legítima existente na sociedade. As considerações do papa podem divergir deles quanto
aos meios, não quanto aos fins. Ninguém deveria abandonar a Igreja por causa
disso.
As mudanças estão em curso, dentro e fora da Igreja. A CNBB lançou
neste ano o esboço de um documento sobre as paróquias, com o título:
“Comunidade de comunidades: uma nova paróquia”. Ele foi amplamente distribuído
para receber sugestões e depois se tornar um texto oficial. As novas situações
familiares são tratadas com realismo e abertura:
“[101] Em nossas paróquias participam pessoas unidas
sem o vínculo sacramental, outras estão numa segunda união, e há aquelas que
vivem sozinhas sustentando os filhos. Outras configurações também aparecem, como avós que criam netos ou tios
que sustentam sobrinhos. Crianças são adotadas por pessoas solteiras ou por
pessoas do mesmo sexo que vivem em união estável”.
“[102] A Igreja,
família de Cristo, precisa acolher com amor todos os seus filhos. Sem esquecer
os ensinamentos cristãos sobre a família, é preciso usar de misericórdia. É
hora de recordar que o Senhor não abandona ninguém, e que também a Igreja quer
ser solidária nas dificuldades da família. Muitos se afastaram e continuam se
afastando de nossas comunidades porque se sentiram rejeitados, porque a
primeira orientação que receberam fundamentava-se em proibições e não em uma
proposta de viver a fé em meio à dificuldade. Na renovação paroquial, a questão
familiar exige conversão pastoral para não perder nada do que a Igreja ensina
e, igualmente, não deixar de atender, pastoralmente, as novas situações
familiares”.
Esta proposta da CNBB se alinha às
grandes aspirações do papa Francisco: ir ao encontro do outro nas suas mais
diversas situações, romper as estruturas caducas e os moralismos opressivos,
fazer resplandecer a face do Deus amoroso que quer apenas o nosso bem. As
mudanças, porém, não dependem só da hierarquia, ainda que haja alguns sinais
favoráveis. Elas dependem muito dos fiéis leigos e dos que prezam a cidadania
LGBT. Não se pode aceitar o assédio espiritual feito aos gays. É preciso
protegê-los, seja afastando-os dos ambientes onde isto acontece, seja
encaminhando-os aonde haja acolhida. A Igreja, em grande parte, são os fiéis
que fazem nas comunidades locais e nas práticas cotidianas. É hora de a
cidadania LGBT contagiar a Igreja.
Equipe Diversidade Católica
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