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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Constante vigília


"O coração é tortuoso acima de tudo; é perverso — quem pode compreendê-lo?" Esta visão do profeta Jeremias sugere uma resposta diferente e menos confortável para o auto-conhecimento. O coração é geralmente definido como lugar de conhecimento espiritual e discernimento verdadeiro. É o ponto central sagrado da consciência, tabernáculo da presença divina. Conhecer o coração é conhecer a Deus.

No entanto o coração é muito próximo à outra zona do "self" bíblico, o ventre — onde, da turbulência das emoções e da paixão, emergem tempestades repentinas. As forças deste aspecto do nosso "self" facilmente lançam uma sombra sobre o coração. Faz com que pareça termos, pelo menos temporariamente, perdido a cabeça completamente. Mas deixa-nos inseguros confundir ventre e coração desse modo. Somos tão instáveis, tão imprevisíveis assim?

Enquanto estivermos nesta jornada não podemos jamais ser complacentes com qualquer grau de tranquilidade ou paz que acreditamos ter alcançado. Os Padres do deserto nos advertiram sobre estarmos constantemente vigilantes e prontos para sermos humilhados pela nossa própria instabilidade. É por isso que a Quaresma não tem a ver com perfeccionismo nem com ganhar pontos por mérito. Trata-se de humildade e auto-conhecimento, que por sua vez significam perceber que existem zonas do nosso eu que não podemos conhecer ao certo.

Por um momento você pode se sentir seguro, ancorado no coração. Equilibrado, resiliente, compassivo, centrado nos outros. Mas, imperceptivelmente, apegos vão se formando - e com eles vêm as ilusões. Aí, quando a realidade desponta e expõe esses elos fracos, a cadeia inteira parece despedaçar-se. De repente, podemos nos ver jogados em meio à dor, raiva, tristeza. No intervalo da tempestade, saberemos que esse estado é temporário e pode ser assimilado, mas também podemos nos sentir incapazes de controlá-lo.

No final de um longo dia de "luta do coração", a saúde é restaurada. Tal como acontece com Jesus em sua Paixão, o ego vai se acomodando mediante a força divina do amor. Esse amor incontrolável surge inesperadamente e varre tudo. Somente quando o equilíbrio é restaurado, vemos que o que parecia ser fracasso e desilusão - e era — era de fato, mais verdadeiramente, graça e crescimento.


- Laurence Freeman, OSB

Publicado originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil.
Tradução: Leonardo Corrêa. Grifos nossos.

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